Em que capitalismo você quer viver?
O capitalismo trimestral é uma roda vida e pressão todos os dias. Em contrapartida, surgiu há alguns anos o conceito de capitalismo consciente.
Publicado em 23 de janeiro de 2017 às, 10h00.
Última atualização em 27 de janeiro de 2017 às, 12h52.
Por Mauricio Goldstein | Sócio-consultor Corall
Na semana passada, tive o prazer de entrevistar o Kip Tindell, fundador de uma rede de varejo americana chamada Container Store, a loja original do armazenamento e organização. A conversa foi fascinante e logo será publicada na sessão Entrevistas com CEOs do blog da Corall. E um dos assuntos sobre o qual falamos foi uma polaridade: o capitalismo consciente versus o capitalismo trimestral.
O capitalismo trimestral é onde a maioria de nós passa grande parte do nosso tempo. Nele, as empresas precisam apresentar resultados trimestrais cada vez melhores, se superar a cada ciclo. É uma roda vida e pressão todos os dias. Mal fechou na venda do mês, já tem alguém perguntando do mês seguinte. O executivo muitas vezes trabalha para os investidores do mercado financeiro, sejam eles grandes acionistas, analistas de mercado ou um private equity. Isto gera toda uma atitude na organização: imediatismo e foco nos resultados de curto prazo. E quais são as implicações? Pressão exacerbada pelos números, cortes de custo, cortes de pessoal, desconexão com uma visão maior e muitas vezes com o próprio mercado, o que resulta em desengajamento dos colaboradores e menos inovação, o que só piora a situação. O mercado financeiro até pode ficar feliz, mas ninguém mais.
Em contrapartida, surgiu há alguns anos o conceito de capitalismo consciente. Nele, as empresas veem o lucro como necessário para sua perenidade, mas não como o motivo pelo qual existem. Elas têm um propósito maior, algo que entregam à sociedade e buscam resultados para todos os seus stakeholders: acionistas, clientes, colaboradores, meio ambiente, sociedade, governo, etc. O seu foco é ter um impacto positivo no mundo, e interessantemente, elas são assim mais queridas e obtém resultados ainda melhores. Mas elas sabem que o resultado é apenas a consequência de uma visão de mundo mais ampla, não o objetivo em si. Muitas empresas familiares, de capital fechado, operam com essa perspectiva de médio e longo prazo, buscando o bem-estar de todos. É até meio intuitivo para muitos fundadores e dá resultados, mas curiosamente isto se perdeu nas últimas décadas.
Paul Polman, CEO da Unilever desde janeiro de 2009, desafiou a sabedoria convencional ao criar uma agenda primeiramente focada na sustentabilidade, dirigida por princípios morais e éticos. Logo em 2009, uma de suas primeiras ações foi abolir os relatórios trimestrais e a liderança por lucro. Ele foi duramente criticado. Normalmente, atender às demandas e pedidos dos acionistas é o principal motivador das decisões de negócio, mas Polman queria mudar isto, pois acreditava que era de fato um limitador. Na mesma linha, Polman começou a ter um papel ativo na seleção dos investidores: ele escolhe investidores que têm objetivos coerentes com os da Unilever, ao invés daqueles focados exclusivamente na última linha do resultado.
John Mackey, fundador da rede de supermercados naturais Whole Foods, nos disse a mesma coisa: quando perguntado sobre como mantinha um modelo de organização alternativo (mais humano, mais consciente) sendo uma empresa listada na bolsa, ele respondeu “cada empresa tem o acionista que merece. Se você for explícito na sua estratégia e em suas prioridades, vai atrair investidores que se conectam com sua empresa”.
E muitas vezes nem notamos que estamos vivendo num tipo de capitalismo e que o alimentamos; nós temos uma escolha. Se você for o presidente ou um dos diretores de uma empresa, fica fácil perceber que você escolhe com suas decisões de negócio, com seus sonhos, com sua coragem. E se você for um “reles mortal”, você continua tendo uma escolha; você escolhe pelos seus investimentos: onde você vai investir o seu tempo, os seus talentos, a sua paixão. Mas também, você está escolhendo com suas ações do dia a dia: o banco no qual você coloca o seu dinheiro, as empresas nas quais você investe comprando ações, os produtos que você compra no mercado, como você consegue empréstimo se precisar. Cada ação promove um tipo de capitalismo. Se cada um de nós fizer essas escolhas com mais consciência, estaremos ajudando a transformar o sistema econômico e em última instância toda a sociedade. Cada ação promove uma visão de mundo, um capitalismo trimestral ou um capitalismo consciente.