Dialogar: uma dança de silêncios e falas
O equilíbrio entre falar e silenciar pode ter um impacto maravilhoso e surpreendente!
Publicado em 18 de maio de 2021 às, 17h51.
Última atualização em 18 de maio de 2021 às, 17h56.
Na canção “Só sei dançar com você“, de Tulipa Ruiz, a cantora descreve o mundo interno de alguém que se sente insegura numa dança. À medida que evolui, vai acontecendo uma coordenação sensível e cadenciada com a outra parte e os passos vão fluindo até o refrão: “Só sei dançar com você, isso é o que o amor faz”.
Pois é. O amor tem uma qualidade arrebatadora quando pensamos no verdadeiro sentido do que é dialogar: o olhar apreciativo para a outra pessoa, a capacidade de acolher e legitimar outros pontos de vista. Especialmente quando a conversa é desafiadora. Diferente dos momentos em que vamos para uma conversa com alta resolução e foco em convencer alguém de que nossa perspectiva é a única correta – o que podemos definir como palestra, monólogo ou argumentação – o diálogo tem a premissa de que minha visão é uma, não a única.
Parece fácil de compreender, mas viver isso na prática pode ser muito desafiador. Primeiro porque como seres humanos, somos complexos, com múltiplas facetas, emoções, crenças e histórias. Segundo, porque estamos num contexto que incita a velocidade para pensar, decidir e provar nosso ponto o tempo todo. E a dificuldade está em querer aplicar esse modo de dialogar a todos os casos, inclusive para dialogar sobre questões complexas. Seja discutir a política de um país, nossas opiniões sobre a vida de alguém ou sobre a mudança cultural de uma empresa milenar.
De todo modo, suspeito que ganhar consciência sobre como estamos e o que nos importa pode ser um primeiro passo. Como dizia Humberto Maturana, “No ato de conversar construímos nossa realidade com o outro”. Ver a outra pessoa e ser ponte pode começar com uma atitude gentil e auto-cuidadosa.
Vozes Caladas
Em meados de 2015 tive um insight: será que se a gente tivesse mais consciência das conversas e questões mais profundas e caladas em nós, poderíamos evoluir nessa habilidade de dialogar? Foi daí que nasceu a vivência Vozes Caladas, com uma estrutura clara de quatro passos. Essa denominação chegou depois de algumas aplicações com indivíduos e grupos, através de conversas com amigos e amigas, especialmente depois de uma sincronicidade que aconteceu com Márcio, meu sócio, que falava desse tema abordando-o de outra maneira.
Acredito que eu tenha sido o porta-voz dessa prática porque expressar meu estilo e meus talentos nem sempre foi algo fácil e fluido pra mim. À medida em que fui percebendo isso, me desenvolvendo e me soltando, fui conseguindo sentir e experimentar mais momentos de leveza, palavra chave para o bem-viver. Leveza essa que sigo buscando e aperfeiçoando em novos movimentos de autoconhecimento, de quietude e de prazer.
Desde sua concepção, “Vozes” já foi aplicada a mais de 1000 pessoas, entre coachings individuais e trabalhos com grupos, e tem ajudado as pessoas a visitarem histórias censuradas, tabus e dores emocionais acumuladas. Ela tende a iluminar o que não pode ser nomeado, expresso e compartilhado. Tem se demonstrado uma vivência potente que convida à inteireza do Ser; um convite gentil para ajudar pessoas a liberarem suas vozes, expressões e movimentos calados, errantes, tímidos ou inconstantes.
Por que refletir sobre isso?
Porque a consciência ajuda a acessar e acolher tensões, liberando novos movimentos. Porque aceitar e navegar nas emoções são combustíveis para caminhar com harmonia e vitalidade, aquele estado de força e aceitação do fluxo da vida.
Também porque há uma diferença entre calar ativa e intencionalmente ou engolir sapos. Enquanto a primeira reforça a dignidade e poder pessoal, a outra acumula ressentimento e resignação, sentimentos de exclusão e desânimo que tendem à vitimização, a nos distrair e isolar.
Como funciona? A que contextos ela se aplica?
Navegar nesse tipo de experiência pode ser um recurso para processos individuais de autoconhecimento ou estar associada a trabalhos em grupo, para aprofundar em temas como inclusão, pertencimento, envolvimento, engajamento ou saúde mental.
De maneira geral, ela começa com uma abertura (explicação / check-in / centramento) e, na sequência, passamos por cada um dos momentos-chave, conduzindo as pessoas a entrarem em contato com memórias de segredos, risco/confiança, momentos de mudança e momentos de expressão livre e solta (Armário, Casa, Ponte e Mundo).
A sua aplicação aconteceu de uma maneira diferente em cada caso porque ela é seu desenho é uma trilha com estrutura flexível. O fechamento é a costura e a reflexão dos padrões que observamos durante a vivência.
O que temos aprendido ao acompanhar pessoas nessa jornada?
- Temos vozes caladas que se manifestam como crenças limitantes, traumas, receios e reações oriundas de emoções pouco conhecidas e/ou acolhidas que tendemos a evitar
- Evitamos e acumulamos conversas difíceis sobre nós ou com outras pessoas que nos desafiam mais. Em grupos, muitas vezes, oscilamos entre uma falsa sensação de consenso e a polarização. Por esse motivo, tendemos a nos agrupar com as pessoas da nossa tribo, excluindo e criticando pessoas que pensam diferente de nós
- Quando tomamos consciência do que está calado em nós e nos abrimos, ainda que seja para uma única pessoa, experimentamos algum alívio e leveza
- Quando ousamos nos expressar mais corajosamente, sentimos ansiedade e dúvida, ao mesmo tempo que temos uma forte sensação de relevância e vitalidade
- Sabemos pouco sobre nossas qualidades porque temos investido mais tempo emtentando “consertar” o que julgamos errado em nós, ou, como dizemos nas empresas, gaps ou oportunidades de melhoria. Temos grandes oportunidades de celebrar o que já somos e reconhecer tudo o que temos conquistado.
Como podemos lidar com isso que temos descoberto?
- Observar e acolher as emoções. Vou usar a tristeza como exemplo, uma das emoções mais evitadas e rejeitadas. A tristeza nos conecta com as necessidades mais profundas da alma; é uma bela sinalizadora de quem somos e do que valorizamos na vida. O filme Divertida Mente ilustra bem isso
- Aprender e praticar conversas com a gente mesmo, cultivando espaços de silêncio e autoconhecimento. Ou seja, precisamos cuidar e reservar espaços para observar como estamos, meditar, praticar esportes, escutar músicas que nos conectem com o sagrado. Para isso, por vezes, será preciso fazer menos, ir ganhando familiaridade com o silêncio e, então, sentir mais
- Silenciar, aprofundar e integrar em si o que precisa ser elaborado e esperar o melhor momento para conversar sobre. Nem tudo pode ou precisa ser resolvido rapidamente
- Refletir cuidadosamente sobre as conversas pendentes. Escolher uma pra começar, uma conversa que pode envolver pedidos, promessas e ofertas generosas que poderão ajudar na criação de uma convivência mais prazerosa e equilibrada entre as partes
- Praticar e dialogar com as pessoas. Isso envolve firmar uma intenção genuína de se conectar, de se abrir, além de paciência para escutar… Menos olho nas telas e mais olho no olho (ainda que seja através de uma tela).
- Declarar-se aprendiz. Estamos aprendendo todo dia sobre isso. É importante reforçar a mentalidade de acolher e evoluir com os aprendizados, desconstruindo o peso do “errei de novo, eu já devia saber lidar melhor com isso”..
Beleza! Resumindo, calar ou falar?
Well… Cada caso é um caso. Essa é uma questão complexa que pode ser respondida de múltiplas formas. Muitas vezes, numa mesma conversa, é preciso equilibrar momentos de silêncios e falas. Por vezes, uma conversa parcial será suficiente – a pausa pode fazer parte do caminho de solução.
Sobretudo, será preciso praticar a presença. Várias vezes, num exercício constante. Respirar, observar as emoções, dançar junto, pausar… Novamente, cada caso é um caso!
Na presença, você está consciente do que sente no corpo, que emoções estão no aqui e agora. Você não escapa e pode decidir como navegar com e através delas.
Neste lugar, o equilíbrio entre falar e silenciar pode ter um impacto maravilhoso e surpreendente!
A presença será o seu guia interior para que o melhor de sua expressão apareça.