Desafios do Diálogo no Trabalho
Dificuldades e caminhos para bons diálogos no trabalho? Fala-se bastante sobre a importância do diálogo na gestão moderna e principalmente na liderança para o futuro. Por que então ele continua sendo um desafio? O diálogo na escola Nosso modelo escolar não incentiva o diálogo e não ensina a dialogar. Embora possamos observar este padrão se […]
corallconsultoria
Publicado em 21 de dezembro de 2020 às 12h46.
Última atualização em 21 de dezembro de 2020 às 12h50.
Dificuldades e caminhos para bons diálogos no trabalho?
Fala-se bastante sobre a importância do diálogo na gestão moderna e principalmente na liderança para o futuro. Por que então ele continua sendo um desafio?
O diálogo na escola
Nosso modelo escolar não incentiva o diálogo e não ensina a dialogar.
Embora possamos observar este padrão se transformando em algumas escolas de ponta, nosso modelo escolar é predominantemente mecanizado. Há valor neste modelo, mas ele não é dialógico em sua essência e não ensina a dialogar. Aprendemos um modelo de estudo e avaliação baseado em saber a resposta certa e seguir padrões. Não fomos incentivados a questionar e repensar o que está definido como correto. É claro que precisamos de equilíbrio neste caminho, estabelecendo alguns postulados e definições, mas ainda crescemos num padrão de educação que privilegia o desempenho individual, baseado em respostas certas pré-definidas. Sendo que as respostas certas estão mais ligadas a aprender o padrão e decorar a resposta, do que em discutir o tema num processo reflexivo e questionador.
A maioria dos modelos de avaliação escolar privilegiam questões onde há uma resposta correta a alternativas aonde diferentes respostas seriam possíveis. Além disso, crescemos escutando que o sucesso na escola definiria o seu sucesso no trabalho e na vida, criando gigantesca pressão psíquica sobre as crianças que eventualmente tenham maior tendência a processos reflexivos de aprendizagem. E efetivamente os dados não corroboram de maneira definitiva esta afirmação sobre o sucesso.
Duas historinhas rápidas da minha vida escolar: Aos meus 12 anos recebemos em minha classe a tarefa de escrever uma redação com o título “Eu Sou Assim”. Escrevi sobre um garoto que sofria bullying, ainda que na época este nome não existisse, a atitude existia. No final, o garoto encontrava sua autoconfiança e erguia a cabeça dizendo “Eu Sou Assim”. Acabei a redação feliz, pois sendo eu mesmo vítima constante de bullying, começava ali a ensaiar minha saída deste lodo. Além disso, peguei o tema proposta e desenvolvi algo que me fazia sentido e energizava. Minha nota? Zero! Perguntei à professora e a resposta dela foi: “Não era isso que eu queria.”
Ela queria uma redação auto biográfica e descritiva, mas não era isso que ela enunciou. Mas este era o padrão da escola. Deveríamos responder o que estava na cabeça do professor, e não empreender um processo reflexivo que poderia, eventualmente, trazer uma possibilidade distinta de caminho. Também não havia para discutir com o professor o parâmetro de sua avaliação. Na época, achei a professora um medíocre idiota. Hoje, acho mais ainda. Não só ela repreendeu minha experimentação criativa, como reforçou minha insegurança me empurrando de volta pra baixo do buraco bem quando eu tentava sair.
A segunda historinha é de algumas estudantes de pedagogia que vieram fazer uma pesquisa na escola onde eu estudava. Eu deveria ter uns sete ou oito anos. Elas perguntavam: “O que pesa mais? Um quilo de chumbo ou um quilo de algodão?” A resposta para mim era absolutamente óbvia: um quilo de chumbo. Mas os meninos maiores desfilavam seus doces ganhados como prêmio ao participarem da pesquisa e repetiam que a resposta a ser dada era: “Os dois pesam o mesmo, porque um quilo é um quilo!”
Esta resposta não me fazia sentido algum. Era um absurdo. Mas meu modelo mental estava treinado para duas coisas: Associar o prêmio à resposta certa, de onde todos nós acreditávamos que estávamos ganhando os doces não por participar da pesquisa, mas por acertar a resposta. E isto foi criando um padrão de repetição na galera, pois eu também havia aprendido que a resposta certa era a repetição do que o “professor” queria ouvir. Sendo assim, dei a resposta “correta” e sai extremamente feliz com meus doces e orgulhoso de ter vencido o sistema. Ou seja, quando olhamos apenas o resultado, perdemos elementos fundamentais sobre o processo, que podem certamente gerar dados distorcidos em uma pesquisa, no trabalho e na vida. Além disso, no dia que este conhecimento for fundamental, podemos descobrir tardiamente que não o aprendemos. Mas aprendemos sim que fingir saber a resposta certa traz mais resultados do que expor a sua dúvida e sua dificuldade de entender algo. Assim empobrecemos o processo e não incentivamos o diálogo.
O diálogo no trabalho
Não crescemos em uma cultura de trabalho que incentiva o diálogo.
Ainda muito baseadas nos modelos mecânicos, a gestão se fundamenta em criar engrenagens que funcionem bem, permitindo que a “máquina rode”. A “maquina precisa rodar”, “ the show must go on ”, “na prática a teoria é outra” são apenas algumas das frases que incentivam o padrão não reflexivo e operacional. O parâmetro de controle e de eficiência operacional incentiva executivos a tomarem decisões o mais rápido possível. Desta forma, a maior tendência é que decidam sozinhos, e corram estas decisões através do fluxo de seus organogramas para que sejam operacionalizadas. A comunicação que acontece nestes processos é essencialmente operacional e pouco dialógica. Uma conversa onde se transmite decisões não é um diálogo eficiente e rico. É apenas uma troca de informações. Até porque um bom diálogo demanda alguns elementos difíceis para nosso padrão de trabalho. Por exemplo? Dialogar demanda mais tempo do que decidir sozinho. E escutamos sempre que “tempo é dinheiro”. Dialogar às vezes revela a necessidade de se aprofundar no tema, colher mais informações e/ou esperar um pouco para que o entendimento se aprofunde. Isto tudo leva mais tempo, e gera um tempo de silêncio reflexivo aonde, aparentemente, “nada está sendo feito a respeito do tema”. Isto é praticamente inaceitável no nosso padrão de cultura no trabalho. Mesmo com todo o sucesso da Teoria U, apresentada pelo MIT Group, a mudança neste padrão foi pequena.
As dificuldades estruturais
Quais são as dificuldades de estrutura geradas por estes modelos? Primeiro eles têm uma importante participação na dificuldade que organizações em geral tem para encontrar bons líderes, especialmente para cargos de alta liderança. Quando não incentivamos processos realmente dialógicos, a maioria dos profissionais que participam de reuniões assistem a tomada de decisões, e se especializam em operacionaliza-las e fazer o seu cascade. Não necessariamente sentem-se parte da decisão, pois na maioria das vezes a assistiram, mas não fizeram realmente parte da discussão e não exercitaram ser um antagonista produtivo. Não foram convidados efetivamente a discordar e trazer perspectivas diferentes sobre o tema. Além da influência direta que isto tem no grau de engajamento destes profissionais com a operacionalização da decisão, também faz com que não tenham a oportunidade de aprender a tomar decisões e a assumir a responsabilidade de fazê-lo. Quando finalmente a empresa olha para seus grupos de líderes buscando alguém para subir um degrau, não enxerga pessoas preparadas para isto, em grande parte, porque o modelo não as preparou.
Além disso, o diálogo pode oferecer mais possibilidades de solução para um problema, o que é fundamental para uma cultura real de inovação. Por fim, sucessão da alta liderança, inovação e engajamento são três dos temas mais sensíveis nas organizações hoje. Sendo assim, vale a pena dar muita atenção ao diálogo dentro da empresa.
As dificuldades culturais
Nossa cultura não incentiva o diálogo. Nem no trabalho, nem na família e nem em nossa sociedade.
Na escola, raramente fomos convidados a discutir com professores nossas perspectivas sobre a pergunta. Poucas famílias estabelecem espaço de diálogo aonde filhos podem discordar dos pais desde pequenos, gerando diálogos de aprendizagem ao invés de broncas e determinações impositivas. Os conflitos são normalmente resolvidos finalizando a conversa, não incentivando-a. É mais comum escutarmos frase como “Chega de conversa”, “Eu já disse”, “sou seu pai e to dizendo”, “respeite sua mãe”, ou mesmo “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”; do que “Vejo que você não gostou da minha decisão. Vamos conversar” ou “Me explique a sua opinião”. Aliás, quando os pais chamam filhos para uma conversa, normalmente é uma bronca ou um discurso corretivo de repreensão. Isto também faz com que tenhamos uma memória negativa de uma conversa. Assim, seguiremos a vida tentando evitá-las. O mesmo acontece quando diretores chamam alunos para esta conversa e obviamente isto se reproduz na maioria das relações de chefes com suas equipes.
Quando eu tinha uns 16 anos resolvi ir para uma viagem para o Chile com os escoteiros em um Jamboree, um encontro mundial. Sim, eu fui escoteiro por mais de 15 anos, e recomendo. Pretendia sair de mochila por aí após o acampamento e viajar por pouco mais de um mês. Mas meu desempenho na escola naquele semestre deixou a desejar. Peguei uma recuperação. Sim uma só. Mas meu pai era muito rígido e fez um discurso muito bravo, acabando com a minha viagem. Fiquei muito triste e até indignado, mas incentivado pela minha mãe busquei uma nova conversa. Meus pais me escutaram, conversamos, e isso acabou mudando a decisão do meu pai. Foi a última recuperação que peguei na escola. Aprendi o valor do diálogo e as possibilidades que gera. Assumi a responsabilidade pelo meu caminho, pois não se resolveu a questão com uma punição, mas sim com uma conversa, onde dividimos diferentes perspectivas e chegamos em novos combinados. Admiro e agradeço meu pai até hoje por isso. Não me tornei um irresponsável ou vagabundo e ainda fiz uma maravilhosa viagem que ampliou muito meus horizontes. A lógica da punição nos parece mais conhecida e perfeita, mas a punição na verdade encerra o tema com pouca aprendizagem, pois trocamos a responsabilidade pela pena. Isto empobrece o desenvolvimento e anula o diálogo. Até nosso sistema judicial desincentiva o diálogo, pois deixamos esta parte para nossos advogados e somos culturalmente bombardeados com o bordão cinematográfico “Você tem o direito de ficar calado. Tudo que disser poderá ser usado contra você no tribunal.” Ou seja, você errou? O direito a ficar calado pode salvar a sua pele. Não estou dando conselhos jurídicos, mas vale a reflexão sobre nossa construção cultural.
Como incentivar o diálogo na empresa?
Não conseguiremos estabelecer uma cultura de diálogo como ferramenta de trabalho se não ousarmos romper com alguns padrões. Chamar nossos colegas para dialogar é o começo, mas é fundamental que a resposta ou solução escolhida esteja efetivamente sendo construída pelo coletivo. Se você apenas fingir estar escutando e seguir defendendo sua decisão prévia, rapidamente todos entenderão que isto não é uma construção dialógica verdadeira. Por fim, isso logo virará mais uma encenação corporativa a serviço da manutenção do status quo.
Uma vez fui convidado pelo presidente de uma empresa com um pedido bastante peculiar. Ele me dizia: Quero abrir a discussão com o comitê executivo, mas eu quero que eles escolham esta reposta específica. Preciso da sua ajuda para conduzi-los ate esta decisão sem que eles percebam. Recusei o desafio mas me disponibilizei a participar da reunião. O presidente abriu a conversa, mas logo que disseram algo ele contra argumentou. Eles começaram a rir e pedir pra ele “dar o gabarito logo”. Ou seja, a empresa já tinha um padrão de não diálogo, e pior, uma encenação falsa e sedimentada de conversa, onde a decisão era sempre do presidente. Comecei a convidar o presidente a explicar o caminho de sua decisão e sugerir que ele escutasse os demais com real disponibilidade. O final da reunião foi surpreendente e todos saíram muito felizes e engajados no desafio que definiram em conjunto. Seguiram me chamando em várias reuniões, mas a partir daí, para ajudar o diálogo a acontecer efetivamente.
Antes que implementar uma cultura de diálogo você precisa se perguntar verdadeiramente se está disposto a dialogar.
O segundo ponto tem a ver com o tempo. Dialogar demanda maior disponibilidade de tempo. A pressa comum nas organizações não gera eficiência efetiva. Isto é uma herança cultural da época em que competitividade era uma questão de produtividade. Produtividade é uma relação de tempo. Inovação, margem, desenvolvimento não. Precisamos parar de correr do tempo e começar a usá-lo bem. Dialogar é uma ótima opção de como fazer isto.
Por fim, é preciso que esta prática entre realmente na cultura da organização. Isto demanda aprendizagem, e não adianta deixar pra aprender muito tarde. Quando um cirurgião chegar na frente de um paciente é desejável que ele tenha trilhado um longo caminho de aprendizagem. Se deixarmos o diálogo restrito à alta liderança, jamais teremos líderes hábeis em dialogar, preparados a ocuparem estas posições. Se a sua empresa quer ter uma cultura de diálogo isto deve existir em todos os níveis e áreas.
Duas experiências sobre isto. Fiz alguns cursos no Exército de Israel. Lá existe uma ampla cultura de diálogo. Oficiais e comandantes são questionados abertamente e soldados por vezes questionam as decisões, estabelecendo uma conversa sobre elas. No entanto, quando estão no meio de uma ação, jamais há questionamento sobre um comando. É incrível. Parte disto se deve ao fato de que uma cultura de diálogo faz com que os soldados entendam a lógica e o conhecimento dos seus comandantes. Desta forma, há confiança em suas decisões, e na hora do combate sabem que seguir seus comandos será o melhor caminho para o sucesso. Além disso, os soldados também estão aprendendo sobre o processo de decisão dos comandantes, e quando tornarem-se oficiais poderão tomar também boas decisões. Neste caso, realmente as decisões são questão de vida ou morte.
O segunda caso vivi na Escócia, na Findhorn Foundation. Quando estive lá para um programa de formação precisei trabalhar para permanecer na comunidade. Sendo assim, trabalhava todas as manhãs e à tarde fazia meu curso. Fui designado para a equipe de manutenção. Ganhei um macacão de brim grosso e uma caixa de ferramentas ou um daqueles cintos de utilidades cheios de penduricalhos. Toda manhã, ao chegar ao galpão da manutenção o gerente da área fazia uma roda. Permanecíamos lá por cerca de 40 minutos. Neste tempo cada um dizia como estava se sentindo, e conversávamos um pouco sobre isto. Não havia julgamento algum, mas se alguém estava nervoso ou chateado, ele evitava manda-lo para cima de um andaime ou para operar máquinas pesadas ou cortantes. Conforme cada um chegava esta conversa ajudava que ficássemos mais presentes e conscientes, e ajudava o gestor a tomar boas decisões. Era absolutamente fantástico. A mesma roda era repetida no final do período. Para uma cultura de trabalho mecanicista estas conversas seriam uma aberração inadmissível, e provavelmente seríamos repreendidos ou no máximo aconselhados a usarmos o tempo do café para bater papo.
Experimente criar uma cultura de diálogo na sua empresa. Isto é um trabalho longo e profundo e acho até que você precisará de ajuda. Mas acredito realmente que o novo modelo de trabalho passa por isso, bem como os novos caminhos para as organizações e até, ouso dizer. A cura do mundo. Incluindo a minha e a sua.
Tenha uma boa conversa!
Dificuldades e caminhos para bons diálogos no trabalho?
Fala-se bastante sobre a importância do diálogo na gestão moderna e principalmente na liderança para o futuro. Por que então ele continua sendo um desafio?
O diálogo na escola
Nosso modelo escolar não incentiva o diálogo e não ensina a dialogar.
Embora possamos observar este padrão se transformando em algumas escolas de ponta, nosso modelo escolar é predominantemente mecanizado. Há valor neste modelo, mas ele não é dialógico em sua essência e não ensina a dialogar. Aprendemos um modelo de estudo e avaliação baseado em saber a resposta certa e seguir padrões. Não fomos incentivados a questionar e repensar o que está definido como correto. É claro que precisamos de equilíbrio neste caminho, estabelecendo alguns postulados e definições, mas ainda crescemos num padrão de educação que privilegia o desempenho individual, baseado em respostas certas pré-definidas. Sendo que as respostas certas estão mais ligadas a aprender o padrão e decorar a resposta, do que em discutir o tema num processo reflexivo e questionador.
A maioria dos modelos de avaliação escolar privilegiam questões onde há uma resposta correta a alternativas aonde diferentes respostas seriam possíveis. Além disso, crescemos escutando que o sucesso na escola definiria o seu sucesso no trabalho e na vida, criando gigantesca pressão psíquica sobre as crianças que eventualmente tenham maior tendência a processos reflexivos de aprendizagem. E efetivamente os dados não corroboram de maneira definitiva esta afirmação sobre o sucesso.
Duas historinhas rápidas da minha vida escolar: Aos meus 12 anos recebemos em minha classe a tarefa de escrever uma redação com o título “Eu Sou Assim”. Escrevi sobre um garoto que sofria bullying, ainda que na época este nome não existisse, a atitude existia. No final, o garoto encontrava sua autoconfiança e erguia a cabeça dizendo “Eu Sou Assim”. Acabei a redação feliz, pois sendo eu mesmo vítima constante de bullying, começava ali a ensaiar minha saída deste lodo. Além disso, peguei o tema proposta e desenvolvi algo que me fazia sentido e energizava. Minha nota? Zero! Perguntei à professora e a resposta dela foi: “Não era isso que eu queria.”
Ela queria uma redação auto biográfica e descritiva, mas não era isso que ela enunciou. Mas este era o padrão da escola. Deveríamos responder o que estava na cabeça do professor, e não empreender um processo reflexivo que poderia, eventualmente, trazer uma possibilidade distinta de caminho. Também não havia para discutir com o professor o parâmetro de sua avaliação. Na época, achei a professora um medíocre idiota. Hoje, acho mais ainda. Não só ela repreendeu minha experimentação criativa, como reforçou minha insegurança me empurrando de volta pra baixo do buraco bem quando eu tentava sair.
A segunda historinha é de algumas estudantes de pedagogia que vieram fazer uma pesquisa na escola onde eu estudava. Eu deveria ter uns sete ou oito anos. Elas perguntavam: “O que pesa mais? Um quilo de chumbo ou um quilo de algodão?” A resposta para mim era absolutamente óbvia: um quilo de chumbo. Mas os meninos maiores desfilavam seus doces ganhados como prêmio ao participarem da pesquisa e repetiam que a resposta a ser dada era: “Os dois pesam o mesmo, porque um quilo é um quilo!”
Esta resposta não me fazia sentido algum. Era um absurdo. Mas meu modelo mental estava treinado para duas coisas: Associar o prêmio à resposta certa, de onde todos nós acreditávamos que estávamos ganhando os doces não por participar da pesquisa, mas por acertar a resposta. E isto foi criando um padrão de repetição na galera, pois eu também havia aprendido que a resposta certa era a repetição do que o “professor” queria ouvir. Sendo assim, dei a resposta “correta” e sai extremamente feliz com meus doces e orgulhoso de ter vencido o sistema. Ou seja, quando olhamos apenas o resultado, perdemos elementos fundamentais sobre o processo, que podem certamente gerar dados distorcidos em uma pesquisa, no trabalho e na vida. Além disso, no dia que este conhecimento for fundamental, podemos descobrir tardiamente que não o aprendemos. Mas aprendemos sim que fingir saber a resposta certa traz mais resultados do que expor a sua dúvida e sua dificuldade de entender algo. Assim empobrecemos o processo e não incentivamos o diálogo.
O diálogo no trabalho
Não crescemos em uma cultura de trabalho que incentiva o diálogo.
Ainda muito baseadas nos modelos mecânicos, a gestão se fundamenta em criar engrenagens que funcionem bem, permitindo que a “máquina rode”. A “maquina precisa rodar”, “ the show must go on ”, “na prática a teoria é outra” são apenas algumas das frases que incentivam o padrão não reflexivo e operacional. O parâmetro de controle e de eficiência operacional incentiva executivos a tomarem decisões o mais rápido possível. Desta forma, a maior tendência é que decidam sozinhos, e corram estas decisões através do fluxo de seus organogramas para que sejam operacionalizadas. A comunicação que acontece nestes processos é essencialmente operacional e pouco dialógica. Uma conversa onde se transmite decisões não é um diálogo eficiente e rico. É apenas uma troca de informações. Até porque um bom diálogo demanda alguns elementos difíceis para nosso padrão de trabalho. Por exemplo? Dialogar demanda mais tempo do que decidir sozinho. E escutamos sempre que “tempo é dinheiro”. Dialogar às vezes revela a necessidade de se aprofundar no tema, colher mais informações e/ou esperar um pouco para que o entendimento se aprofunde. Isto tudo leva mais tempo, e gera um tempo de silêncio reflexivo aonde, aparentemente, “nada está sendo feito a respeito do tema”. Isto é praticamente inaceitável no nosso padrão de cultura no trabalho. Mesmo com todo o sucesso da Teoria U, apresentada pelo MIT Group, a mudança neste padrão foi pequena.
As dificuldades estruturais
Quais são as dificuldades de estrutura geradas por estes modelos? Primeiro eles têm uma importante participação na dificuldade que organizações em geral tem para encontrar bons líderes, especialmente para cargos de alta liderança. Quando não incentivamos processos realmente dialógicos, a maioria dos profissionais que participam de reuniões assistem a tomada de decisões, e se especializam em operacionaliza-las e fazer o seu cascade. Não necessariamente sentem-se parte da decisão, pois na maioria das vezes a assistiram, mas não fizeram realmente parte da discussão e não exercitaram ser um antagonista produtivo. Não foram convidados efetivamente a discordar e trazer perspectivas diferentes sobre o tema. Além da influência direta que isto tem no grau de engajamento destes profissionais com a operacionalização da decisão, também faz com que não tenham a oportunidade de aprender a tomar decisões e a assumir a responsabilidade de fazê-lo. Quando finalmente a empresa olha para seus grupos de líderes buscando alguém para subir um degrau, não enxerga pessoas preparadas para isto, em grande parte, porque o modelo não as preparou.
Além disso, o diálogo pode oferecer mais possibilidades de solução para um problema, o que é fundamental para uma cultura real de inovação. Por fim, sucessão da alta liderança, inovação e engajamento são três dos temas mais sensíveis nas organizações hoje. Sendo assim, vale a pena dar muita atenção ao diálogo dentro da empresa.
As dificuldades culturais
Nossa cultura não incentiva o diálogo. Nem no trabalho, nem na família e nem em nossa sociedade.
Na escola, raramente fomos convidados a discutir com professores nossas perspectivas sobre a pergunta. Poucas famílias estabelecem espaço de diálogo aonde filhos podem discordar dos pais desde pequenos, gerando diálogos de aprendizagem ao invés de broncas e determinações impositivas. Os conflitos são normalmente resolvidos finalizando a conversa, não incentivando-a. É mais comum escutarmos frase como “Chega de conversa”, “Eu já disse”, “sou seu pai e to dizendo”, “respeite sua mãe”, ou mesmo “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”; do que “Vejo que você não gostou da minha decisão. Vamos conversar” ou “Me explique a sua opinião”. Aliás, quando os pais chamam filhos para uma conversa, normalmente é uma bronca ou um discurso corretivo de repreensão. Isto também faz com que tenhamos uma memória negativa de uma conversa. Assim, seguiremos a vida tentando evitá-las. O mesmo acontece quando diretores chamam alunos para esta conversa e obviamente isto se reproduz na maioria das relações de chefes com suas equipes.
Quando eu tinha uns 16 anos resolvi ir para uma viagem para o Chile com os escoteiros em um Jamboree, um encontro mundial. Sim, eu fui escoteiro por mais de 15 anos, e recomendo. Pretendia sair de mochila por aí após o acampamento e viajar por pouco mais de um mês. Mas meu desempenho na escola naquele semestre deixou a desejar. Peguei uma recuperação. Sim uma só. Mas meu pai era muito rígido e fez um discurso muito bravo, acabando com a minha viagem. Fiquei muito triste e até indignado, mas incentivado pela minha mãe busquei uma nova conversa. Meus pais me escutaram, conversamos, e isso acabou mudando a decisão do meu pai. Foi a última recuperação que peguei na escola. Aprendi o valor do diálogo e as possibilidades que gera. Assumi a responsabilidade pelo meu caminho, pois não se resolveu a questão com uma punição, mas sim com uma conversa, onde dividimos diferentes perspectivas e chegamos em novos combinados. Admiro e agradeço meu pai até hoje por isso. Não me tornei um irresponsável ou vagabundo e ainda fiz uma maravilhosa viagem que ampliou muito meus horizontes. A lógica da punição nos parece mais conhecida e perfeita, mas a punição na verdade encerra o tema com pouca aprendizagem, pois trocamos a responsabilidade pela pena. Isto empobrece o desenvolvimento e anula o diálogo. Até nosso sistema judicial desincentiva o diálogo, pois deixamos esta parte para nossos advogados e somos culturalmente bombardeados com o bordão cinematográfico “Você tem o direito de ficar calado. Tudo que disser poderá ser usado contra você no tribunal.” Ou seja, você errou? O direito a ficar calado pode salvar a sua pele. Não estou dando conselhos jurídicos, mas vale a reflexão sobre nossa construção cultural.
Como incentivar o diálogo na empresa?
Não conseguiremos estabelecer uma cultura de diálogo como ferramenta de trabalho se não ousarmos romper com alguns padrões. Chamar nossos colegas para dialogar é o começo, mas é fundamental que a resposta ou solução escolhida esteja efetivamente sendo construída pelo coletivo. Se você apenas fingir estar escutando e seguir defendendo sua decisão prévia, rapidamente todos entenderão que isto não é uma construção dialógica verdadeira. Por fim, isso logo virará mais uma encenação corporativa a serviço da manutenção do status quo.
Uma vez fui convidado pelo presidente de uma empresa com um pedido bastante peculiar. Ele me dizia: Quero abrir a discussão com o comitê executivo, mas eu quero que eles escolham esta reposta específica. Preciso da sua ajuda para conduzi-los ate esta decisão sem que eles percebam. Recusei o desafio mas me disponibilizei a participar da reunião. O presidente abriu a conversa, mas logo que disseram algo ele contra argumentou. Eles começaram a rir e pedir pra ele “dar o gabarito logo”. Ou seja, a empresa já tinha um padrão de não diálogo, e pior, uma encenação falsa e sedimentada de conversa, onde a decisão era sempre do presidente. Comecei a convidar o presidente a explicar o caminho de sua decisão e sugerir que ele escutasse os demais com real disponibilidade. O final da reunião foi surpreendente e todos saíram muito felizes e engajados no desafio que definiram em conjunto. Seguiram me chamando em várias reuniões, mas a partir daí, para ajudar o diálogo a acontecer efetivamente.
Antes que implementar uma cultura de diálogo você precisa se perguntar verdadeiramente se está disposto a dialogar.
O segundo ponto tem a ver com o tempo. Dialogar demanda maior disponibilidade de tempo. A pressa comum nas organizações não gera eficiência efetiva. Isto é uma herança cultural da época em que competitividade era uma questão de produtividade. Produtividade é uma relação de tempo. Inovação, margem, desenvolvimento não. Precisamos parar de correr do tempo e começar a usá-lo bem. Dialogar é uma ótima opção de como fazer isto.
Por fim, é preciso que esta prática entre realmente na cultura da organização. Isto demanda aprendizagem, e não adianta deixar pra aprender muito tarde. Quando um cirurgião chegar na frente de um paciente é desejável que ele tenha trilhado um longo caminho de aprendizagem. Se deixarmos o diálogo restrito à alta liderança, jamais teremos líderes hábeis em dialogar, preparados a ocuparem estas posições. Se a sua empresa quer ter uma cultura de diálogo isto deve existir em todos os níveis e áreas.
Duas experiências sobre isto. Fiz alguns cursos no Exército de Israel. Lá existe uma ampla cultura de diálogo. Oficiais e comandantes são questionados abertamente e soldados por vezes questionam as decisões, estabelecendo uma conversa sobre elas. No entanto, quando estão no meio de uma ação, jamais há questionamento sobre um comando. É incrível. Parte disto se deve ao fato de que uma cultura de diálogo faz com que os soldados entendam a lógica e o conhecimento dos seus comandantes. Desta forma, há confiança em suas decisões, e na hora do combate sabem que seguir seus comandos será o melhor caminho para o sucesso. Além disso, os soldados também estão aprendendo sobre o processo de decisão dos comandantes, e quando tornarem-se oficiais poderão tomar também boas decisões. Neste caso, realmente as decisões são questão de vida ou morte.
O segunda caso vivi na Escócia, na Findhorn Foundation. Quando estive lá para um programa de formação precisei trabalhar para permanecer na comunidade. Sendo assim, trabalhava todas as manhãs e à tarde fazia meu curso. Fui designado para a equipe de manutenção. Ganhei um macacão de brim grosso e uma caixa de ferramentas ou um daqueles cintos de utilidades cheios de penduricalhos. Toda manhã, ao chegar ao galpão da manutenção o gerente da área fazia uma roda. Permanecíamos lá por cerca de 40 minutos. Neste tempo cada um dizia como estava se sentindo, e conversávamos um pouco sobre isto. Não havia julgamento algum, mas se alguém estava nervoso ou chateado, ele evitava manda-lo para cima de um andaime ou para operar máquinas pesadas ou cortantes. Conforme cada um chegava esta conversa ajudava que ficássemos mais presentes e conscientes, e ajudava o gestor a tomar boas decisões. Era absolutamente fantástico. A mesma roda era repetida no final do período. Para uma cultura de trabalho mecanicista estas conversas seriam uma aberração inadmissível, e provavelmente seríamos repreendidos ou no máximo aconselhados a usarmos o tempo do café para bater papo.
Experimente criar uma cultura de diálogo na sua empresa. Isto é um trabalho longo e profundo e acho até que você precisará de ajuda. Mas acredito realmente que o novo modelo de trabalho passa por isso, bem como os novos caminhos para as organizações e até, ouso dizer. A cura do mundo. Incluindo a minha e a sua.
Tenha uma boa conversa!