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A Solução está no Conflito

A verdadeira colaboração só se dará de fato se as pessoas souberem lidar com conflitos.

G
Gestão Fora da Caixa

Publicado em 13 de fevereiro de 2017 às, 11h26.

Há algumas semanas, conversando com o presidente de uma empresa sobre caminhos para a evolução da cultura organizacional, ele usou uma expressão que me deixou num primeiro momento bastante impactado: "A Solução está no Conflito". Como um consultor que procura criar condições para a colaboração e o diálogo deveria ouvir esta frase? Felizmente, tive a oportunidade de aprofundar seu ponto de vista e consegui traduzir para palavras mais usuais para mim e constatei que a essência do que ele trazia tinha muito valor: a solução está em criar um ambiente onde as pessoas se sentem à vontade para trazer suas perspectivas, ainda que conflitantes.

Refletindo um pouco mais, cheguei à conclusão, que a verdadeira colaboração no atual contexto em que operam as empresas, só se dará de fato se as pessoas souberem lidar com conflitos, cada vez mais presentes. Com o imperativo de se "fazer cada vez mais com menos" é inevitável que as áreas, de P&D a serviços pós-venda, precisem compartilhar recursos, trabalhando com pessoas que possuem agendas e prioridades diferentes e muitas vezes concorrentes entre si. Multinacionais também vivem o dilema similar para priorizar e alocar recursos nas suas distintas geografias.

De fato, por trás do conflito reside uma tensão potencialmente criativa, de onde podem emergir soluções melhores do que as antevistas pelas partes, com grande valor para o todo. Mas para que isto aconteça é necessário saber como se trabalhar com as perspectivas semelhantes e diferentes entre os envolvidos. A palavra “perspectiva” é muito importante no gerenciamento de conflitos. A grande maioria das pessoas não se dá conta que tratam suas “perspectivas” como “verdades”. Esquecem-se que construíram suas “verdades” a partir de suas experiências pessoais, que são intrinsicamente limitadas.

Há uma fábula de origem indiana que conta como 7 cegos que não conheciam o animal elefante o descreveram ao tocá-lo pela primeira vez. O primeiro o comparou com uma cobra, pois segurou a tromba; o segundo, com um tronco, pois abraçou uma de suas pernas, o terceiro com uma corda já que tocou seu rabo; e assim por diante. Ao se reunirem para descrever o animal aos demais, a discussão foi imensa pois cada um relatou unicamente a partir de sua experiência. De uma certa forma, as áreas funcionais das empresas comportam-se muitas vezes como estes cegos. Procuram propor as melhores soluções para os desafios e problemas da organização, unicamente a partir de suas perspectivas limitadas.

Assim, uma das etapas mais importantes para a solução efetiva de conflitos é a criação de um contexto onde as pessoas conseguem trazer suas perspectivas e os demais são capazes de ouvir genuinamente seu conteúdo de uma forma empática. Naturalmente, isto é muito mais fácil falar do que fazer, mas é possível desenvolver esta capacitação nas pessoas e na organização. E os resultados são surpreendentes: abordagens integradas junto aos clientes (uma face única); redução de custos transacionais (muitas vezes ocultos para a contabilidade tradicional); mais inovação e rapidez na tomada de decisão.

Outra etapa fundamental neste processo é a conscientização dos envolvidos da importância da forma como as perspectivas devem ser trazidas. Conteúdos legítimos e relevantes, se expressos de uma forma inadequada, podem ser totalmente rechaçados. Somos seres integrais, pensamos, sentimos e agimos (ou reagimos) de uma forma interconectada. Se numa discussão sobre um determinado ponto, eu me sinto agredido, excluído, desencorajado ou amedrontado, ainda que o ponto seja válido e pertinente, dificilmente vou agir de forma construtiva. O desenvolvimento da capacidade de “leitura” dos possíveis sentimentos envolvidos e do que é necessidade e valor para o outro é outro grande ativo neste processo.

Tive na minha vida como executivo, experiências muito valiosas que me ensinaram bastante sobre o valor de se trabalhar conflitos a fim de torná-los colaboração efetiva e fonte de valor para a organização. Em uma das minhas posições como Diretor de RH, vivi inicialmente muitos conflitos com um de meus pares. Estava claro que nossas perspectivas sobre certos temas organizacionais eram bastante distintas e esta situação não estava ajudando em nada a vida do presidente, a de nossas equipes e da empresa como um todo. Numa conversa com meu chefe, ele me alertou sobre os impactos daquela situação e me pediu um esforço adicional para lidar com o tema. Aceitei o desafio e passei a adotar certas abordagens que se mostraram ao final bastante efetivas.

Num momento inicial, ao nos depararmos com estes conflitos, meu par e eu estávamos adotando a prática do “escalar o problema”. Obviamente cada um, seja por e-mail, seja nas reuniões presenciais com o presidente, trazia a sua perspectiva sobre a situação. Perspectivas estas que eram incompletas e com fortes vieses. Uma reunião a três nestes casos seria o ideal, mas coordenar as agendas dos 3 executivos não era nada simples.

Passei a adotar a seguinte abordagem. Busquei me reunir mais frequentemente com meu par e, nestes temas conflituosos, eu só saía satisfeito de sua sala, quando era capaz de articular sua perspectiva sobre o assunto, e quais eram os objetivos fundamentais que ele buscava, enfim, o que era valor para ele. O sinal verde para mim ocorria quando finalmente ele me dissesse: “sim, esta é minha perspectiva”. Este meu movimento acabou gerando nele também um maior interesse em entender meus pontos e o que era valor para mim e quais eram minhas necessidades. Uma das consequências imediatas, foi que a partir da clareza de quais eram nossas necessidades, ficou muito mais fácil encontrar soluções criativas ganha-ganha. E o mais importante foi que surgiu uma relação crescente de confiança entre nós, claramente percebida por todos da organização. Muitas decisões foram agilizadas com a colaboração que emergiu a partir daquela forma de trabalharmos nossas diferenças.

Este aprendizado teve um impacto significativo também em como passei a lidar com outros conflitos, inclusive entre membros da equipe. Fiquei mais atento quando ouvia uma história unilateral e passei a usar perguntas como: você já aprofundou este tema com sua colega? Se ela estivesse aqui o que me diria? Tem certeza que ela não me diria mais nada? Esta abordagem, de fato, teve inicialmente como consequência a lentificação de certas decisões. Por outro lado, acelerou o processo de desenvolvimento dos membros do time e tornou o processo decisório muito mais robusto. Pude reconhecer que o operar anterior trazia uma armadilha. Aparentemente agilizava certas tomadas de decisão, mas que muitas vezes não tinham a devida qualidade necessária, e acabavam gerando problemas e retrocessos no futuro. Além disso, infantilizava a equipe. Ao trazer a necessidade de se explorar opiniões conflitantes, ainda que gerando desconforto para os que não estavam acostumados com esta dinâmica, valorizando o pensamento divergente, o time todo cresceu e amadureceu consideravelmente, e a colaboração entre nós passou a ter outro nível de profundidade.

Sinta-se à vontade para trocar mais ideias sobre o tema escrevendo para mim. Meu e-mail é ney@corall.net.

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