Exame Logo

Mobilidade urbana deve favorecer a descoberta da cidade por seus próprios habitantes

Uma boa mobilidade seria aquela que permite ao cidadão chegar com rapidez e conforto ao seu emprego

(Leandro Fonseca/Exame)
KM

Karla Mamona

Publicado em 17 de novembro de 2022 às 07h06.

Como uma boa estrutura de mobilidade urbana pode nos ajudar a (re)descobrir uma cidade e com ela se encantar?

Creio que a pergunta é pertinente porque o tema da mobilidade, em geral, é abordado pelo viés mais pragmático da economia e dos deslocamentos entre moradia e trabalho. Nesse sentido, uma boa mobilidade seria aquela que permite ao cidadão chegar com rapidez e conforto ao seu emprego, ainda que ele precise se deslocar de um bairro periférico em direção às regiões mais centrais da cidade.

Tudo isso é de extrema importância, claro, mas é preciso ampliar um pouco nossa visão sobre o assunto se quisermos compreender a real função de uma boa mobilidade, baseada na integração entre vários modais e privilegiando, sempre que possível, o transporte coletivo ou não-motorizado.

Proponho encarar a mobilidade como um fator que viabiliza a própria vida urbana. Se, historicamente, moramos em cidades para que possamos aproveitar mutuamente as atividades e serviços que o conjunto da sociedade tem a oferecer, a mobilidade é o que garante acesso de fato a essas vantagens.

Cresce no mundo, especialmente após a pandemia, a ideia de “cidade 15 minutos”, isto é, a noção de que o morador de uma cidade deve estar a aproximadamente 15 minutos – preferencialmente a pé ou de bicicleta – de seu emprego e de todos os serviços básicos que ele utiliza. O cerne da ideia é defendido há décadas por gerações de urbanistas, mas ela ganhou projeção mundial quando foi proposta pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, como um antídoto à expansão urbana descontrolada que o transporte motorizado viabilizou.

A julgar pelo comportamento do mercado imobiliário, boa parte das pessoas intui essa correlação entre qualidade de vida e acesso aos aparelhos urbanos. A proximidade com estações de trem ou metrô, ou o acesso fácil a grandes avenidas, continuam sendo fatores decisivos para a compra ou aluguel de um imóvel. O estudo Tendências de Moradia, realizado pelo DataZAP+ neste ano mostrou, por exemplo, que o imóvel estar próximo a grandes vias é o principal aspecto de localização avaliado por 48% dos compradores e 55% dos locatários.

E fica fácil entender o porquê quando avaliamos grandes cidades, como São Paulo, em que mais de 60% dos empregos estão concentrados nos bairros centrais, os quais abrigam somente 17% dos moradores da cidade. Isso explica porque um quarto da população da capital gasta mais de 2 horas por dia no trânsito.

Mas essa situação não é exclusividade dos paulistanos. Segundo um levantamento de 2019, o brasileiro gasta em média 1 hora e 20 minutos para se deslocar até suas atividades principais – estudo ou trabalho. Somados todos os deslocamentos diários, essa média passa das 2 horas. A cada ano, desperdiçamos, por assim dizer, 32 dias no trânsito.

Portanto, o problema da mobilidade está ligado não apenas à fluidez da economia, embora isso seja de suma importância, mas também ao lazer, à saúde, à cultura e à melhoria da qualidade de vida. O mover-se pela cidade é o que cria em nós senso de pertencimento. É o que permite nosso enraizamento em um bairro.

É preciso estimular o movimento, o qual mantém as cidades vivas. Uma boa estrutura de mobilidade favorece justamente a sociabilidade extramuros, de modo que a população frequente os comércios, serviços, aparelhos culturais, parques e praças de sua própria localidade. Com isso, ganham todos. A economia local fica mais aquecida. Os índices de segurança melhoram, haja vista que a presença de gente na rua é um fator primordial de redução da violência urbana. O meio ambiente também sai ganhando, já que os deslocamentos mais curtos, a pé ou por meio de modais intermediários como as bicicletas, são mais sustentáveis.

Por fim, insistiria no fato de que os maiores beneficiados são os próprios moradores, que passam a experienciar com muito mais intensidade seus territórios. Não há ferramenta digital ou serviço de entrega que substitua a sensação de circular pela cidade e fazer a todo momento pequenas descobertas. Em alguma medida, há que se recuperar o hábito centenário de flanar pela cidade, com olhar atento e cabeça aberta para aquilo que ela tem a oferecer.

Um bom sistema de mobilidade urbana deve favorecer esse encantamento pela cidade, com consequências positivas para o mercado imobiliário e para o bem-estar dos habitantes.

Marcelo Dadian, VP de Novos Negócios do ZAP+

Veja também

Como uma boa estrutura de mobilidade urbana pode nos ajudar a (re)descobrir uma cidade e com ela se encantar?

Creio que a pergunta é pertinente porque o tema da mobilidade, em geral, é abordado pelo viés mais pragmático da economia e dos deslocamentos entre moradia e trabalho. Nesse sentido, uma boa mobilidade seria aquela que permite ao cidadão chegar com rapidez e conforto ao seu emprego, ainda que ele precise se deslocar de um bairro periférico em direção às regiões mais centrais da cidade.

Tudo isso é de extrema importância, claro, mas é preciso ampliar um pouco nossa visão sobre o assunto se quisermos compreender a real função de uma boa mobilidade, baseada na integração entre vários modais e privilegiando, sempre que possível, o transporte coletivo ou não-motorizado.

Proponho encarar a mobilidade como um fator que viabiliza a própria vida urbana. Se, historicamente, moramos em cidades para que possamos aproveitar mutuamente as atividades e serviços que o conjunto da sociedade tem a oferecer, a mobilidade é o que garante acesso de fato a essas vantagens.

Cresce no mundo, especialmente após a pandemia, a ideia de “cidade 15 minutos”, isto é, a noção de que o morador de uma cidade deve estar a aproximadamente 15 minutos – preferencialmente a pé ou de bicicleta – de seu emprego e de todos os serviços básicos que ele utiliza. O cerne da ideia é defendido há décadas por gerações de urbanistas, mas ela ganhou projeção mundial quando foi proposta pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, como um antídoto à expansão urbana descontrolada que o transporte motorizado viabilizou.

A julgar pelo comportamento do mercado imobiliário, boa parte das pessoas intui essa correlação entre qualidade de vida e acesso aos aparelhos urbanos. A proximidade com estações de trem ou metrô, ou o acesso fácil a grandes avenidas, continuam sendo fatores decisivos para a compra ou aluguel de um imóvel. O estudo Tendências de Moradia, realizado pelo DataZAP+ neste ano mostrou, por exemplo, que o imóvel estar próximo a grandes vias é o principal aspecto de localização avaliado por 48% dos compradores e 55% dos locatários.

E fica fácil entender o porquê quando avaliamos grandes cidades, como São Paulo, em que mais de 60% dos empregos estão concentrados nos bairros centrais, os quais abrigam somente 17% dos moradores da cidade. Isso explica porque um quarto da população da capital gasta mais de 2 horas por dia no trânsito.

Mas essa situação não é exclusividade dos paulistanos. Segundo um levantamento de 2019, o brasileiro gasta em média 1 hora e 20 minutos para se deslocar até suas atividades principais – estudo ou trabalho. Somados todos os deslocamentos diários, essa média passa das 2 horas. A cada ano, desperdiçamos, por assim dizer, 32 dias no trânsito.

Portanto, o problema da mobilidade está ligado não apenas à fluidez da economia, embora isso seja de suma importância, mas também ao lazer, à saúde, à cultura e à melhoria da qualidade de vida. O mover-se pela cidade é o que cria em nós senso de pertencimento. É o que permite nosso enraizamento em um bairro.

É preciso estimular o movimento, o qual mantém as cidades vivas. Uma boa estrutura de mobilidade favorece justamente a sociabilidade extramuros, de modo que a população frequente os comércios, serviços, aparelhos culturais, parques e praças de sua própria localidade. Com isso, ganham todos. A economia local fica mais aquecida. Os índices de segurança melhoram, haja vista que a presença de gente na rua é um fator primordial de redução da violência urbana. O meio ambiente também sai ganhando, já que os deslocamentos mais curtos, a pé ou por meio de modais intermediários como as bicicletas, são mais sustentáveis.

Por fim, insistiria no fato de que os maiores beneficiados são os próprios moradores, que passam a experienciar com muito mais intensidade seus territórios. Não há ferramenta digital ou serviço de entrega que substitua a sensação de circular pela cidade e fazer a todo momento pequenas descobertas. Em alguma medida, há que se recuperar o hábito centenário de flanar pela cidade, com olhar atento e cabeça aberta para aquilo que ela tem a oferecer.

Um bom sistema de mobilidade urbana deve favorecer esse encantamento pela cidade, com consequências positivas para o mercado imobiliário e para o bem-estar dos habitantes.

Marcelo Dadian, VP de Novos Negócios do ZAP+

Acompanhe tudo sobre:CidadesMobilidademobilidade-urbana

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se