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Mercado por elas: os mercados de Infraestrutura e Imobiliário

O setor de infraestrutura tem uma correlação forte com os ciclos administrativos e o Brasil investiu nestes anos algo em torno de 1,7 – 2% do PIB

Imóveis (Matt Mawson/Getty Images)
Imóveis (Matt Mawson/Getty Images)
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Genoma Imobiliário

Publicado em 7 de abril de 2023 às, 07h42.

A agenda que inclui o debate sobre a importância das mulheres é reforçada durante todo o mês de março, contudo, setores, empresas e indivíduos que atuam pela diversidade, equidade e inclusão desenvolvem ações contínuas ao longo de todo o ano.

Este é o caso de  Márcia Ferrari, cofundadora e Presidente do Infra Women Brasil, associação sem fins lucrativos dedicada à promoção e incentivo da presença de mulheres no setor de infraestrutura. Nesta coluna de "O Mercado por Elas", realizamos uma dinâmica de interação com as vozes femininas da infraestrutura e do imobiliário, com uma entrevista na qual Márcia respondeu as perguntas elaboradas por mim, Elisa Rosenthal, diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário e eu respondo as perguntas dela.

ER: Os últimos dois anos foram de alto crescimento e recordes de vendas para o setor imobiliário, especialmente em função da queda da taxa de juros durante a pandemia. Quais foram os principais impactos deste alto crescimento no setor da infraestrutura?

MF: O setor de infraestrutura tem uma correlação forte com os ciclos administrativos. Não existe infraestrutura sem governo, sem políticas públicas e sem políticas de regulamentação, agências reguladoras etc. Sendo assim, o ideal é falar dos últimos 4 anos.

O principal indicador para o segmento é % do PIB. O Brasil investiu nestes anos algo em torno de 1,7 – 2% do PIB em Infraestrutura. Isso é muito pouco e inferior aos níveis de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Segundo a ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) o ideal seria investirmos algo em torno de 4,3% para manutenção e modernização do setor. De qualquer forma, é importante observar que ao longo deste período tivemos avanços importantes como o Marco Legal do Saneamento (2020), a portaria para pagamento de outorgas com precatórios (2022) e uma longa lista de privatizações como a da Eletrobrás.

Faço votos para que esses e outros avanços como a Lei das Estatais não retrocedam, afinal, no setor de infraestrutura perder tempo significa impacto direto no bem-estar da população e no crescimento da economia. Com água encanada e tratamento de esgoto, por exemplo, temos diretamente a redução de problemas de saúde, que impactam na educação e na economia. 

ER: Planejamento urbano tem como princípio o entendimento do imobiliário e da infraestrutura como eixos de crescimento e desenvolvimento das cidades. Por que nos distanciamos tanto do olhar acadêmico desta disciplina quando atuamos no âmbito comercial com empresas dos setores?

MF: Essa é uma excelente pergunta. Estamos vivendo um período crítico de polarização. Acredito que a politização do ambiente acadêmico acaba gerando este distanciamento entre mercado imobiliário e urbanização/infraestrutura. Enquanto não equacionarmos a questão em torno das funções e propósitos de cada ente do ciclo de desenvolvimento urbano e imobiliário, nós iremos avançar lentamente. O setor acadêmico não pode ser o problema, mas sim deve ser a solução trazendo conteúdo técnico, melhores práticas e fomentando um diálogo construtivo.

ER: Qual a visão que a infraestrutura tem do setor imobiliário e quais conselhos você daria aos empresários e empresárias do imobiliário?

MF: Pela minha experiência, acredito que estes dois mundos transitam em vias paralelas pois temos investidores institucionais em infraestrutura, enquanto existem investidores privados no mercado imobiliário. Aprendi com a minha experiência na RICS (Royal Institution of Chartered Surveyors), que abordava o “Ambiente Construído” como um todo, que as grandes falhas de eficiência acontecem justamente porque não há um entendimento pleno do ciclo e portanto temos o efeito “problema seu”. Meu conselho para empresários de modo geral seria estar aberto e participar de discussões para compreender melhor os impactos uns nos outros, desta forma ficará claro que existe apenas um lado, o de bons projetos e boas soluções.  

ER: De que forma iniciativas como a Infra Women Brazil e o Instituto Mulheres do Imobiliário podem contribuir para o desenvolvimento econômico das empresas e do país?

MF: O Infra Women Brazil e o Instituto Mulheres do Imobiliário fazem um trabalho importantíssimo para inclusão de talentos no setor. A partir do momento em que mostramos a todas e todos que este é um mercado possível e que temos excelentes exemplos que nos inspiram e que realizam um trabalho que vale a pena, ajudamos a criar um pipeline saudável de profissionais para atuarem no setor de forma plena e ativa. Crescimento sustentável é o resultado desta equação. 

ER: Como presidente de associação do terceiro setor e profissional com ampla experiência no segundo setor, como você enxerga o papel atual do primeiro setor para o desenvolvimento dos segmentos de infra e imobiliário?

MF: Pela natureza do segmento de infraestrutura, acabamos por ter grande proximidade com o primeiro setor, afinal não há infraestrutura sem governo. Estamos criando mecanismos como a “Carta aos Governantes” para aproximar ainda mais este diálogo e se possível criar uma agenda positiva e propositiva. A interação com o setor imobiliário deve ser ampliada e incentivada para que os caminhos paralelos consigam convergir cada vez mais. Fico muito feliz em buscar e implementar essa confluência a partir do Infra Women Brazil e do Instituto Mulheres do Imobiliário. Ampliando o entendimento mútuo podemos somar 1 + 1 = 3 e assim construir um futuro melhor, mais inclusivo e sustentável. 

Márcia Ferrari pergunta para Elisa Rosenthal:

MF: Quais são as principais barreiras e oportunidades para quem quer entrar no mercado imobiliário brasileiro? A questão de gênero impacta nessa equação?

As barreiras são as mesmas que outros setores, com uma dificuldade adicional que o imobiliário ainda é interpretado como sendo um mercado essencialmente de corretores, uma forma simplista de compreender que se trata de um setor que congrega arquitetas, engenheiras, advogadas e tantas outras profissionais que atuam em toda a cadeia produtiva. Um aspecto que dificulta esta visão é o fato de que as principais entidades que regem o setor, como conselhos, associações e sindicatos, ainda serem, majoritariamente, representados por homens com o mesmo perfil social.

MF: A falta de talentos em mercados considerados “antigos” como construção, é uma realidade, uma vez que a geração “Z” se sente atraída fortemente por carreiras em tecnologia ou no mercado financeiro. Como o Instituto Mulheres do Imobiliário tem ajudado a atrair a nova geração para esse mercado e criar uma perspectiva saudável de profissionais para atuar na área?

Vivemos um momento intergeracional no mercado de trabalho que traz temáticas complexas de serem compreendidas e implementadas por grande parte das empresas e profissionais, como a agenda da diversidade com as pautas raciais, de gênero, geracional, dentre outras. O Instituto Mulheres do Imobiliário possui uma vertical social, o programa Capacita, que visa oferecer uma nova oportunidade por meio do mercado imobiliário e oferece bolsas de estudos 100% integrais para o TTI, grupo de apoio e conteúdo complementar para formar profissionais de excelência e conhecimento das possibilidades no setor, por meio da corretagem. O projeto foi criado com impacto de diversidade, incluindo vagas reservadas para mulheres pretas e pardas e mulheres trans.

Este é um exemplo concreto de ação afirmativa que outras empresas do setor começaram a implementar recentemente.

Além disso, em nossos núcleos e eventos, incluímos pautas atuais que visam despertar também o interesse das gerações mais recentes que ingressam no mercado de trabalho e que possam vislumbrar o imobiliário como um setor em transformação e com muito potencial de desenvolvimento.

MF: O mercado imobiliário, assim como a infraestrutura, tem um ciclo longo e exige muito capital. As mudanças da sociedade, principalmente impulsionadas pela tecnologia, têm alterado a forma de viver e trabalhar. Quais tendências vieram para ficar no mercado imobiliário e o que os agentes do setor têm feito para se atualizar com a velocidade da nova demanda?

Saber como o mercado, a economia e o consumo estarão ao final do ciclo produtivo de um desenvolvimento imobiliário é a habilidade que todo o profissional que atua neste setor deseja ter, praticamente uma previsão de futuro! O que é mais curioso, é que esta previsibilidade pode ser possível à medida que tenhamos mais conhecimento sobre o setor, seu histórico e as tendências de mercados diversos: uma visão generalista com atuação especialista. Ambos são setores complexos e que não acolhem aventuras de profissionais e empresas que chegam sem entender melhor sobre a dinâmica das cidades e da sociedade.

MF: Com o boom do ESG temos hoje produtos financeiros voltados à sustentabilidade e para o social. Temos hoje algum movimento nesse sentido para o mercado imobiliário e em D&I e em especial Mulheres?

O principal banco norteador de pacotes econômicos é a Caixa Econômica, que possui  programas estruturados e maduros para implementação de medidas atribuídas à governança socioambiental, como o selo Azul e a certificação NDT. Dentro destes programas, o novo governo prevê ações voltadas à causa feminina, atribuindo acesso ao crédito empresarial com benefícios para quem pratica - de fato - ações concretas nesta agenda. As demais entidades financeiras que atuam com o setor têm onde se espelhar e aprimorar produtos e serviços que combinem impacto e resultados.

MF: O Mulheres do Imobiliário e o Infra Women Brazil contam com profissionais de altíssimo nível e com conhecimento ímpar nos setores. São mais de 2.500 mulheres e muitas vezes vemos eventos com painéis só de homens. Por que ainda vemos tão poucas mulheres nos painéis em congressos e outros eventos?   

Esta é uma das principais missões de movimentos como os nossos: reconhecer o espaço que conquistamos até aqui, dando voz às mulheres que atuam nestes setores.  A síndrome da impostora, aquela que nos faz acreditar de forma equivocada que não temos conhecimento ou não somos boas o suficiente para estarmos nos palcos, é um dos obstáculos que procurados driblar por meio da união e fortalecimento das ações em grupos e espaços de discussões que enxerguem e reconheçam nossa jornada múltipla de trabalho. Quando estas complexidades são levadas em consideração, conseguimos não só incentivar, como promover eventos que endossam essas mulheres, fazendo que elas possam inspirar tantas outras, criando assim, um círculo virtuoso.

Márcia Martini Ferrari é Diretora Certificação da ABRAFAC (Associação Brasileira de Facility Management, Property & Workplace) e membro do conselho do IREE Infraestrutura. Com mais de 20 anos de carreira em conglomerados globais como Royal Institution of Chartered Surveyors e Hilti Group. Arquiteta e urbanista, FAU-USP; pós-graduada em marketing, ESPM; MBA pela BSP e atualmente cursando mestrado na Sorbonne Business School.

Elisa Rosenthal  é idealizadora e diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário, com ampla experiência executiva no setor. LinkedIn Top Voices e TEDx Speaker. Autora dos livros: Proprietárias: a ascensão da liderança feminina no setor imobiliário e Degrau Quebrado: A jornada da autoliderança para mulheres em ascensão. Vencedora do prêmio A Voz Feminina do Mercado Imobiliário.