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Já pensou em morar em uma residência que era um prédio comercial?

Movimento pode ser opção para proprietários caso um imóvel corporativo esteja em um grande centro urbano com falta de terrenos e baixa demanda de imóveis

Vista de Manhattan, em Nova York: padrão de ocupação com maior densidade do que em São Paulo (stockelements/Getty Images)
Vista de Manhattan, em Nova York: padrão de ocupação com maior densidade do que em São Paulo (stockelements/Getty Images)
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Genoma Imobiliário

Publicado em 6 de abril de 2022 às, 06h45.

Já pensou em morar em uma residência que antes era ocupada por um prédio comercial? Como seria trocar as salas de reunião por salas de estar, e adaptar quartos onde antes eram mesas de trabalho? Aparentemente, os nova-iorquinos estão aprovando a ideia. A nova tendência vem chamando a atenção de investidores e desenvolvedores imobiliários para o mundo pós-pandemia.

Na parte sul de Manhattan, em Nova York, conhecida por ser um grande centro financeiro global e representada por sua rua mais famosa, Wall Street, esse movimento vem tomando cada vez mais força. O Edifício One Wall Street, que já foi a sede do Irving Trust e do BNY Mellon, passou pelo maior retrofit da história de Nova York para se transformar em um prédio residencial¹. O arranha-céu, que foi construído na década de 1930, possui mais de 200 metros de altura e mais de 100 mil m² de área construída. É um grande marco de Wall Street, assim como a renovação do seu uso.

Ainda que o projeto seja anterior à pandemia, parece que a digitalização do trabalho pode acelerar esse tipo de processo, com outros edifícios sinalizando o mesmo caminho em Nova York. A taxa de vacância geral² de escritórios em Manhattan passou de uma média histórica de aproximadamente 9,6% para 20,4% em dois anos³, com esse estoque vago muito concentrado nos prédios mais antigos, que perderam força de negociação em meio à entrega de edifícios novos e à redução de demanda.

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O caminho da renovação do uso pode trazer benefícios tanto para a sociedade, aumentando a oferta de residências onde o preço de moradia é um dos mais caros do mundo, quanto para os proprietários, que deixam de brigar por preços em um ambiente tão competitivo para edifícios corporativos defasados.

E se a moda pega na Faria Lima?

Será que vamos ver esse movimento aqui no distrito financeiro mais famoso de São Paulo? Nossa resposta é clara: não veremos. Para isso, vale explicar algumas diferenças e semelhanças entre a Faria Lima e Wall Street. Primeiro, os dois mercados se assemelham em um quesito: escassez de terrenos.

Manhattan é uma ilha e não existe oferta de terrenos para novos empreendimentos. Com isso, o retrofit é sempre uma boa forma de adequar o estoque imobiliário às necessidades dos usuários, já que não existe espaço para novos prédios, favorecendo desenvolvedores a entrar nesse tipo de negócio.

Apesar de a Faria Lima também ser um mercado de escassez de terrenos, São Paulo é uma cidade em desenvolvimento, de grande extensão territorial e pouco verticalizada em algumas regiões. Ou seja, existem oportunidade para desenvolvimento de outras regiões em lançamentos tradicionais, sem precisar recorrer aos retrofits de mudanças de uso, que sempre trazem mais riscos associados à construção.

Enquanto Manhattan começou seu desenvolvimento imobiliário corporativo há mais de cem anos, a Faria Lima ainda é jovem e boa parte dos seus edifícios corporativos são de alta qualidade, com capacitação técnica de ponta, e conseguem continuar atraindo bons inquilinos.

Segundo, as restrições para construção em Manhattan são historicamente muito baixas. Com isso, é possível os desenvolvedores tirarem o maior proveito possível dos terrenos e trazendo uma alta oferta de metros quadrados locáveis. Pelos nossos cálculos, o One Wall Street possui uma relação de área construída e terreno de aproximadamente 25 vezes, que é extremamente alta para os padrões brasileiros.

Essa alta oferta sempre foi bem absorvida, porque Nova York tem infraestrutura de transporte e uma capacidade de atrair talentos muito grande. Contudo, quando mudanças estruturais acontecem, esse estoque tende a ficar mais ocioso, principalmente de prédios de pior qualidade e mais antigos.

Já na Faria Lima, que faz parte de uma operação urbana de São Paulo, o máximo que um incorporador pode construir de área locável comparada com a área do terreno é de 4 vezes, desde que exista Cepac (título oneroso exigido pela prefeitura para construção) para isso, que também é escasso. Com isso, o estoque é muito mais baixo e menos suscetível a essas mudanças.

Sem entrar no mérito sobre se as restrições são boas ou não para a sociedade, não há dúvidas de que elas beneficiam os proprietários, porque controlam o estoque e a concorrência, permitindo um equilíbrio melhor entre oferta e demanda nos casos de mais estresse. Como base de comparação, a cidade de Nova York possui 4,3 m² per capita de escritórios corporativos, enquanto que São Paulo possui apenas 0,63m² per capita.³

Com isso, os proprietários continuam tendo poder de barganha nas negociações com inquilinos por aqui. Segundo dados da Buildings, a vacância física da região da Nova Faria Lima passou de 8,82% no segundo trimestre de 2021 para 4,72% no quarto trimestre de 2021 e já começa a se aproximar dos níveis pré-pandemia, quando a vacância da região atingiu 3,4%.

O FII The One gerido pela Rio Bravo, por exemplo, que possui participação no edifício 100% ocupado de mesmo nome na região da Faria Lima, realizou neste mês uma revisional de valores de locação com um de seus locatários, com aumento de 36%, demonstrando que os proprietários já estão com poder de barganha na região para recuperar os preços dos aluguéis.

Essa redução da vacância e a alta absorção na Faria Lima também ajudam a corroborar que os escritórios vão continuar sendo importante para as empresas, mesmo no ambiente de teletrabalho, principalmente para os prédios de alta qualidade e bem localizados. Muitas das empresas gigantes de tecnologia, que estão há muito tempo familiarizadas com essa nova forma de trabalhar, estão crescendo em espaços de escritórios ao redor do mundo³.

Portanto, apesar de esse movimento trazer lições e aprendizados importantes, acreditamos que é pouco provável ver isso acontecendo na Faria Lima. Mas ele pode ser possível em outras regiões do Brasil. Essa poderá ser uma opção no radar dos proprietários, caso um imóvel corporativo esteja em um grande centro urbano com escassez de terrenos e baixa demanda de imóveis corporativos.

É uma opção também para resgatar imóveis em centros das grandes capitais do Brasil – como alguns investidores já têm feito –, local com déficit de preservação e zeladoria, como uma forma de revitalização da região, que tem uma oferta de prédios bastante antigos e pouco competitivos.

Esse movimento também traz um aprendizado muito importante para os investidores imobiliários: localizações desejadas e valorizadas sempre terão algum tipo de demanda e os imóveis não precisam ficar vagos por muito tempo, mesmo que precisem de uma reforma para modificar o uso.

*Anita Scal é sócia e diretora de Investimentos Imobiliários da Rio Bravo Investimentos.

¹One Wall Street: the residential takeover of a banking behemoth | Financial Times (ft.com)
https://www.bloomberglinea.com.br/2022/02/07/ny-escritorios-hibridos-do-pos-covid-passam-por-arranha-ceus-de-vidro/

²Vacância geral: Considera espaço disponíveis para locação diretamente, além de espaços para sublocação.

³https://www.us.jll.com/en/trends-and-insights/research/office-market-statistics-trends/new-york
³https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama