Consumo fígital: tendências para o varejo físico no pós-pandemia
Os consumidores querem que a experiência na compra física seja facilitada e melhorada pela tecnologia, com experiências presenciais e digitais integradas
Publicado em 8 de agosto de 2023 às, 16h41.
*Anita Scal e Isabela Perez
É inegável que a pandemia da COVID trouxe novos hábitos. Alguns, passageiros. Outros, verdadeiras mudanças comportamentais que vieram para ficar. Mudanças comportamentais no consumo são uma das muitas faces dessas mutações. As pessoas – mais precisamente, os consumidores – passaram a buscar experiências e dar mais atenção ao autocuidado e ao conforto. Cuidados com o corpo e a mente elevaram a procura por mais qualidade de vida, e um novo estilo de vida mais livre e mais natural trouxe preocupação maior com a própria saúde, conforto e bem-estar. Houve aumento da expectativa dos consumidores em relação às experiências presenciais, e a praticidade do mundo digital deu ferramentas e ensinou o consumidor a pesquisar pelas melhores oportunidades. Segundo pesquisa recente da ABRASCE, 75% dos consumidores pesquisam o preço online antes de ir a uma loja física.
E como isso se reflete no comportamento do consumidor?
É bastante claro que houve ampla adoção das compras online durante os períodos de isolamento. O estudo global sobre consumo da PWC acompanha há alguns anos o comportamento do consumidor e as tendências do consumo. Em 2016, compras pelo celular representavam 12% do canal utilizado para fazer compras, bastante atrás dos 40% que as lojas físicas representavam. Em 2023, o canal físico segue sendo o preferido dos consumidores, com 43%, mas o consumo pelo celular chegou a quase 40% em 2022. No Brasil, 70% dos entrevistados dizem ter aumentado suas compras online durante a pandemia. Os atributos elencados como mais importantes para as compras online são a velocidade e confiança da compra, conveniência e praticidade de navegar pelos sites de compras e a disponibilidade de produtos nos pontos físicos.
Com a ampla adoção das compras online durante os períodos de isolamento, os consumidores se tornaram mais exigentes: buscam mais experiência nas lojas físicas e ampliaram o consumo “fígital”. Além disso, após o uso crescente do meio digital, algumas dores foram sentidas pelos consumidores: os custos de entrega, a garantia de qualidade dos itens adquiridos, o tempo de espera e a qualidade ruim das entregas dos produtos são pontos que levam o consumidor a querer comprar em lojas físicas. Não é por acaso que 40% dos consumidores que pretendem aumentar o consumo em lojas físicas e diminuir as compras online atribuem essa decisão ao alto custo das entregas.
Mas, então, o que é o consumo “fígital”?
Os consumidores querem que a experiência na compra física seja facilitada e melhorada pela tecnologia, com experiências presenciais e digitais integradas dentro das lojas, ou com compras online sendo concluídas de forma presencial, levando o consumidor aos pontos físicos, sempre sem perder de vista a exigência dos que estão em busca de experiência e qualidade.
Pergunta: quais os seguintes atributos de compra nas lojas físicas você considera atrativos?
No Brasil e no mundo, segundo dados recentes da pesquisa global da PwC, 1/3 dos entrevistados espera ampliar suas compras em lojas físicas. Ainda de acordo com o mesmo levantamento, 81% dos entrevistados dizem que compraram em três ou quatro canais diferentes nos últimos seis meses. Essa migração facilitada entre os meios de compra mostra que os consumidores estão dispostos a trocá-los ou intercalá-los quando se trata de satisfazer suas expectativas de entrega e qualidade. O estudo mostrou que a probabilidade de os consumidores alternarem entre os diversos canais de compra é a mesma em qualquer a direção. Ou seja, a multicanalidade é flagrante e demanda dos varejistas que estejam prontos para ter pontos de contato eficientes com os seus consumidores tanto no online quanto no físico.
E como isso pode criar oportunidades para o mercado imobiliário?
Na era fígital, as marcas estão de olho em ampliar seus pontos de contato de forma inteligente, justamente de olho nesse novo comportamento de consumo. Muitas vezes, não basta ter uma loja física para vender, no sentido mais tradicional da coisa. É preciso agregar presença física com marketing, um processo de encantamento do cliente. Um exemplo disso é o Méqui 1000, unidade do McDonald’s inaugurado em 2019 na Av. Paulista, em São Paulo. A loja flagship da marca tem a missão clara de criar quase um parque de diversão, uma experiência que vai muito além de uma simples refeição – e que tem como pano de fundo um mercado competitivo e a busca por market share.
Também em 2019, na mesma Av. Paulista, foi inaugurada a flagship da Centauro, varejista esportiva, a primeira loja de rua da marca. A loja é feita para garantir a experiência do usuário e promover um relacionamento com seus consumidores, os amantes do esporte e os frequentadores da avenida. O espaço conta, inclusive, com uma arena para o público assistir partidas esportivas nas arquibancadas, além de ser um espaço que conta com algumas práticas de atividades físicas, como yoga, ao longo da semana. Os clientes podem não somente testar bicicletas, raquetes de tênis e calçados, mas, também, customizar as peças. Afora isso, com os provadores inteligentes da loja, que identificam os produtos, existe a possibilidade de buscar peças similares e pedir outros tamanhos ou cores sem precisar sair das cabines. Os caixas são móveis e o cliente pode finalizar a compra em qualquer lugar na loja, além de haver lockers para a entrega de produtos adquiridos no online. O fundo imobiliário Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11), gerido pela Rio Bravo, é o proprietário do imóvel ocupado pela varejista.
A varejista Petlove, por exemplo, decidiu entrar no varejo físico depois de mais de 23 anos de atuação exclusivamente no online. A loja conceito foi pensada para entregar uma experiência completa para os clientes, tanto de compra quanto de relação com a marca. A integração do online com o digital cria uma “prateleira infinita”, e o espaço físico traz um Pet Place para que os pets e seus tutores possam brincar livremente em um local dedicado. Essa é mais uma forma de aproximar os clientes da marca, ampliar os pontos de contato e garantir uma experiência que vai desde a compra em si até o look and feel do espaço físico.
O setor de investimento também busca essa proximidade com seus clientes, como é o caso do Investment Center do Itaú. Um serviço cada vez mais prestado de forma digital, com redução da capilaridade nas ruas dos grandes bancos, traz um conceito na contramão, que busca abrir espaços-conceito para atendimento presencial do público de alta renda. Mais uma vez, a qualidade da entrega (neste caso, do serviço), a confiança e a experiência são pontos cruciais para o cliente. O RBVA11 também é o proprietário do mais novo Investment Center do Itaú localizado no Leblon, no Rio de Janeiro, que deverá ser inaugurado no segundo semestre deste ano.
Para o locador, estar bem-posicionado, com espaços onde as marcas querem estar para entregar justamente essa experiência aos clientes, pode ser sinônimo de oportunidades, deixando distante a ideia de que o varejo digital deve aniquilar o varejo físico no futuro. Mais do que isso, para os varejistas, virou fator determinante construir um verdadeiro omnichannel, em que o físico e digital de fato se integrem, gerando o valor esperado pelos consumidores.
Fonte: “Global Consumer Insights Pulse Survey”, da PwC (edição junho/2022, fevereiro/2023 e junho/2023)
“O comportamento dos Frequentadores de Shopping Centers”, da ABRASCE, edição de 2023.
*Anita Scal, sócia e diretora de Investimentos Imobiliários da Rio Bravo e Isabela Perez de Relações com Investidores da Rio Bravo