Como construir uma carteira de FIIs enquanto os juros estão em queda?
Em agosto, notamos um movimento diferente daquele que vínhamos observando desde o início do ciclo de alta de juros. Será o início de uma virada de ciclo?
Karla Mamona
Publicado em 8 de setembro de 2022 às 07h37.
* Por Luis Stacchini e Gustavo Ribas
No mês de agosto, notamos um movimento diferente daquele que vínhamos observando desde o início do ciclo de alta de juros, em março de 2021. Os FIIs de tijolo e os FOFIIs tiveram ganhos expressivos, de 11,2% e 10,4%, respectivamente, enquanto os FIIs de crédito ficaram muito para trás, com queda de 0,4% no mês.
Alguns fatores colaboraram para esse comportamento, dentre eles, (i) a queda de cerca de 30 pontos base dos juros reais longos, com o Yield do IMA B 5+ caindo de 6,2%, no fim de julho, para 5,9%, no fim de agosto, o que favoreceu os fundos de tijolo, e (ii) a inflação negativa dos meses de julho (-0,7%) e agosto (consenso em -0,3%), que trouxe consigo uma expectativa de diminuição nas distribuições dos fundos de CRI à frente, impactando as cotações.
Mesmo que ainda existam incertezas no cenário futuro, que podem impactar os preços dos FIIs, já é possível dizer que, hoje, o ciclo de aperto monetário no Brasil está mais próximo do fim. Por isso, é importante se atentar às diferentes classes de ativos para avaliar onde estão as melhores oportunidades. Neste artigo pretendemos (i) olhar para o passado e entender a performance dos FIIs nos últimos ciclos, além de (ii) analisar o nível de valuation atual das principais classes de FIIs.
Como foi a performance dos FIIs no passado?
Para entender melhor o desempenho das diferentes classes de ativos, preferimos olhá-las em períodos de juros em ascensão e em declínio. Nos últimos 10 anos, tivemos um ciclo de alta de juros entre 2012 e 2016, um ciclo de queda de juros entre 2016 e 2021 e, desde então, vivemos um novo ciclo de alta, que parece estar chegando ao seu fim.
Ao olhar as performances das três principais classes de FIIs nesses três intervalos fica claro que (i) em períodos de alta de juros os fundos de crédito entregam maiores retornos e (ii) em períodos de queda de juros os fundos de tijolo e FOFIIs entregam retornos superiores.
Além disso, é interessante notar o comportamento semelhante entre o desempenho dos fundos de tijolo e FOFIIs, com ambos apresentando uma alta correlação entre seus retornos.
Para nós também é muito importante observar como os FIIs reagem às mudanças nos juros reais de longo prazo. Esses tendem a antecipar os movimentos futuros das taxas de juros e são mais utilizados para a precificação de ativos reais, como os FIIs. Em nosso exercício utilizamos o Yield do IMA B 5+ como referência de taxa de juros real no longo prazo.
Observa-se que os FIIs de tijolo e FOFIIs possuem retornos altamente correlacionados à variação dos juros reais e que, nos FOFIIs, os retornos são ainda mais sensíveis: 18% de retorno a cada 1% de queda nos juros reais, contra 13% para os FIIs de tijolo.
No caso dos FIIs de crédito percebemos uma baixa correlação histórica. Isso, na nossa opinião, deve-se ao fato de que (i) os FIIs de crédito distribuem inflação e juros mais altos em seus dividendos durante os momentos de aumento nas taxas de juros, colaborando para retornos mais altos, e (ii) à duration das carteiras de crédito serem muito mais baixas em relação aos FIIs de tijolo.
Mas a história vai se repetir?
Se o passado servir como referência, fica claro que, havendo uma queda nas taxas de juros, os fundos de tijolo e FOFIIs tendem a ser mais favorecidos e os FIIs de crédito menos. No entanto, é importante lembrar que os níveis de valuation e as tendências operacionais não devem ser esquecidos ao montar um portfólio de FIIs. Hoje, enxergamos FIIs de tijolo e FOFIIs negociando, em média, a 91% do valor patrimonial, e FIIs de CRI negociando em linha com seus valores patrimoniais — todos abaixo de suas médias históricas.
Ao olharmos o dividend yield, vemos os fundos de CRI entregando quase 15%, os FOFIIs 10% e os fundos de tijolo 9%, na média. No último ciclo de juros altos (2015-16), chegamos a ver FIIs de tijolo entregando 12% de yield, uma diferença de 5 pontos percentuais para os juros de longo prazo vigentes à época. Hoje, os fundos de tijolo negociam com um prêmio menor, de aproximadamente 3 pontos percentuais.
Por último, continuamos a ver a alavancagem dos FIIs de tijolo subindo ao longo do tempo. Ela está próxima de 15% (Dívida/PL), tendo quase triplicado em 5 anos. A alavancagem pode levar a dividendos mais altos em relação ao nível estabilizado, especialmente se houver carência de juros. Além disso, a amortização das obrigações pode exigir vendas de ativos ou mesmo emissões de cotas a preços baixos, o que pode causar impactos indesejados em uma carteira de ativos.
Em suma, o momento parece ser interessante para olharmos com mais detalhe os FOFIIs e os fundos de tijolo. Contudo, vale destacar que, atualmente, há menos “gordura” de valuation e, por isso, entender as dinâmicas de crescimento e estabilização de dividendos e de alavancagem dos FIIs de tijolo é de extrema importância para garantir bons retornos.
*Gustavo Ribas é sócio, deputy CEO e Co-CIO de Real Estate da Navi Capital. Foi executivo do grupo 3G por sete anos (2012-2019), tendo iniciado como analista de renda variável na 3G Capital e depois como membro do Comitê de Investimentos para América Latina. De 2016 a 2019 foi diretor da tesouraria global do Burger King nos EUA e head global de real estate. Iniciou sua carreira no Banco BBM (2005-2010) e, entre 2010 e 2012, foi analista de renda variável para a Itaú Asset. É economista formado pela UFRJ, advogado pela UERJ e mestre em Economia e Finanças pela FGV, EPGE.
Luis Stacchini é Sócio e Co-CIO de Real Estate da Navi Capital. Por oito anos foi analista de Equity Research, cobrindo o setor imobiliário no Credit Suisse, tendo sido o analista responsável pela cobertura do setor entre 2018 e 2020. Foi ranqueado pela revista Institutional Investor nos anos de 2019 e 2020. É engenheiro formado pela Poli-USP e possui a certificação CFA.
* Por Luis Stacchini e Gustavo Ribas
No mês de agosto, notamos um movimento diferente daquele que vínhamos observando desde o início do ciclo de alta de juros, em março de 2021. Os FIIs de tijolo e os FOFIIs tiveram ganhos expressivos, de 11,2% e 10,4%, respectivamente, enquanto os FIIs de crédito ficaram muito para trás, com queda de 0,4% no mês.
Alguns fatores colaboraram para esse comportamento, dentre eles, (i) a queda de cerca de 30 pontos base dos juros reais longos, com o Yield do IMA B 5+ caindo de 6,2%, no fim de julho, para 5,9%, no fim de agosto, o que favoreceu os fundos de tijolo, e (ii) a inflação negativa dos meses de julho (-0,7%) e agosto (consenso em -0,3%), que trouxe consigo uma expectativa de diminuição nas distribuições dos fundos de CRI à frente, impactando as cotações.
Mesmo que ainda existam incertezas no cenário futuro, que podem impactar os preços dos FIIs, já é possível dizer que, hoje, o ciclo de aperto monetário no Brasil está mais próximo do fim. Por isso, é importante se atentar às diferentes classes de ativos para avaliar onde estão as melhores oportunidades. Neste artigo pretendemos (i) olhar para o passado e entender a performance dos FIIs nos últimos ciclos, além de (ii) analisar o nível de valuation atual das principais classes de FIIs.
Como foi a performance dos FIIs no passado?
Para entender melhor o desempenho das diferentes classes de ativos, preferimos olhá-las em períodos de juros em ascensão e em declínio. Nos últimos 10 anos, tivemos um ciclo de alta de juros entre 2012 e 2016, um ciclo de queda de juros entre 2016 e 2021 e, desde então, vivemos um novo ciclo de alta, que parece estar chegando ao seu fim.
Ao olhar as performances das três principais classes de FIIs nesses três intervalos fica claro que (i) em períodos de alta de juros os fundos de crédito entregam maiores retornos e (ii) em períodos de queda de juros os fundos de tijolo e FOFIIs entregam retornos superiores.
Além disso, é interessante notar o comportamento semelhante entre o desempenho dos fundos de tijolo e FOFIIs, com ambos apresentando uma alta correlação entre seus retornos.
Para nós também é muito importante observar como os FIIs reagem às mudanças nos juros reais de longo prazo. Esses tendem a antecipar os movimentos futuros das taxas de juros e são mais utilizados para a precificação de ativos reais, como os FIIs. Em nosso exercício utilizamos o Yield do IMA B 5+ como referência de taxa de juros real no longo prazo.
Observa-se que os FIIs de tijolo e FOFIIs possuem retornos altamente correlacionados à variação dos juros reais e que, nos FOFIIs, os retornos são ainda mais sensíveis: 18% de retorno a cada 1% de queda nos juros reais, contra 13% para os FIIs de tijolo.
No caso dos FIIs de crédito percebemos uma baixa correlação histórica. Isso, na nossa opinião, deve-se ao fato de que (i) os FIIs de crédito distribuem inflação e juros mais altos em seus dividendos durante os momentos de aumento nas taxas de juros, colaborando para retornos mais altos, e (ii) à duration das carteiras de crédito serem muito mais baixas em relação aos FIIs de tijolo.
Mas a história vai se repetir?
Se o passado servir como referência, fica claro que, havendo uma queda nas taxas de juros, os fundos de tijolo e FOFIIs tendem a ser mais favorecidos e os FIIs de crédito menos. No entanto, é importante lembrar que os níveis de valuation e as tendências operacionais não devem ser esquecidos ao montar um portfólio de FIIs. Hoje, enxergamos FIIs de tijolo e FOFIIs negociando, em média, a 91% do valor patrimonial, e FIIs de CRI negociando em linha com seus valores patrimoniais — todos abaixo de suas médias históricas.
Ao olharmos o dividend yield, vemos os fundos de CRI entregando quase 15%, os FOFIIs 10% e os fundos de tijolo 9%, na média. No último ciclo de juros altos (2015-16), chegamos a ver FIIs de tijolo entregando 12% de yield, uma diferença de 5 pontos percentuais para os juros de longo prazo vigentes à época. Hoje, os fundos de tijolo negociam com um prêmio menor, de aproximadamente 3 pontos percentuais.
Por último, continuamos a ver a alavancagem dos FIIs de tijolo subindo ao longo do tempo. Ela está próxima de 15% (Dívida/PL), tendo quase triplicado em 5 anos. A alavancagem pode levar a dividendos mais altos em relação ao nível estabilizado, especialmente se houver carência de juros. Além disso, a amortização das obrigações pode exigir vendas de ativos ou mesmo emissões de cotas a preços baixos, o que pode causar impactos indesejados em uma carteira de ativos.
Em suma, o momento parece ser interessante para olharmos com mais detalhe os FOFIIs e os fundos de tijolo. Contudo, vale destacar que, atualmente, há menos “gordura” de valuation e, por isso, entender as dinâmicas de crescimento e estabilização de dividendos e de alavancagem dos FIIs de tijolo é de extrema importância para garantir bons retornos.
*Gustavo Ribas é sócio, deputy CEO e Co-CIO de Real Estate da Navi Capital. Foi executivo do grupo 3G por sete anos (2012-2019), tendo iniciado como analista de renda variável na 3G Capital e depois como membro do Comitê de Investimentos para América Latina. De 2016 a 2019 foi diretor da tesouraria global do Burger King nos EUA e head global de real estate. Iniciou sua carreira no Banco BBM (2005-2010) e, entre 2010 e 2012, foi analista de renda variável para a Itaú Asset. É economista formado pela UFRJ, advogado pela UERJ e mestre em Economia e Finanças pela FGV, EPGE.
Luis Stacchini é Sócio e Co-CIO de Real Estate da Navi Capital. Por oito anos foi analista de Equity Research, cobrindo o setor imobiliário no Credit Suisse, tendo sido o analista responsável pela cobertura do setor entre 2018 e 2020. Foi ranqueado pela revista Institutional Investor nos anos de 2019 e 2020. É engenheiro formado pela Poli-USP e possui a certificação CFA.