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Como analisar fundos imobiliários? Parte 1: os dividendos

Conhecer a dinâmica de dividendos, como os ativos dentro de cada fundo e compreender os seus riscos, é essencial para fazer boas alocações de capital em FII

Vista aérea da cidade de São Paulo, maior mercado de imóveis do país (Germano Lüders/Exame)
DR

Da Redação

Publicado em 21 de março de 2022 às 07h00.

Por Luis Stacchini e Gustavo Ribas*

Saber como analisar os ativos traz grandes vantagens ao investidor e permite uma melhor compreensão sobre o tipo de risco que se pode tomar, não apenas focando nos rendimentos. Neste primeiro artigo a respeito da análise fundamentalista dos FIIs, pretendemos nos debruçar sobre os dividendos dos fundos imobiliários e das suas métricas de avaliação.

Dividendos em FIIs

O valor de um ativo é o dos fluxos futuros de caixa, que correspondem aos dividendos – de maneira simplificada – no mundo imobiliário.

Os FIIs devem distribuir, no mínimo, 95% dos lucros, segundo o regime caixa. Portanto, a valorização dos imóveis de um FII não pode ser distribuída, sendo apenas possível caso ocorra a venda por um valor superior ao de compra. O mesmo é válido para cotas de FII que se valorizam dentro da carteira dos FOFIIs (fundos de fundos imobiliários).

Abaixo, destacamos fatores que influenciam os dividendos e, por consequência, o valor intrínseco dos FIIs:

Crescimento

Ao considerar que contratos são corrigidos por inflação, os aluguéis de um FII de tijolo e, consequentemente, seus dividendos crescem. Por outro lado, nos fundos de crédito, os juros e os respectivos dividendos acompanham as taxas dos CRIs e não apresentam trajetória crescente de dividendos ao longo do tempo.

Logo, os dividendos pagos por fundos de tijolo tendem a ser mais baixos em relação aos de papel, porém com tendência de crescimento.

Luis_Stacchini_(à esq.) e Gustavo Ribas, sócios e co-gestores de Real Estate na Navi Capital (Navi Capital/Divulgação)

Recorrência

As receitas recorrentes dos fundos de tijolo, de CRI e FOFII são aluguéis de imóveis, juros de CRIs e dividendos recebidos de outros fundos, respectivamente. No entanto há uma receita possível não recorrente comum a todos eles: ganhos nas vendas de ativos. Por exemplo, a alienação de imóveis antigos ou FIIs/CRIs que se valorizaram geram ganho de capital e incrementam os dividendos. Por outro lado, apesar de raro, vendas executadas abaixo do preço de compra impactam negativamente os dividendos.

Em suma, é crucial verificar a recorrência dos dividendos do fundo em análise para uma avaliação correta de seu valor justo, uma vez que os proventos resultantes de ganhos de capital não necessariamente se repetem.

Gostaria de aprender a investir em fundos imobiliários? Acesse aqui o curso gratuito da EXAME Academy em parceria com a B3

Nível Estabilizado

O nível atual de dividendos pode ser impactado por fatores temporários negativos, como vacância, carências, descontos e inadimplência, que se revertem com a possível recuperação do mercado.

Em um contrato típico, aluguéis com valores distantes aos de mercado podem ser reajustados a partir do terceiro ano de vigência ou na renovação do contrato. Já nos atípicos (em que os valores são atualizados pela inflação e sem renegociação dentro do prazo contratual), os aluguéis são alterados apenas na renovação do contrato.

Dessa forma, é crítico saber os valores de mercado dos aluguéis para ativos semelhantes aos analisados, além dos cronogramas contratuais. Com isso, é possível estimar o momento e a magnitude das alterações dos aluguéis. A convergência para valores de mercado é essencial para calcular o nível estabilizado dos dividendos e definir o valor intrínseco do FII.

Dividend Yield

O Dividend Yield representa a rentabilidade que os dividendos de um FII entregam vis-à-vis o seu preço atual de mercado. Seu cálculo considera os dividendos dos últimos 12 meses ou o valor anualizado do último dividendo, dividindo-os pelo preço do FII.

É natural pensar que, quanto maior o yield, mais atrativo tende a ser o investimento (e pode até ser). Entretanto é importante levar alguns aspectos em consideração:

Taxa nominal x real

Os dividendos de FIIs de tijolo tendem a crescer com os reajustes anuais de inflação. Já os fundos de CRI incluem a inflação implicitamente nas taxas de juros distribuídas como dividendos, que, portanto, não crescem ano após ano. Dessa forma, espera-se que estes apresentem yield maior em relação aos de tijolo, sem significar que tenham mais valor.

Exemplificando, o valor justo de um fundo de CRI que pague ao investidor IPCA + 7% a.a. (“taxa nominal”) e de um fundo de tijolo que pague “apenas”  7% a.a. sem o IPCA (“taxa real”), mas que acumula a valorização da inflação em seu patrimônio, é rigorosamente o mesmo.

Risco x retorno

Em geral, retornos maiores exigem mais risco. Um fundo de crédito high grade, que compra ativos de maior qualidade, apresenta rentabilidade mais baixa em relação ao high yield, pois há menor risco nas suas operações de crédito.

Comprar um FII de crédito baseado apenas nos dividendos distribuídos consiste em uma análise equivocada, pois se ignora o risco. Quando há recessão econômica, os fundos high grade devem ter uma carteira menos exposta à inadimplência em relação aos high yield, apresentando melhores resultados.

Para FII de tijolo, a mesma tendência é observada. É razoável esperar que um investidor exija retornos mais baixos para uma laje corporativa AAA na Faria Lima em relação a uma loja de rua ou um galpão logístico afastado. Qualidade dos ativos, localização e capacidade de crédito dos inquilinos são imprescindíveis para determinar o nível de retorno exigido.

Spread sobre títulos públicos

Analisar o Dividend Yield como uma métrica de excesso de retorno em relação a títulos públicos (“ spread ”) quantifica o quanto o investidor está recebendo a mais para correr o risco de possuir FIIs. Quando o spread está acima da média histórica, há um indicativo de potencial valorização.

Aqui é importante se ater a dois pontos: fundos de CRI devem ser comparados a títulos nominais (ex.: NTN-F), enquanto os de tijolo, a títulos indexados à inflação (ex.: NTN-B). Por último, deve-se atentar ao duration dos ativos (prazo médio do fluxo de caixa), que tende a ser mais curto para FIIs de CRI e mais longo para os de tijolo.

Considerações finais

Conhecer a dinâmica de dividendos é essencial para fazer boas alocações de capital em FIIs. Para tanto, é importante conhecer os ativos dentro de cada fundo, compreender seus riscos e projetar o crescimento dos dividendos. Aliar spreads sobre títulos públicos acima da média histórica e a expectativa de aumento de dividendos é uma excelente receita para bons investimentos.

*Gustavo Ribas é sócio e coCIO de Real Estate da Navi Capital. Foi membro do Comitê de Investimentos da 3G Capital no Brasil (2012-2016) e head global de real estate do Burger King nos EUA (2016-2019). Iniciou sua carreira no Banco BBM (2005-2010) e depois foi analista de equity research na Itaú Asset (2010-2012). É economista formado pela UFRJ, advogado pela UERJ e mestre em Economia e Finanças pela FGV, EPGE.

*Luis Stacchini é sócio e coCIO de Real Estate da Navi Capital. Por oito anos, foi analista de equity research, cobrindo o setor imobiliário no Credit Suisse, tendo sido o analista responsável pela cobertura do setor entre 2018 e 2020. Foi ranqueado pela revista Institutional Investor nos anos de 2019 e 2020. É engenheiro formado pela Poli-USP e possui a certificação CFA.

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Por Luis Stacchini e Gustavo Ribas*

Saber como analisar os ativos traz grandes vantagens ao investidor e permite uma melhor compreensão sobre o tipo de risco que se pode tomar, não apenas focando nos rendimentos. Neste primeiro artigo a respeito da análise fundamentalista dos FIIs, pretendemos nos debruçar sobre os dividendos dos fundos imobiliários e das suas métricas de avaliação.

Dividendos em FIIs

O valor de um ativo é o dos fluxos futuros de caixa, que correspondem aos dividendos – de maneira simplificada – no mundo imobiliário.

Os FIIs devem distribuir, no mínimo, 95% dos lucros, segundo o regime caixa. Portanto, a valorização dos imóveis de um FII não pode ser distribuída, sendo apenas possível caso ocorra a venda por um valor superior ao de compra. O mesmo é válido para cotas de FII que se valorizam dentro da carteira dos FOFIIs (fundos de fundos imobiliários).

Abaixo, destacamos fatores que influenciam os dividendos e, por consequência, o valor intrínseco dos FIIs:

Crescimento

Ao considerar que contratos são corrigidos por inflação, os aluguéis de um FII de tijolo e, consequentemente, seus dividendos crescem. Por outro lado, nos fundos de crédito, os juros e os respectivos dividendos acompanham as taxas dos CRIs e não apresentam trajetória crescente de dividendos ao longo do tempo.

Logo, os dividendos pagos por fundos de tijolo tendem a ser mais baixos em relação aos de papel, porém com tendência de crescimento.

Luis_Stacchini_(à esq.) e Gustavo Ribas, sócios e co-gestores de Real Estate na Navi Capital (Navi Capital/Divulgação)

Recorrência

As receitas recorrentes dos fundos de tijolo, de CRI e FOFII são aluguéis de imóveis, juros de CRIs e dividendos recebidos de outros fundos, respectivamente. No entanto há uma receita possível não recorrente comum a todos eles: ganhos nas vendas de ativos. Por exemplo, a alienação de imóveis antigos ou FIIs/CRIs que se valorizaram geram ganho de capital e incrementam os dividendos. Por outro lado, apesar de raro, vendas executadas abaixo do preço de compra impactam negativamente os dividendos.

Em suma, é crucial verificar a recorrência dos dividendos do fundo em análise para uma avaliação correta de seu valor justo, uma vez que os proventos resultantes de ganhos de capital não necessariamente se repetem.

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Nível Estabilizado

O nível atual de dividendos pode ser impactado por fatores temporários negativos, como vacância, carências, descontos e inadimplência, que se revertem com a possível recuperação do mercado.

Em um contrato típico, aluguéis com valores distantes aos de mercado podem ser reajustados a partir do terceiro ano de vigência ou na renovação do contrato. Já nos atípicos (em que os valores são atualizados pela inflação e sem renegociação dentro do prazo contratual), os aluguéis são alterados apenas na renovação do contrato.

Dessa forma, é crítico saber os valores de mercado dos aluguéis para ativos semelhantes aos analisados, além dos cronogramas contratuais. Com isso, é possível estimar o momento e a magnitude das alterações dos aluguéis. A convergência para valores de mercado é essencial para calcular o nível estabilizado dos dividendos e definir o valor intrínseco do FII.

Dividend Yield

O Dividend Yield representa a rentabilidade que os dividendos de um FII entregam vis-à-vis o seu preço atual de mercado. Seu cálculo considera os dividendos dos últimos 12 meses ou o valor anualizado do último dividendo, dividindo-os pelo preço do FII.

É natural pensar que, quanto maior o yield, mais atrativo tende a ser o investimento (e pode até ser). Entretanto é importante levar alguns aspectos em consideração:

Taxa nominal x real

Os dividendos de FIIs de tijolo tendem a crescer com os reajustes anuais de inflação. Já os fundos de CRI incluem a inflação implicitamente nas taxas de juros distribuídas como dividendos, que, portanto, não crescem ano após ano. Dessa forma, espera-se que estes apresentem yield maior em relação aos de tijolo, sem significar que tenham mais valor.

Exemplificando, o valor justo de um fundo de CRI que pague ao investidor IPCA + 7% a.a. (“taxa nominal”) e de um fundo de tijolo que pague “apenas”  7% a.a. sem o IPCA (“taxa real”), mas que acumula a valorização da inflação em seu patrimônio, é rigorosamente o mesmo.

Risco x retorno

Em geral, retornos maiores exigem mais risco. Um fundo de crédito high grade, que compra ativos de maior qualidade, apresenta rentabilidade mais baixa em relação ao high yield, pois há menor risco nas suas operações de crédito.

Comprar um FII de crédito baseado apenas nos dividendos distribuídos consiste em uma análise equivocada, pois se ignora o risco. Quando há recessão econômica, os fundos high grade devem ter uma carteira menos exposta à inadimplência em relação aos high yield, apresentando melhores resultados.

Para FII de tijolo, a mesma tendência é observada. É razoável esperar que um investidor exija retornos mais baixos para uma laje corporativa AAA na Faria Lima em relação a uma loja de rua ou um galpão logístico afastado. Qualidade dos ativos, localização e capacidade de crédito dos inquilinos são imprescindíveis para determinar o nível de retorno exigido.

Spread sobre títulos públicos

Analisar o Dividend Yield como uma métrica de excesso de retorno em relação a títulos públicos (“ spread ”) quantifica o quanto o investidor está recebendo a mais para correr o risco de possuir FIIs. Quando o spread está acima da média histórica, há um indicativo de potencial valorização.

Aqui é importante se ater a dois pontos: fundos de CRI devem ser comparados a títulos nominais (ex.: NTN-F), enquanto os de tijolo, a títulos indexados à inflação (ex.: NTN-B). Por último, deve-se atentar ao duration dos ativos (prazo médio do fluxo de caixa), que tende a ser mais curto para FIIs de CRI e mais longo para os de tijolo.

Considerações finais

Conhecer a dinâmica de dividendos é essencial para fazer boas alocações de capital em FIIs. Para tanto, é importante conhecer os ativos dentro de cada fundo, compreender seus riscos e projetar o crescimento dos dividendos. Aliar spreads sobre títulos públicos acima da média histórica e a expectativa de aumento de dividendos é uma excelente receita para bons investimentos.

*Gustavo Ribas é sócio e coCIO de Real Estate da Navi Capital. Foi membro do Comitê de Investimentos da 3G Capital no Brasil (2012-2016) e head global de real estate do Burger King nos EUA (2016-2019). Iniciou sua carreira no Banco BBM (2005-2010) e depois foi analista de equity research na Itaú Asset (2010-2012). É economista formado pela UFRJ, advogado pela UERJ e mestre em Economia e Finanças pela FGV, EPGE.

*Luis Stacchini é sócio e coCIO de Real Estate da Navi Capital. Por oito anos, foi analista de equity research, cobrindo o setor imobiliário no Credit Suisse, tendo sido o analista responsável pela cobertura do setor entre 2018 e 2020. Foi ranqueado pela revista Institutional Investor nos anos de 2019 e 2020. É engenheiro formado pela Poli-USP e possui a certificação CFA.

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