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Caso Airbnb: proibir o aluguel fere o direito à propriedade?

Recente decisão do STJ traz à tona conflito entre o direito à livre disposição da propriedade, o direito dos condôminos e a natureza da locação via Airbnb

A locação de apartamentos por meio do Airbnb foi parar no STJ: entenda os direitos envolvidos no caso | Foto: Charles Platiau/Reuters (Charles Platiau/File Photo/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2021 às 08h56.

Inauguro este espaço, destinado a tratar de temas de direito imobiliário que impactem o dia-a-dia das pessoas, escrevendo algumas linhas sobre a recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.819.075, no sentido de que, caso a convenção do condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderiam alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o Airbnb , a não ser que houvesse previsão expressa na convenção acerca da possibilidade de locação sob essa modalidade.

Nos termos da decisão, o sistema de reserva de imóveis pela plataforma digital é caracterizado como uma espécie de contrato atípico de hospedagem, pois não se enquadraria como locação por temporada nem como hospedagem oferecida por empreendimentos hoteleiros, que possuem regulamentações específicas. Portanto, não poderia ser praticado em condomínios de natureza residencial.

A celeuma se instalou em Porto Alegre, cidade em que dois proprietários, mãe e filho, que de forma corrente disponibilizavam suas unidades no edifício para aluguel por meio do Airbnb, foram alvo de demanda judicial apresentada pelo condomínio em que se localizam tais imóveis. A alegação foi que a locação sob a modalidade caracterizaria infração à convenção, decorrente da "alteração da destinação residencial do edifício para comercial".

O condomínio teve sua demanda julgada procedente tanto em primeira quanto em segunda instância. Os proprietários recorreram então ao STJ, mas não tiveram melhor sorte.

A decisão do STJ causou bastante polêmica e discussão, uma vez que acaba por naturalmente atribuir pesos ao direito à livre disposição da propriedade, ao direito dos condôminos/convenção de condomínio e à natureza da locação via Airbnb, não necessariamente de forma equilibrada.

E esse é o ponto central da discussão: é possível que tais direitos convivam harmonicamente? Há, dentre eles, algum que tenha valor maior do que os demais?

O direito à propriedade é consagrado no artigo 5º da Constituição Federal como direito fundamental, e o artigo 1.228 do Código Civil define que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa. Os próprios réus deste caso alegam que a iniciativa do condomínio prejudica o seu o direito de propriedade, de usar, fruir e livremente dispor de seus apartamentos, como inclusive dispõe o artigo 1.335 do Código Civil, locando-os para fins residenciais ou por temporada.

Pelo condomínio, neste caso específico, houve a alegação de que tais proprietários teriam reformado as suas unidades, ampliando sua capacidade e seu número de cômodos, e estariam promovendo a locação de quartos de forma autônoma, com alta rotatividade de pessoas, oferecendo ainda serviços acessórios, como conexão à internet e lavagem de roupas. Isso teria transformado os imóveis em um verdadeiro hostel – e o que teria inclusive sido reconhecido pelos próprios réus em instâncias inferiores.

Pelo lado dos direitos dos condôminos, inclusive, e além deste caso específico, é corrente a alegação, pelos condomínios envolvidos em situações como esta, de que as locações curtas como as realizadas via Airbnb trariam prejuízo à segurança dos condôminos, por causa da alta rotatividade de pessoas, além de, alegam, criar uma natureza comercial sobre as suas unidades residenciais.

E há a questão mais formal, da convenção de condomínio: o STJ entendeu que se a convenção de condomínio contiver previsão de que as unidades possuem natureza residencial, e não contiver autorização expressa para locação sob esta modalidade, tal prática estaria então proibida.

Por fim, há a discussão sobre a natureza do contrato que se estabelece via Airbnb. Seria um contrato de locação por temporada, previsto na Lei 8.245/91? Seria um contrato de hospedagem? Ou seria simplesmente um contrato atípico, sem previsão legal?

Ou seja, temos um verdadeiro conflito entre direitos, sob a luz de uma bastante polêmica natureza contratual.

Nosso entendimento é o de que, se a convenção condominial não proíbe expressamente a locação residencial de curta duração, e não havendo qualquer ilegalidade, seria bastante razoável assumir que os proprietários poderiam, sim, dispor de suas unidades sob tal modalidade.

E, mesmo que houvesse vedação expressa na convenção do condomínio, ainda é bastante discutível a validade de restrição a direitos individuais e a direitos de propriedade imposta por norma condominial, como por exemplo a restrição da criação e guarda de animais, a restrição envolvendo o uso de áreas comuns pelo proprietário inadimplente, entre outros – temas interessantes e de que trataremos futuramente neste espaço.

A locação via Airbnb, por si só, desvirtuaria a natureza residencial da propriedade? Entendemos que não, e entendemos que a exceção não possa ser tratada como regra.

Acreditamos que nas locações “padrão” por meio de plataformas como o Airbnb, em regra deverão estar presentes os pressupostos definidos no artigo 48 da Lei 8.245/91 para a locação por temporada, que seriam (i) locação destinada à residência temporária do locatário; (ii) para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel; (iii) ou para outros fatos que decorram tão-somente de determinado tempo; (iv) contratada por prazo não superior a noventa dias; e (v) podendo estar ou não mobiliado o imóvel.

Apesar de uma locação por plataformas como o Airbnb não necessariamente obedecer aos requisitos acima indicados, isso não faz com que todas as locações realizadas por meio de tais plataformas não possam estar enquadradas nos requisitos legais.

Entendemos que qualquer vedação a uma locação que atenda aos requisitos da locação por temporada, e desde que não haja qualquer ilegalidade, feriria o direito de livre disposição da propriedade.

Como o ministro Luis Felipe Salomão fez constar em seu voto vencido, o condomínio poderia adotar mecanismos para garantir a segurança da prática, como o cadastramento de pessoas na portaria, mas não seria possível impedir a atividade de locação pelos proprietários.

Vale destacar que a decisão do STJ não proibiu de forma geral a locação via Airbnb em condomínios, uma vez que se aplica apenas a este caso específico, com todas as suas características e peculiaridades. Mas sem dúvida acaba por criar um precedente sobre o tema, o que pode vir a futuramente prejudicar aqueles que locam seus imóveis em condomínio sob esta modalidade.

Certamente teremos próximos capítulos na discussão sobre este tema, e uma efetiva pacificação do assunto muito provavelmente só virá com uma definição legislativa ampla, que defina natureza e a extensão dos contratos e serviços oferecidos por plataformas como o Airbnb, bem como a possibilidade ou não de imposição de restrição pelos condomínios.

Encerro este primeiro texto me colocando à disposição, pelo e-mail abaixo, para que leitores possam apresentar eventuais dúvidas sobre questões de direito imobiliário aplicáveis ao cotidiano, o que buscaremos responder em textos futuros neste mesmo espaço.

*Georges Louis Martens Filho (georges@mdadvs.com.br) é advogado, sócio-fundador do escritório Martens & Dornaus Advogados, com atuação em Direito Imobiliário, Direito Societário, Mercado de Capitais e Contratos. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com especialização em Direito Empresarial pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

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Inauguro este espaço, destinado a tratar de temas de direito imobiliário que impactem o dia-a-dia das pessoas, escrevendo algumas linhas sobre a recente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.819.075, no sentido de que, caso a convenção do condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderiam alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o Airbnb , a não ser que houvesse previsão expressa na convenção acerca da possibilidade de locação sob essa modalidade.

Nos termos da decisão, o sistema de reserva de imóveis pela plataforma digital é caracterizado como uma espécie de contrato atípico de hospedagem, pois não se enquadraria como locação por temporada nem como hospedagem oferecida por empreendimentos hoteleiros, que possuem regulamentações específicas. Portanto, não poderia ser praticado em condomínios de natureza residencial.

A celeuma se instalou em Porto Alegre, cidade em que dois proprietários, mãe e filho, que de forma corrente disponibilizavam suas unidades no edifício para aluguel por meio do Airbnb, foram alvo de demanda judicial apresentada pelo condomínio em que se localizam tais imóveis. A alegação foi que a locação sob a modalidade caracterizaria infração à convenção, decorrente da "alteração da destinação residencial do edifício para comercial".

O condomínio teve sua demanda julgada procedente tanto em primeira quanto em segunda instância. Os proprietários recorreram então ao STJ, mas não tiveram melhor sorte.

A decisão do STJ causou bastante polêmica e discussão, uma vez que acaba por naturalmente atribuir pesos ao direito à livre disposição da propriedade, ao direito dos condôminos/convenção de condomínio e à natureza da locação via Airbnb, não necessariamente de forma equilibrada.

E esse é o ponto central da discussão: é possível que tais direitos convivam harmonicamente? Há, dentre eles, algum que tenha valor maior do que os demais?

O direito à propriedade é consagrado no artigo 5º da Constituição Federal como direito fundamental, e o artigo 1.228 do Código Civil define que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa. Os próprios réus deste caso alegam que a iniciativa do condomínio prejudica o seu o direito de propriedade, de usar, fruir e livremente dispor de seus apartamentos, como inclusive dispõe o artigo 1.335 do Código Civil, locando-os para fins residenciais ou por temporada.

Pelo condomínio, neste caso específico, houve a alegação de que tais proprietários teriam reformado as suas unidades, ampliando sua capacidade e seu número de cômodos, e estariam promovendo a locação de quartos de forma autônoma, com alta rotatividade de pessoas, oferecendo ainda serviços acessórios, como conexão à internet e lavagem de roupas. Isso teria transformado os imóveis em um verdadeiro hostel – e o que teria inclusive sido reconhecido pelos próprios réus em instâncias inferiores.

Pelo lado dos direitos dos condôminos, inclusive, e além deste caso específico, é corrente a alegação, pelos condomínios envolvidos em situações como esta, de que as locações curtas como as realizadas via Airbnb trariam prejuízo à segurança dos condôminos, por causa da alta rotatividade de pessoas, além de, alegam, criar uma natureza comercial sobre as suas unidades residenciais.

E há a questão mais formal, da convenção de condomínio: o STJ entendeu que se a convenção de condomínio contiver previsão de que as unidades possuem natureza residencial, e não contiver autorização expressa para locação sob esta modalidade, tal prática estaria então proibida.

Por fim, há a discussão sobre a natureza do contrato que se estabelece via Airbnb. Seria um contrato de locação por temporada, previsto na Lei 8.245/91? Seria um contrato de hospedagem? Ou seria simplesmente um contrato atípico, sem previsão legal?

Ou seja, temos um verdadeiro conflito entre direitos, sob a luz de uma bastante polêmica natureza contratual.

Nosso entendimento é o de que, se a convenção condominial não proíbe expressamente a locação residencial de curta duração, e não havendo qualquer ilegalidade, seria bastante razoável assumir que os proprietários poderiam, sim, dispor de suas unidades sob tal modalidade.

E, mesmo que houvesse vedação expressa na convenção do condomínio, ainda é bastante discutível a validade de restrição a direitos individuais e a direitos de propriedade imposta por norma condominial, como por exemplo a restrição da criação e guarda de animais, a restrição envolvendo o uso de áreas comuns pelo proprietário inadimplente, entre outros – temas interessantes e de que trataremos futuramente neste espaço.

A locação via Airbnb, por si só, desvirtuaria a natureza residencial da propriedade? Entendemos que não, e entendemos que a exceção não possa ser tratada como regra.

Acreditamos que nas locações “padrão” por meio de plataformas como o Airbnb, em regra deverão estar presentes os pressupostos definidos no artigo 48 da Lei 8.245/91 para a locação por temporada, que seriam (i) locação destinada à residência temporária do locatário; (ii) para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel; (iii) ou para outros fatos que decorram tão-somente de determinado tempo; (iv) contratada por prazo não superior a noventa dias; e (v) podendo estar ou não mobiliado o imóvel.

Apesar de uma locação por plataformas como o Airbnb não necessariamente obedecer aos requisitos acima indicados, isso não faz com que todas as locações realizadas por meio de tais plataformas não possam estar enquadradas nos requisitos legais.

Entendemos que qualquer vedação a uma locação que atenda aos requisitos da locação por temporada, e desde que não haja qualquer ilegalidade, feriria o direito de livre disposição da propriedade.

Como o ministro Luis Felipe Salomão fez constar em seu voto vencido, o condomínio poderia adotar mecanismos para garantir a segurança da prática, como o cadastramento de pessoas na portaria, mas não seria possível impedir a atividade de locação pelos proprietários.

Vale destacar que a decisão do STJ não proibiu de forma geral a locação via Airbnb em condomínios, uma vez que se aplica apenas a este caso específico, com todas as suas características e peculiaridades. Mas sem dúvida acaba por criar um precedente sobre o tema, o que pode vir a futuramente prejudicar aqueles que locam seus imóveis em condomínio sob esta modalidade.

Certamente teremos próximos capítulos na discussão sobre este tema, e uma efetiva pacificação do assunto muito provavelmente só virá com uma definição legislativa ampla, que defina natureza e a extensão dos contratos e serviços oferecidos por plataformas como o Airbnb, bem como a possibilidade ou não de imposição de restrição pelos condomínios.

Encerro este primeiro texto me colocando à disposição, pelo e-mail abaixo, para que leitores possam apresentar eventuais dúvidas sobre questões de direito imobiliário aplicáveis ao cotidiano, o que buscaremos responder em textos futuros neste mesmo espaço.

*Georges Louis Martens Filho (georges@mdadvs.com.br) é advogado, sócio-fundador do escritório Martens & Dornaus Advogados, com atuação em Direito Imobiliário, Direito Societário, Mercado de Capitais e Contratos. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com especialização em Direito Empresarial pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

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