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Tiririca na Amazônia

O Brasil é um país reconhecido, particularmente, pela criatividade e espírito empreendedor de seu povo

Aldeia na Amazônia: a comunidade Tiririca fica às margens do Rio Negro (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 2 de abril de 2024 às 16h56.

Estávamos num Domingo chuvoso em SP, quando minha filha Pietra, de 6 anos, vendo a chuva intensa correr pela janela me perguntou: “Pai, você conhece a lenda do Pirarucu”? Eu respondi que não. E ela, com sua jovialidade e simplicidade me respondeu: “Essa é a lenda de um indiozinho que estava pescando na Amazônia, aí começou a chover muito e ele caiu na água e virou um pirarucu”.

A lenda, na verdade, tem um enredo um pouco mais rebuscado do que a narrativa da minha pequena, envolvendo toques de vaidade e egoísmo mas, confesso que da sua maneira, ela resumiu bem a história. De qualquer forma foi assim que, passados três meses deste episódio, viemos passar a Páscoa procurando o pirarucu em Anavilhanas, no coração da Amazônia.

Se você ainda não conhece Anavilhanas, deveria conhecer. Arquipélago fluvial espetacular situado no Rio Negro, próximo à cidade de Manaus, no estado do Amazonas. Este labirinto natural é composto por mais de 400 ilhas, criando uma vasta rede de canais, lagoas, e igapós que abrigam uma rica biodiversidade. A região é um dos mais impressionantes exemplos do ecossistema de várzea, caracterizado por suas florestas inundadas que se adaptam ao regime de cheias e vazantes do rio.

As Anavilhanas constituem um importante refúgio para uma grande variedade de vida selvagem, incluindo espécies endêmicas e ameaçadas, como aves e peixes, destacando-se o boto-cor-de-rosa, que eu aprendi lá que nasce cinza. Declarado Parque Nacional em 2008, o arquipélago de Anavilhanas é uma maravilha natural que oferece não apenas um espetáculo para os olhos com sua paisagem única, mas também um campo vital para a pesquisa científica e conservação ambiental.

Achei simplesmente impressionante como em um passeio rápido pelo igapó conheci desde árvores cujas folhas servem para tratar reumatismo até formigas que você esfrega na mão e que servem como repelentes. Não é por acaso que tantas indústrias farmacêuticas têm jogado todos os holofotes para cá. O potencial é surreal.

Mas a Amazonia não é só feita de cheiros, cores e sabores. Mais do que tudo, ela é feita de histórias. Mês passado almocei com o Nizan Guanaes e ele me falou que todo ano ele passa um mês na Bahia, para sair um pouco da bolha em que vivemos e ter uma imersão no mundo real do Brasil.

Brilhantemente como de costume, ele apelidou esse seu período de North by Northeast (uma brincadeira com um dos maiores festivais de inovação do mundo, que se chama South by Southwest, que acontece anualmenteno Texas, nos Estados Unidos).

No meu North by Northwest, eu tive a oportunidade de conhecer histórias incríveis de superação, crescimento e defesa da cultura do seu povo, mas sendo uma coluna de inovação e empreendedorismo, eu queria falar sobre a comunidade de Tiririca, que fica às margens do Rio Negro.

O Brasil é um país reconhecido pela sua imensa diversidade cultural, pela exuberante beleza natural e, particularmente, pela criatividade e espírito empreendedor de seu povo. Um exemplo palpável dessa característica pode ser encontrado na comunidade de Tiririca.

Essa comunidade, formada por 47 moradores, dos quais 9 são crianças, desdobra-se em inventividade para superar as limitações impostas pela localização remota e pela infraestrutura precária. Tiririca não tem eletricidade 24 horas por dia, uma realidade que imporia severas limitações a qualquer grupo menos engenhoso.

Apesar de estar no mapa das comunidades beneficiadas pelo programa "Luz para Todos", implementado em 2008, a eletricidade ainda é um recurso escasso por lá, porque a instalação das últimas extensões de energia foi interrompida ao encontrarem um cemitério indígena, o que proibiu o avanço da infraestrutura.

Contudo, essa adversidade não desanimou seus habitantes. A comunidade possui uma loja de artesanato que vinha enfrentando dificuldades em receber seus pagamentos, uma vez que as pessoas andam com cada vez menos dinheiro em espécie. A questão sobre como realizar pagamentos, dada a ausência de sinal de celular e eletricidade contínua foi endereçada com uma solução criativa e eficiente.

Através do uso de uma bateria ligam uma máquina de cartões quando necessário. Para resolver o problema do sinal, instalaram uma antena no ponto mais alto da comunidade, para repetir o sinal de celular de Novo Airão, a maior cidade mais próxima, e ligam o wi-fi para você entrar no seu internet banking, garantindo conectividade e a possibilidade de transações comerciais.

Este exemplo de adaptabilidade e inovação na comunidade de Tiririca reflete a essência do povo brasileiro, capaz de transformar adversidades em oportunidades. A beleza dessa história reside não apenas na superação das barreiras físicas, mas também na manutenção de uma comunidade coesa, otimista, e economicamente ativa, apesar dos desafios.

O Brasil é um país de riquezas incalculáveis, não apenas pelas suas paisagens naturais, mas principalmente pelo seu povo lutador e criativo. A história de Tiririca nos mostra que, apesar dos obstáculos, há sempre um caminho a ser trilhado e uma solução a ser encontrada. Enquanto houver vontade para superar desafios e criatividade para encontrar novas soluções, o Brasil tem tudo para dar certo.

Em meio à imensidão do Amazonas, uma pequena comunidade se destaca, não apenas sobrevivendo, mas prosperando, e nos lembrando da verdadeira força que reside no coração do povo brasileiro: a resiliência.

Ah, e quase ia me esquecendo. A Pietra viu sim o pirarucu. Mas confesso que, quem realmente roubou o coração da minha filha foi o boto-cor-de-rosa. Essa criatura emblemática dos rios amazônicos que, segundo as lendas locais, transforma-se em um belo e sedutor rapaz nas noites de festa para seduzir e encantar as mulheres. Neste caso, como bom pai ciumento que sou, sigo torcendo para que essa lenda se mantenha exatamente como ela é: um simples conto de fadas.

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Estávamos num Domingo chuvoso em SP, quando minha filha Pietra, de 6 anos, vendo a chuva intensa correr pela janela me perguntou: “Pai, você conhece a lenda do Pirarucu”? Eu respondi que não. E ela, com sua jovialidade e simplicidade me respondeu: “Essa é a lenda de um indiozinho que estava pescando na Amazônia, aí começou a chover muito e ele caiu na água e virou um pirarucu”.

A lenda, na verdade, tem um enredo um pouco mais rebuscado do que a narrativa da minha pequena, envolvendo toques de vaidade e egoísmo mas, confesso que da sua maneira, ela resumiu bem a história. De qualquer forma foi assim que, passados três meses deste episódio, viemos passar a Páscoa procurando o pirarucu em Anavilhanas, no coração da Amazônia.

Se você ainda não conhece Anavilhanas, deveria conhecer. Arquipélago fluvial espetacular situado no Rio Negro, próximo à cidade de Manaus, no estado do Amazonas. Este labirinto natural é composto por mais de 400 ilhas, criando uma vasta rede de canais, lagoas, e igapós que abrigam uma rica biodiversidade. A região é um dos mais impressionantes exemplos do ecossistema de várzea, caracterizado por suas florestas inundadas que se adaptam ao regime de cheias e vazantes do rio.

As Anavilhanas constituem um importante refúgio para uma grande variedade de vida selvagem, incluindo espécies endêmicas e ameaçadas, como aves e peixes, destacando-se o boto-cor-de-rosa, que eu aprendi lá que nasce cinza. Declarado Parque Nacional em 2008, o arquipélago de Anavilhanas é uma maravilha natural que oferece não apenas um espetáculo para os olhos com sua paisagem única, mas também um campo vital para a pesquisa científica e conservação ambiental.

Achei simplesmente impressionante como em um passeio rápido pelo igapó conheci desde árvores cujas folhas servem para tratar reumatismo até formigas que você esfrega na mão e que servem como repelentes. Não é por acaso que tantas indústrias farmacêuticas têm jogado todos os holofotes para cá. O potencial é surreal.

Mas a Amazonia não é só feita de cheiros, cores e sabores. Mais do que tudo, ela é feita de histórias. Mês passado almocei com o Nizan Guanaes e ele me falou que todo ano ele passa um mês na Bahia, para sair um pouco da bolha em que vivemos e ter uma imersão no mundo real do Brasil.

Brilhantemente como de costume, ele apelidou esse seu período de North by Northeast (uma brincadeira com um dos maiores festivais de inovação do mundo, que se chama South by Southwest, que acontece anualmenteno Texas, nos Estados Unidos).

No meu North by Northwest, eu tive a oportunidade de conhecer histórias incríveis de superação, crescimento e defesa da cultura do seu povo, mas sendo uma coluna de inovação e empreendedorismo, eu queria falar sobre a comunidade de Tiririca, que fica às margens do Rio Negro.

O Brasil é um país reconhecido pela sua imensa diversidade cultural, pela exuberante beleza natural e, particularmente, pela criatividade e espírito empreendedor de seu povo. Um exemplo palpável dessa característica pode ser encontrado na comunidade de Tiririca.

Essa comunidade, formada por 47 moradores, dos quais 9 são crianças, desdobra-se em inventividade para superar as limitações impostas pela localização remota e pela infraestrutura precária. Tiririca não tem eletricidade 24 horas por dia, uma realidade que imporia severas limitações a qualquer grupo menos engenhoso.

Apesar de estar no mapa das comunidades beneficiadas pelo programa "Luz para Todos", implementado em 2008, a eletricidade ainda é um recurso escasso por lá, porque a instalação das últimas extensões de energia foi interrompida ao encontrarem um cemitério indígena, o que proibiu o avanço da infraestrutura.

Contudo, essa adversidade não desanimou seus habitantes. A comunidade possui uma loja de artesanato que vinha enfrentando dificuldades em receber seus pagamentos, uma vez que as pessoas andam com cada vez menos dinheiro em espécie. A questão sobre como realizar pagamentos, dada a ausência de sinal de celular e eletricidade contínua foi endereçada com uma solução criativa e eficiente.

Através do uso de uma bateria ligam uma máquina de cartões quando necessário. Para resolver o problema do sinal, instalaram uma antena no ponto mais alto da comunidade, para repetir o sinal de celular de Novo Airão, a maior cidade mais próxima, e ligam o wi-fi para você entrar no seu internet banking, garantindo conectividade e a possibilidade de transações comerciais.

Este exemplo de adaptabilidade e inovação na comunidade de Tiririca reflete a essência do povo brasileiro, capaz de transformar adversidades em oportunidades. A beleza dessa história reside não apenas na superação das barreiras físicas, mas também na manutenção de uma comunidade coesa, otimista, e economicamente ativa, apesar dos desafios.

O Brasil é um país de riquezas incalculáveis, não apenas pelas suas paisagens naturais, mas principalmente pelo seu povo lutador e criativo. A história de Tiririca nos mostra que, apesar dos obstáculos, há sempre um caminho a ser trilhado e uma solução a ser encontrada. Enquanto houver vontade para superar desafios e criatividade para encontrar novas soluções, o Brasil tem tudo para dar certo.

Em meio à imensidão do Amazonas, uma pequena comunidade se destaca, não apenas sobrevivendo, mas prosperando, e nos lembrando da verdadeira força que reside no coração do povo brasileiro: a resiliência.

Ah, e quase ia me esquecendo. A Pietra viu sim o pirarucu. Mas confesso que, quem realmente roubou o coração da minha filha foi o boto-cor-de-rosa. Essa criatura emblemática dos rios amazônicos que, segundo as lendas locais, transforma-se em um belo e sedutor rapaz nas noites de festa para seduzir e encantar as mulheres. Neste caso, como bom pai ciumento que sou, sigo torcendo para que essa lenda se mantenha exatamente como ela é: um simples conto de fadas.

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