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A Netflix e uma pergunta: seus likes são realmente necessários?

"Em resumo, vale sempre lembrar: Se você não está pagando pelo produto, você não é o cliente, mas sim o próprio produto que está sendo vendido"

Netflix: "As redes sociais talvez sejam uma das maiores provas da eficiência do uso da inteligência artificial" (Getty Images/Reprodução)
Netflix: "As redes sociais talvez sejam uma das maiores provas da eficiência do uso da inteligência artificial" (Getty Images/Reprodução)
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Frederico Pompeu

Publicado em 6 de outubro de 2020 às, 12h43.

Existe uma antiga piada no Vale do Silício, que está mais atual do que nunca, que ilustra bem a questão das Redes Sociais. Dois porquinhos conversavam alegremente na baia de uma fazenda:

Porquinho 1: “Esse lugar não é maravilhoso? Não temos que pagar nada pela hospedagem aqui no celeiro”.

Porquinho 2: “Sim, é espetacular! Aqui até a nossa ração é de graça”.

Em resumo, vale sempre lembrar: Se você não está pagando pelo produto, você não é o cliente, mas sim o próprio produto que está sendo vendido. E essa questão ganhou ainda mais destaque no recente documentário lançado pela Netflix, o polêmico “O Dilema das Redes”.

Dirigido por Jeff Orlowski e com entrevistas com ex-funcionários das principais redes sociais do mundo, esse filme tem grande chance de se tornar o principal documentário que você verá neste ano. O diretor esmiúça o porquê das pessoas, inclusive eu, dedicarmos tanto tempo para as redes sociais. Ele mostra como as ferramentas criadas por alguns dos engenheiros mais bem pagos do mundo foram pensadas para que você fique cada vez mais dependente daqueles aplicativos.

O “botão do like”, o “scroll infinito” ou poder “marcar um amigo numa foto” são nada mais do que “drogas”, que tem o intuito de te deixar ainda mais viciado.

Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google e um dos protagonistas da película, explica o problema causado por essa dependência. “Estamos treinando e condicionando uma geração inteira de pessoas que, quando se sentem desconfortáveis, solitárias ou com medo, usam chupetas digitais para se acalmar. E isso vai atrofiando nossa habilidade de lidar com as coisas”.

Juro, você sai do filme assustado. Jeff Seibert, ex-executivo do Twitter que também participa do documentário, ressalta: “O que eu quero que as pessoas saibam é que tudo o que estão fazendo online está sendo observado, está sendo monitorado, está sendo medido. Cada ação que você realiza é cuidadosamente monitorada e registrada. Exatamente quais imagens você para e olha, por quanto tempo você olha para elas - ah, sim, sério, por quanto tempo você olha para elas”.

Essa enorme quantidade de dados mensurados freneticamente pelas ferramentas do Twitter, Instagram, Facebook e outras redes escolhem desde o que aparece no seu feed - de forma a prender sua atenção – até quando e o que será ofertado para você comprar. Mesmo quando os aplicativos estão fechados, eles te enviam notificações para estimulá-los a abri-los. É tudo um jogo para chamar a sua atenção e, preciso te dizer, estamos perdendo esse jogo.

As redes sociais talvez sejam uma das maiores provas da eficiência do uso da inteligência artificial. Digo isso, pois a inteligência artificial das redes potencializa a personalização, que é extremamente lucrativa, já que te faz acreditar que o mundo te oferece exatamente o que você acha que precisa. Você passa a viver numa bolha artificial, onde todos tem opiniões parecidas com as suas. E o ser humano gosta de ser aceito dentro de grupos.

Síndrome de Solomon

Em 1951, o psicólogo americano Solomon Asch fez um experimento com 123 alunos. Na prova, o psicólogo mostrou três linhas diferentes entre si e depois adicionava uma quarta linha ao lado delas. Ele separava os alunos em grupos de 8 voluntários, que precisavam dizer quais linhas eram iguais à última desenhada.

O detalhe era que Solomon havia combinado com os 7 alunos que responderiam primeiro para que indicassem propositadamente a resposta errada, induzindo assim, a última vítima ao erro. Ao final do teste, 75% das cobaias responderam incorretamente, somente para não ir contra a resposta da maioria. A síndrome de Solomon apenas sobressalta o nosso lado obscuro.

Ela revela nossa falta de autoestima e de confiança em nós mesmos, ao pensarmos que nosso valor depende de como os outros avaliam a gente. Qualquer semelhança com o botão de like não é mera coincidência.

Um dos maiores temores do ser humano é se diferenciar do resto e não ser aceito no grupo e “O Dilema das Redes” nos sacode fortemente para nos relembrarmos deste fato. Por isso, cada vez que você abrir sua rede social, cada vez que você der um likescroll ou compartilhar algum post, pergunte-se: por que estou fazendo isso e quem realmente vai ganhar algo com este ato?

Mas, claro, isso tudo depois de você repostar a minha coluna, deixar o seu comentário e me dar o seu like.