Taxação de dividendos: ônus sem bônus
Em proposta para a reforma tributária, surge uma nova alíquota que pode chegar a 20% sobre os dividendos recebidos pelos acionistas
Da Redação
Publicado em 20 de agosto de 2021 às 12h30.
Por Frank Geyer Abubakir*
Quem quer pagar imposto mais alto? Num primeiro momento, ninguém, obviamente. Mas alguns de nós – eu, inclusive - poderíamos encampar o esforço, desde que as diretrizes fossem mais transparentes e coerentes. Vamos falar claro sobre tributação de dividendos.
Em proposta para a reforma tributária, surge uma nova alíquota que pode chegar a 20% sobre os dividendos recebidos pelos acionistas. Transmite-se a ideia – falsa - de que não há, hoje em dia, tributação desse dinheiro. Dividendos nada mais são do que a parte do lucro líquido apurado pela pessoa jurídica, dividida entre os acionistas. Esses lucros podem ser tributados quando apurados (pela empresa), quando distribuídos (aos sócios) ou em ambos os casos.
O Brasil optou por tributar os lucros apurados: desde 1995, taxam-se 34% já no lucro líquido. Conta simples. São 25% de imposto de renda e 9% de CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, debitados diretamente da empresa para que o Estado tenha certeza de que serão pagos.
Vejamos: os tais 34% incidem, no fim das contas, sobre os dividendos, distribuídos ou não. É bom lembrar que uma empresa só distribui dividendos sobre o lucro líquido, fora as reservas que podem ser guardadas e usadas no futuro para a distribuição. Questão de lógica – e, repetindo aqui para não restar dúvidas, dividendos são sempre oriundos do lucro líquido. Portanto, já estão taxados. Antes mesmo de serem distribuídos.
Por isso, tem-se cogitado reduzir o IRPJ em 12,5 pontos na contrapartida da tributação dos dividendos. Na prática, as alíquotas somadas das pessoas física e jurídica sobre o lucro passariam a ser de 41,5%. Isso representa um acréscimo de quase 50% sobre a maior alíquota tabela da pessoa física, que é de 27,5%.
A justificativa, aparentemente, vai pelo estímulo ao investimento; “empresas que investirem mais pagarão menos impostos”. Bem, não sei quantas empresas realmente precisam investir mais. Olhando com distanciamento e objetividade, penso que existem situações diferentes. Um prestador de serviços não deve ter muito o que fazer em Capex, capital expenditure; já uma indústria tem - mas o setor faz isso de qualquer maneira. As expansões acontecem no ritmo da demanda do mercado.
Detalhe: é bom reforçar que essa demanda não acontece há tempos para certas atividades, face à concorrência, por exemplo, de um modelo chinês que não tem as mesmas exigências ambientais e éticas que o nosso - sem falar no câmbio artificialmente baixo que mandou muitos dos nossos empregos para o outro lado do mundo.
Entendo que talvez fosse melhor deixar clara a intenção de onerar aqueles que são os tomadores de risco. Melhor dizendo, sobrecarregar os que aceitaram empregar capital em negócios sujeitos a intempéries e, por competência (ou sorte, para alguns), colheram resultados. Essa fatia abarca, principalmente, aqueles que se tornaram os mais ricos da nossa sociedade e, não por acaso, movimentam a economia e geram oportunidades para terceiros. De volta ao início: sim, creio que muitos de nós poderíamos transferir com serenidade uma fatia maior dos lucros para o Estado, incluindo uma parcela dos dividendos – mas, apenas, se o dinheiro fosse indubitavelmente destinado a garantir uma vida melhor, mais digna, mais justa para todos.
E não se trata apenas de um olhar humanitário. Colocar mais dinheiro na mão das pessoas e dar a elas melhores condições de vida se traduz em retorno certo, na forma de aumento do consumo. Se há um ponto sólido na atual proposta é o de elevar o valor a partir do qual pessoas físicas pagam Imposto de Renda. Essa mudança faria valer em alguma medida a maior taxação para os que vivem de dividendos. Dinheiro na mão das pessoas tem melhor uso do que o recurso entregue ao Estado. O mero conceito “mais dinheiro para o estado” precisa ser debatido. O Estado não pode viver em função de si mesmo.
Advogo, no mesmo diapasão, uma reforma administrativa equilibrada que venha reforçar o papel do Estado naquilo que é sua real função: saúde – incluindo alimentação -, educação, segurança. Assim, os que correm riscos e investem estariam pacificados ao ver o retorno indireto de seus tributos numa uma sociedade mais justa, mais inclusiva e com uma meritocracia que precisa, sim, sempre, ser aperfeiçoada.
É preciso considerar ainda a necessidade de entendimento entre o funcionalismo e o setor privado. Escuto de amigos que trabalham no estado: “Gostaríamos de fazer mais, mas não conseguimos”. Esse discurso provoca uma onda de desgosto, *traz* um aroma forte de injustiça ao entregar mais e mais recursos para que sejam administrados dessa maneira. O funcionalismo que cobra, que verifica, que fiscaliza e que presta serviço ao cidadão – e aplaudo quem tem a verdadeira alma do serviço público – precisa enxergar o setor privado como quem produz e não como adversário ou como quem quer tirar vantagem do sistema. Que maravilha seria um funcionalismo enxuto, competente e bem remunerado, operando com um sistema saudável.
E aí chego a mais um ponto, que seria de imensa ajuda para fazer da reforma um projeto que avança: a simplificação do arcabouço tributário, para reduzir custos. Sim, porque o custo da burocracia, do trabalho para se verificar quanto de imposto tem de ser pago - é muito alto. Uma simplificação traria segurança jurídica e, sim, diminuiria gastos destinados a entender e atravessar o cipoal da burocracia. É uma energia que podia ser canalizada para a produção.
Se o caso é tributar ainda mais os que correm mais riscos (e exatamente por isso ganham mais dinheiro), que se faça de maneira aberta e coerente. E, naturalmente, que venha junto a sua consequente valorização, como personagens da Comédia Humana que contribuem e dão seu retorno.
Existem espaço e oportunidade para isso ser feito, no alinhamento de interesses de todos, sem ingenuidade, moralismo ou ideologia; numa convergência honesta. Só que se precisa sair da retórica e chegar ao real suportável.
Cobrem impostos, nos regulem, nos fiscalizem. Mas que seja num projeto claro, que considere as diferenças e que priorize a justa proporção que cabe a cada um.
Frank Geyer Abubakir é industrial e preside o Conselho da Unipar S.A.
Por Frank Geyer Abubakir*
Quem quer pagar imposto mais alto? Num primeiro momento, ninguém, obviamente. Mas alguns de nós – eu, inclusive - poderíamos encampar o esforço, desde que as diretrizes fossem mais transparentes e coerentes. Vamos falar claro sobre tributação de dividendos.
Em proposta para a reforma tributária, surge uma nova alíquota que pode chegar a 20% sobre os dividendos recebidos pelos acionistas. Transmite-se a ideia – falsa - de que não há, hoje em dia, tributação desse dinheiro. Dividendos nada mais são do que a parte do lucro líquido apurado pela pessoa jurídica, dividida entre os acionistas. Esses lucros podem ser tributados quando apurados (pela empresa), quando distribuídos (aos sócios) ou em ambos os casos.
O Brasil optou por tributar os lucros apurados: desde 1995, taxam-se 34% já no lucro líquido. Conta simples. São 25% de imposto de renda e 9% de CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, debitados diretamente da empresa para que o Estado tenha certeza de que serão pagos.
Vejamos: os tais 34% incidem, no fim das contas, sobre os dividendos, distribuídos ou não. É bom lembrar que uma empresa só distribui dividendos sobre o lucro líquido, fora as reservas que podem ser guardadas e usadas no futuro para a distribuição. Questão de lógica – e, repetindo aqui para não restar dúvidas, dividendos são sempre oriundos do lucro líquido. Portanto, já estão taxados. Antes mesmo de serem distribuídos.
Por isso, tem-se cogitado reduzir o IRPJ em 12,5 pontos na contrapartida da tributação dos dividendos. Na prática, as alíquotas somadas das pessoas física e jurídica sobre o lucro passariam a ser de 41,5%. Isso representa um acréscimo de quase 50% sobre a maior alíquota tabela da pessoa física, que é de 27,5%.
A justificativa, aparentemente, vai pelo estímulo ao investimento; “empresas que investirem mais pagarão menos impostos”. Bem, não sei quantas empresas realmente precisam investir mais. Olhando com distanciamento e objetividade, penso que existem situações diferentes. Um prestador de serviços não deve ter muito o que fazer em Capex, capital expenditure; já uma indústria tem - mas o setor faz isso de qualquer maneira. As expansões acontecem no ritmo da demanda do mercado.
Detalhe: é bom reforçar que essa demanda não acontece há tempos para certas atividades, face à concorrência, por exemplo, de um modelo chinês que não tem as mesmas exigências ambientais e éticas que o nosso - sem falar no câmbio artificialmente baixo que mandou muitos dos nossos empregos para o outro lado do mundo.
Entendo que talvez fosse melhor deixar clara a intenção de onerar aqueles que são os tomadores de risco. Melhor dizendo, sobrecarregar os que aceitaram empregar capital em negócios sujeitos a intempéries e, por competência (ou sorte, para alguns), colheram resultados. Essa fatia abarca, principalmente, aqueles que se tornaram os mais ricos da nossa sociedade e, não por acaso, movimentam a economia e geram oportunidades para terceiros. De volta ao início: sim, creio que muitos de nós poderíamos transferir com serenidade uma fatia maior dos lucros para o Estado, incluindo uma parcela dos dividendos – mas, apenas, se o dinheiro fosse indubitavelmente destinado a garantir uma vida melhor, mais digna, mais justa para todos.
E não se trata apenas de um olhar humanitário. Colocar mais dinheiro na mão das pessoas e dar a elas melhores condições de vida se traduz em retorno certo, na forma de aumento do consumo. Se há um ponto sólido na atual proposta é o de elevar o valor a partir do qual pessoas físicas pagam Imposto de Renda. Essa mudança faria valer em alguma medida a maior taxação para os que vivem de dividendos. Dinheiro na mão das pessoas tem melhor uso do que o recurso entregue ao Estado. O mero conceito “mais dinheiro para o estado” precisa ser debatido. O Estado não pode viver em função de si mesmo.
Advogo, no mesmo diapasão, uma reforma administrativa equilibrada que venha reforçar o papel do Estado naquilo que é sua real função: saúde – incluindo alimentação -, educação, segurança. Assim, os que correm riscos e investem estariam pacificados ao ver o retorno indireto de seus tributos numa uma sociedade mais justa, mais inclusiva e com uma meritocracia que precisa, sim, sempre, ser aperfeiçoada.
É preciso considerar ainda a necessidade de entendimento entre o funcionalismo e o setor privado. Escuto de amigos que trabalham no estado: “Gostaríamos de fazer mais, mas não conseguimos”. Esse discurso provoca uma onda de desgosto, *traz* um aroma forte de injustiça ao entregar mais e mais recursos para que sejam administrados dessa maneira. O funcionalismo que cobra, que verifica, que fiscaliza e que presta serviço ao cidadão – e aplaudo quem tem a verdadeira alma do serviço público – precisa enxergar o setor privado como quem produz e não como adversário ou como quem quer tirar vantagem do sistema. Que maravilha seria um funcionalismo enxuto, competente e bem remunerado, operando com um sistema saudável.
E aí chego a mais um ponto, que seria de imensa ajuda para fazer da reforma um projeto que avança: a simplificação do arcabouço tributário, para reduzir custos. Sim, porque o custo da burocracia, do trabalho para se verificar quanto de imposto tem de ser pago - é muito alto. Uma simplificação traria segurança jurídica e, sim, diminuiria gastos destinados a entender e atravessar o cipoal da burocracia. É uma energia que podia ser canalizada para a produção.
Se o caso é tributar ainda mais os que correm mais riscos (e exatamente por isso ganham mais dinheiro), que se faça de maneira aberta e coerente. E, naturalmente, que venha junto a sua consequente valorização, como personagens da Comédia Humana que contribuem e dão seu retorno.
Existem espaço e oportunidade para isso ser feito, no alinhamento de interesses de todos, sem ingenuidade, moralismo ou ideologia; numa convergência honesta. Só que se precisa sair da retórica e chegar ao real suportável.
Cobrem impostos, nos regulem, nos fiscalizem. Mas que seja num projeto claro, que considere as diferenças e que priorize a justa proporção que cabe a cada um.
Frank Geyer Abubakir é industrial e preside o Conselho da Unipar S.A.