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De pessoas para pessoas: um olhar para o cuidado

Muitos depoimentos sobre uma crise de Burnout, de ansiedade, ataque de pânico ou pico de estresse descrevem a sensação de falta de ar e sufocamento

 (FG Trade/Getty Images)
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Francine Lemos

Publicado em 25 de fevereiro de 2022 às, 18h56.

Por: Francine Lemos

Com a pandemia, vimos o número de casos de Burnout crescer nos ambientes de trabalho. Infelizmente entre 2020 e 2021 cerca de 47,3% dos profissionais no Brasil chegaram ao esgotamento profissional e pessoal, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz. Se em alguns momentos a doença foi vista com certo desdém, hoje não pode ser ignorada e empresas que não estão preparadas para lidar com esse tipo de situação, só têm a perder. No começo desse ano, a Síndrome de Burnout passou a ser reconhecida como  Doença Ocupacional pela OMS, o que faz com que as empresas sejam co-responsáveis pelo adoecimento do seu quadro de pessoas. Estresse constante, fadiga emocional, sentimentos negativos em relação ao trabalho, queda no desempenho e perda de interesse por sua função e pelas outras pessoas são algumas das consequências.

Muitos depoimentos sobre uma crise de Burnout, de ansiedade, ataque de pânico ou pico de estresse descrevem a sensação de falta de ar e sufocamento. Algumas pessoas também sentem que o trabalho é vazio de sentido e com pouca utilidade para o mundo; outras ficam estressadas pela carga de trabalho. E assim, muitas adoecem. Em resposta às consequências de ritmos acelerados de trabalho que muitas vezes não condizem com a natureza humana, vem o esgotamento mental e emocional de colaboradores e colaboradoras. E precisamos cuidar disso. Afinal, pessoas adoecidas não transformam o mundo.

Uma empresa é feita, antes de tudo, por indivíduos. Na relação trabalhista, profissionais estão, de certa forma, alugando o seu tempo de vida para a empresa na qual trabalham, dedicando esforços para que a organização se desenvolva e alcance seus objetivos. As empresas do século 21, por sua vez, não podem mais se prender ao fato de que cumprem seu papel social simplesmente porque geram empregos, pagam impostos e não fazem nada fora da lei. É urgente refletir sobre as consequências que seu modo de operar e sua cultura organizacional geram para a saúde de stakeholders, especialmente colaboradores, e do planeta.

Com um cenário de explosão de casos de Burnout, nos questionamos como o tema vem sendo conduzido dentro das empresas e, mais do que isso, como as lideranças estão cuidando das pessoas e sendo cuidadas internamente? Para superar desafios como o adoecimento da equipe em ambientes de trabalho tóxicos - ainda que exista resistência em reconhecer isso -, é preciso um novo olhar para a cultura organizacional. O combate ao Burnout deve passar por transformar o ambiente em um espaço em que as pessoas sintam que o humano é valorizado.

Para isso é importante rever coletivamente quais hábitos da empresa reforçam uma cultura nociva para o bem-estar dos seus colaboradores e substituí-los por rituais que melhorem o clima organizacional agregando valores como colaboração, confiança, cuidado, integração, reconhecimento e, principalmente, respeito ao tempo do outro. Outro caminho é rever os arranjos de trabalho a fim de reduzir a carga de estresse. O mais importante é que haja incentivo às pausas que nos devolvem o direito de respirar e são fundamentais para uma relação mais saudável com o trabalho. É claro que diante disso tudo, discurso e prática precisam ser coerentes.

Recentemente, o estudo feito pelo pesquisador Van Dick, da Goethe University na Alemanha, trouxe referências de estilo de liderança que podem contribuir para a adaptação de ambientes de trabalho que reduzem o risco de Burnout. As entrevistas do estudo foram feitas com pessoas de 28 países, incluindo o Brasil, e ajudaram o pesquisador a concluir que lideranças que se colocam como parte do time e atuam defendendo o interesse da equipe fazem a diferença. Além disso, o senso de pertencimento a um coletivo é favorável para a saúde e bem-estar dos colaboradores. Por isso, acredito que deve haver um movimento para transformar as lideranças e a cultura dentro das corporações.

O papel das lideranças é fundamental. Na crise de 2008, as Empresas B passaram de forma muito mais resiliente porque estavam preparadas para lidar com uma sociedade que requer a colaboração e regeneração. Acredito que a pandemia acelerou a mudança de valores pelos quais a sociedade já vinha passando  e que as empresas capazes de enfrentar os desafios do novo são aquelas que já cultivam a semente da nova economia e, novamente, vão mostrar sua resiliência. Para receber a certificação como Empresa B, as empresas passam por um processo de avaliação que é também de formação, de reflexão, e pensar na geração de valor para a sua equipe é um passo fundamental nesse caminho.

Em um cenário de empresas realizando a transição para a nova economia, a cultura organizacional precisa promover harmonia e sintonia entre os colaboradores, bem como a escuta ativa para a individualidade de cada ser humano. É esse olhar mais sensível que vai favorecer o senso de pertencimento. Enquanto lideranças corporativas não abrirem os olhos para o fato de que cultura inclusiva e humana aliada a propósito e impacto positivo importa tanto quanto o lucro, as pessoas, assim como o planeta, vão chegar ao esgotamento.

O modo de produção que mantemos hoje é insustentável para a natureza e para nós, pessoas, que fazemos parte dela. É impossível olhar para o planeta e para o seu futuro se não olharmos antes para nós mesmos e para o outro. O caminho é buscar fortalecer as pessoas para colocar em prática a real mudança para um modelo econômico possível, justo e saudável.