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Capitalismo de stakeholders e o Movimento B

Estamos chegando à era do “capitalismo de stakeholders”, em que o sucesso da empresa é medido pela sua contribuição no desenvolvimento de toda a sociedade

 (Luis Alvarez/Getty Images)
(Luis Alvarez/Getty Images)
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Francine Lemos

Publicado em 27 de janeiro de 2022 às, 18h51.

Por Francine Lemos

O aumento dos fundos de investimento e outras aplicações financeiras ESG – que, além de focar na rentabilidade, observam também a governança das empresas em três áreas: ambiental, social e corporativa – vem demonstrando nos últimos anos a crescente preocupação do mercado e dos investidores em relação à sustentabilidade e aos objetivos de longo prazo. Estamos chegando à era do “capitalismo de stakeholders”, em que o sucesso da empresa é medido pela sua contribuição no desenvolvimento de toda a sociedade. Mas, antes de comemorarmos, ainda temos muito trabalho pela frente.

De olho no futuro, gestores têm buscado oferecer fundos de investimentos para os clientes que querem rentabilidade e, ao mesmo tempo, um mundo melhor. Segundo balanço divulgado recentemente pela Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, jovens entre 25 e 39 anos representam 50% dos novos entrantes no mercado de ações e é esse público – a Geração Z, que vem em um contexto de uma preocupação genuína com a agenda socioambiental – que irá ditar as regras do mercado daqui em diante.

Em contrapartida, embora a agenda ESG venha sendo amplamente divulgada na mídia, o investidor que tem dinheiro em mãos atualmente, vem de uma geração anterior que não nasceu com essa preocupação e ainda não olha para essa agenda. Só que essa mudança de olhar se faz cada vez mais urgente, a crise climática que estamos vivenciando está aí para comprovar que não podemos esperar pela Geração Z. Nem as empresas, que estão cada vez mais sendo cobradas por isso, tanto pelos consumidores quanto pelos investidores, sob o risco da não sobrevivência de seus negócios, nem o planeta e nem nós – que também estamos em busca da nossa sobrevivência.

Segundo o último Fórum Econômico Mundial, realizado em 2020 em Davos, na Suíça, as corporações capazes de alinhar os seus objetivos com os objetivos de uma sociedade, como aqueles articulados nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, são as mais preparadas para criar valor a longo prazo. No “capitalismo de stakeholders”, as empresas produzem resultados positivos para os negócios, para a economia, para a sociedade e para o planeta.

Mas, como fazer a transição do capitalismo de acionistas, que se limita à geração de lucros a qualquer custo, para um modelo que valoriza as outras partes interessadas – funcionários, comunidades locais, fornecedores, parceiros da cadeia produtiva e meio ambiente – e que seja capaz de considerá-los na tomada de decisão? E, uma vez instituídas as boas práticas ESG, como comprová-las para o mercado? Esse é um desafio significativo de gestão para as empresas

O “capitalismo de stakeholders” é um conceito relativamente novo que, na prática, esbarra em avaliar se uma companhia realmente possui boas práticas. Afinal, quem define se um negócio incorpora ou não princípios ESG? Embora, oficialmente, não haja uma entidade que ateste isso – e a falta de padronização dos dados seja considerada um obstáculo tanto para quem analisa quanto para quem provê as informações –, existem algumas formas de verificar as práticas. Algumas grandes empresas de investimento desenvolveram as suas próprias réguas e metodologias, e também é possível consultar sites de avaliação (rating), índices de bolsa e certificações.

Para aferir a sustentabilidade de uma empresa e seu compromisso com um capitalismo de stakeholders, o Fórum Econômico Mundial sugere que devem ser observadas métricas que se dividem em quatro pilares: princípios de governança (critérios como a ética empresarial, o combate à corrupção e a práticas desleais), pessoas (como a empresa cuida de seus empregados diversidade, as oportunidades de ascensão, as diferenças salariais etc.), planeta (analisa fatores como políticas de gestão de resíduos, fontes energéticas e consumo de água) e prosperidade (como a companhia afeta o bem-estar da sociedade, crescimento no número de colaboradores, entre outros indicadores). Esses princípios também são observados na Certificação de Empresas B, pelo B Lab.

Não por acaso, o Movimento B – comunidade global criada em 2006, nos Estados Unidos, com o objetivo de redefinir o sucesso na economia para que sejam considerados não apenas o êxito financeiro, como também o bem-estar da sociedade e do planeta – vem conectando e incentivando líderes a usarem os seus negócios para a construção de um sistema econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo para as pessoas e para o planeta. Isso vem estabelecido no contrato social das Empresas B ao se certificarem. Para certifica-se, é necessário a inclusão das cláusulas B, que determinam que a atividade social desenvolvida por aquele negócio irá considerar os efeitos econômicos, sociais, ambientais e jurídicos de curto e longo prazo em relação a empregados ativos, fornecedores, consumidores, demais credores da sociedade, como também em relação à comunidade em que ela atua local e globalmente. A outra cláusula vincula a tomada de decisão da administração à consideração dos stakeholders indicados objeto social.

As empresas que fazem parte do Movimento B – de diversos setores, desde a indústria ao setor de moda e cosméticos – acreditam na necessidade de uma ação coletiva para avançarmos nos temas ESG e superar obstáculos em comum, colocando o impacto positivo no centro da estratégia de seus negócios e garantindo a sustentabilidade desses processos no dia a dia. É importante ressaltar que não é necessário ser uma Empresa B Certificada para compartilhar dos valores do Movimento B. Qualquer empresa, de qualquer tamanho, pode começar a medir o seu impacto e, para isso, o Sistema B disponibiliza o BIA (B Impact Assessment): uma ferramenta gratuita e confidencial que permite você medir o impacto socioambiental da sua empresa.

Embora, no Brasil, o próprio Sistema B, assim como outras organizações da sociedade civil, venha mobilizando pessoas e empresas para criar esse novo ambiente empresarial, essa nova economia, também precisamos nos preocupar com o fato de que o mundo político – parte essencial desse movimento, responsável por normalizar e garantir que as regras sejam cumpridas – ainda não tenha embarcado na onda ESG, quando deveríamos estar liderando essa transformação mundialmente. Precisamos todos nos responsabilizarmos agora em nossos papéis agora, não há mais tempo para deixarmos que apenas as próximas gerações se preocupem em deixar um impacto positivo no mundo.

*Francine Lemos é diretora-executiva do Sistema B Brasil.