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A postura antirracista nas empresas brasileiras: agir é preciso

Discussão sobre racismo não pode mais ficar restrita ao espaço dos negros: os brancos precisam fazer parte desse debate

(Klaus Vedfelt/Getty Images)
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isabelarovaroto

Publicado em 25 de novembro de 2020 às 12h58.

Última atualização em 25 de novembro de 2020 às 17h48.

2020 veio para nos mostrar que o racismo continua sendo uma pauta de extrema urgência, a ser debatida e endereçada em todos os âmbitos de nossa sociedade. Essa conversa não pode mais ficar restrita ao espaço dos negros: os brancos precisam fazer parte desse debate, oferecendo escuta, apoio e ação. Mais do que uma causa dos negros, eliminar o racismo deve ser também uma luta dos brancos, principalmente, nas empresas. É preciso que esse discurso saia das páginas dos relatórios de sustentabilidade e de notas de repúdio e se transforme em ações incisivas.

O recente caso do Carrefour de Porto Alegre, em que a agressão por seguranças terceirizados resultou na morte de João Alberto Silveira Freitas, é mais uma prova disso. Apesar de manterem uma agenda robusta de iniciativas pela diversidade racial e demais temas relacionados à pauta ESG, frequentemente a empresa se vê envolvida em episódios em que as vítimas são sempre pessoas negras. Segundo um comunicado da empresa, 57% dos seus colaboradores são pessoas negras e mais de um terço dos gestores se autodeclaram pretos ou pardos. Se clientes negros continuam sendo agredidos e até mesmo assassinados por causa da cor de sua pele, isso não basta. Assim como muitas empresas que investem hoje em pautas raciais por pressão do mercado, a rede de supermercado precisa de mais ações concretas para o fortalecimento de sua cultura de diversidade, além de trabalhar para que João Alberto tenha sido a última pessoa morta em uma de suas lojas. É preciso que as palavras saiam dos manuais e fiquem mais claras nas atitudes da empresa e de seus fornecedores diretos.

Naturalmente, uma liderança mais plural estaria mais atenta para questões de racismo estrutural, como essa. Segundo pesquisa do Instituto Ethos de 2019, só 0,4% dos cargos de liderança em empresas brasileiras são ocupados por negros. Esse cenário é fruto de um abismo histórico e de problemas estruturais que são perpetuados desde a época do Brasil Colônia. É impossível pensarmos em um futuro diferente se não tivermos lideranças mais representativas, que inspirem seus pares e interlocutores a copiarem movimentos e posturas.

Como uma resposta a uma situação que ficou insustentável, o Sistema B e o Instituto Identidades do Brasil, com apoio do Instituto Capitalismo Consciente, lançaram em 2020 o Manifesto Seja Antirracista. As mais de 42 mil assinaturas coletadas entre junho e novembro são um sinal do comprometimento de pessoas e empresas para se educarem sobre a temática racial, apoiarem pessoas negras, denunciarem o racismo e colaborarem para novas narrativas que a associação da trajetória de negros única e exclusivamente a casos de racismo.

Mais empresas precisam adotar o selo e se comprometer com as práticas estabelecidas por ele para que tenhamos realmente uma mudança efetiva em nossa sociedade.

O investimento em uma boa governança - com processos claros de compliance e auditorias regulares que abarque colaboradores e inclua uma gestão mais forte de fornecedores, poderia ter evitado um trágico episódio como o do Carrefour se repitam. Os gestores devem buscar impacto positivo, entendendo a responsabilidade de todos em todas as tomadas de decisões, além de uma transparência ainda maior na prestação de contas, dando pesos iguais para o lucro e para o impacto social, num processo verdadeiramente disruptivo.

Onde estão os riscos e como mitigar? Um dos exemplos de dar o mesmo peso para lucro e impacto social seria rever a contratação de uma empresa terceirizada para o serviço de segurança. Esse é, sem dúvida alguma, um caminho para a economia e um lucro maior. Mas isso também impede o controle da gestão desses profissionais, não garante que os contratados para esse serviço estejam em linha com a cultura da empresa e acaba por colocar em risco o direito de clientes, ou até mesmo sua segurança física.

Se a opção por serviço terceirizado continuar, como adotar soluções que abracem também os seus terceirizados dentro da cultura da empresa? Esses precisam estar inseridos dentro dessas diretrizes e a liderança da empresa precisa estar atenta a isso para eliminar ao máximo os desvios de conduta. Não dá mais para olhar somente da porta para dentro e colocar a sua imagem na mão de alguém que não está comprometido com a sua marca e seu legado.

Falar sobre racismo na empresa e combatê-lo deve ser um exercício contínuo. Essa pauta não pode aparecer somente quando temos uma tragédia. Esse pensamento precisa estar na cabeça dos gestores todos os dias e ações preventivas precisam entrar na agenda diária de tomada de decisões. É preciso ver que a economia de hoje pode ser o prejuízo irreversível de amanhã.

Um novo modelo de capitalismo é uma realidade, quer as empresas gostem, ou não. A reação de clientes do Carrefour depredando lojas do grupo mostra que os consumidores estão, sim, exigindo mudanças e punindo as empresas que se negam a enxergá-las. Está na hora de fomentar um terreno onde a igualdade seja realmente possível. Se não por propósito, por lucro e por uma sociedade mais igual e justa!

 

* Márcia Silveira, Diretora de Comunicação do Sistema B Brasil e liderança negra da organização

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2020 veio para nos mostrar que o racismo continua sendo uma pauta de extrema urgência, a ser debatida e endereçada em todos os âmbitos de nossa sociedade. Essa conversa não pode mais ficar restrita ao espaço dos negros: os brancos precisam fazer parte desse debate, oferecendo escuta, apoio e ação. Mais do que uma causa dos negros, eliminar o racismo deve ser também uma luta dos brancos, principalmente, nas empresas. É preciso que esse discurso saia das páginas dos relatórios de sustentabilidade e de notas de repúdio e se transforme em ações incisivas.

O recente caso do Carrefour de Porto Alegre, em que a agressão por seguranças terceirizados resultou na morte de João Alberto Silveira Freitas, é mais uma prova disso. Apesar de manterem uma agenda robusta de iniciativas pela diversidade racial e demais temas relacionados à pauta ESG, frequentemente a empresa se vê envolvida em episódios em que as vítimas são sempre pessoas negras. Segundo um comunicado da empresa, 57% dos seus colaboradores são pessoas negras e mais de um terço dos gestores se autodeclaram pretos ou pardos. Se clientes negros continuam sendo agredidos e até mesmo assassinados por causa da cor de sua pele, isso não basta. Assim como muitas empresas que investem hoje em pautas raciais por pressão do mercado, a rede de supermercado precisa de mais ações concretas para o fortalecimento de sua cultura de diversidade, além de trabalhar para que João Alberto tenha sido a última pessoa morta em uma de suas lojas. É preciso que as palavras saiam dos manuais e fiquem mais claras nas atitudes da empresa e de seus fornecedores diretos.

Naturalmente, uma liderança mais plural estaria mais atenta para questões de racismo estrutural, como essa. Segundo pesquisa do Instituto Ethos de 2019, só 0,4% dos cargos de liderança em empresas brasileiras são ocupados por negros. Esse cenário é fruto de um abismo histórico e de problemas estruturais que são perpetuados desde a época do Brasil Colônia. É impossível pensarmos em um futuro diferente se não tivermos lideranças mais representativas, que inspirem seus pares e interlocutores a copiarem movimentos e posturas.

Como uma resposta a uma situação que ficou insustentável, o Sistema B e o Instituto Identidades do Brasil, com apoio do Instituto Capitalismo Consciente, lançaram em 2020 o Manifesto Seja Antirracista. As mais de 42 mil assinaturas coletadas entre junho e novembro são um sinal do comprometimento de pessoas e empresas para se educarem sobre a temática racial, apoiarem pessoas negras, denunciarem o racismo e colaborarem para novas narrativas que a associação da trajetória de negros única e exclusivamente a casos de racismo.

Mais empresas precisam adotar o selo e se comprometer com as práticas estabelecidas por ele para que tenhamos realmente uma mudança efetiva em nossa sociedade.

O investimento em uma boa governança - com processos claros de compliance e auditorias regulares que abarque colaboradores e inclua uma gestão mais forte de fornecedores, poderia ter evitado um trágico episódio como o do Carrefour se repitam. Os gestores devem buscar impacto positivo, entendendo a responsabilidade de todos em todas as tomadas de decisões, além de uma transparência ainda maior na prestação de contas, dando pesos iguais para o lucro e para o impacto social, num processo verdadeiramente disruptivo.

Onde estão os riscos e como mitigar? Um dos exemplos de dar o mesmo peso para lucro e impacto social seria rever a contratação de uma empresa terceirizada para o serviço de segurança. Esse é, sem dúvida alguma, um caminho para a economia e um lucro maior. Mas isso também impede o controle da gestão desses profissionais, não garante que os contratados para esse serviço estejam em linha com a cultura da empresa e acaba por colocar em risco o direito de clientes, ou até mesmo sua segurança física.

Se a opção por serviço terceirizado continuar, como adotar soluções que abracem também os seus terceirizados dentro da cultura da empresa? Esses precisam estar inseridos dentro dessas diretrizes e a liderança da empresa precisa estar atenta a isso para eliminar ao máximo os desvios de conduta. Não dá mais para olhar somente da porta para dentro e colocar a sua imagem na mão de alguém que não está comprometido com a sua marca e seu legado.

Falar sobre racismo na empresa e combatê-lo deve ser um exercício contínuo. Essa pauta não pode aparecer somente quando temos uma tragédia. Esse pensamento precisa estar na cabeça dos gestores todos os dias e ações preventivas precisam entrar na agenda diária de tomada de decisões. É preciso ver que a economia de hoje pode ser o prejuízo irreversível de amanhã.

Um novo modelo de capitalismo é uma realidade, quer as empresas gostem, ou não. A reação de clientes do Carrefour depredando lojas do grupo mostra que os consumidores estão, sim, exigindo mudanças e punindo as empresas que se negam a enxergá-las. Está na hora de fomentar um terreno onde a igualdade seja realmente possível. Se não por propósito, por lucro e por uma sociedade mais igual e justa!

 

* Márcia Silveira, Diretora de Comunicação do Sistema B Brasil e liderança negra da organização

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