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Vai empreender uma 2ª vez? Não esqueça de pensar na cultura da empresa

Como empreendedores, focamos muito no que a empresa "faz" e não em "como faz", o que pode afetar o negócio no médio e longo prazo

 (Luis Alvarez/Getty Images)
(Luis Alvarez/Getty Images)
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Florian Hagenbuch

Publicado em 3 de dezembro de 2021 às, 16h24.

Por Florian Hagenbuch

Quem acompanha o ecossistema brasileiro de startups já está se habituando a ler notícias sobre mega rodadas de captação, novos unicórnios e recordes históricos de investimento no país. Somente nos nove primeiros meses deste ano, empresas fundadas em território nacional receberam mais de R$ 30 bilhões de fundos de Venture Capital, um montante três vezes maior do que o arrecadado no mesmo período de 2020.

O acelerado processo de digitalização e inovação em curso por aqui, e que foi impulsionado nos últimos meses pela pandemia de Covid-19, ajudou a colocar o Brasil no mapa dos grandes investidores, mas não foi o único responsável pelo desenvolvimento do nosso ecossistema e consequente aumento no tamanho das rodadas. Muitos dos negócios que surgiram nos últimos anos ou estão em estágios iniciais por aqui foram fundados por empreendedores de segunda viagem - aqueles que já criaram uma empresa de sucesso e decidem embarcar em uma nova jornada empreendedora -, o que também contribuiu para o momento promissor que vivemos.

Os "Second Timers", como são chamadas essas pessoas em inglês, costumam escalar seus negócios mais rapidamente. Suas novas empreitadas já nascem melhor estruturadas e com um potencial maior para atrair talentos e investidores. Faz sentido o mercado querer apostar em quem já mostrou que é capaz de criar uma empresa de sucesso. O resultado? Um aumento na competição do lado dos investidores e mais capital fluindo.

É para esse grupo em especial que escrevo hoje: o de empreendedores que pensam em recomeçar ou já estão iniciando um novo projeto. Quero chamar a atenção para um aspecto que eu mesmo demorei a amadurecer em minha primeira experiência, mas que é fundamental em meu ciclo atual: a importância de pensar na cultura da empresa desde o início.

Quem já me acompanha por aqui ou nas redes sociais sabe que a Loft é minha segunda jornada empreendedora. Antes de fundar um startup que facilita a compra e a venda de apartamentos, em 2018, eu e meu sócio Mate Pencz fundamos a Printi, uma gráfica online que neste ano comemora seu nono aniversário. Com certeza acumulei muitos aprendizados nos anos em que estive a frente da Printi, mas um dos mais importantes, sem dúvida, é o valor da cultura e o quanto isso é parte do que a empresa é e sua entrega para a sociedade.

Gosto especialmente da forma como Ben Horowitz, empreendedor veterano e autor do livro "Você é o que você faz", olha para o tema cultura. Para ele, cultura não é sobre uma série de crenças, mas sobre uma série de ações. Na prática, cultura é aquilo que fazem quando não tem ninguém olhando. Exemplo: você retorna a ligação do cliente hoje, amanhã ou nunca? Valores e cultura, para uma empresa, são como um norte para a tomada de decisões. E é por isso que é tão importante não deixar esse aspecto nas mãos do acaso.

Como empreendedores, costumamos focar muito no que a empresa "faz" e não em "como faz". Mas empresas nada mais são do que grupos de indivíduos que se unem para atingir um objetivo em comum. Por isso, os valores e as pessoas que trazemos para esse jogo importam e têm poder para influenciar nos resultados. Cuidar do time, cuidar dos clientes e compartilhar objetivos são atitudes e valores que se plantam ainda no início do caminho e que precisam ser cultivados para que o negócio continue existinto em 90, 100 anos.

Cultura pode até não parecer um aspecto importante para o negócio quando a empresa tem apenas dois ou três funcionários, todos alinhados sobre seus objetivos e a maneira como cada passo deverá ser dado, mas torna-se indispensável a medida que o time cresce. E em uma startup, é muito comum que os times dobrem de tamanho em poucas semanas ou meses. Rapidamente há pessoas contratadas por chefes diretos e que já não interagem regularmente com os fundadores. Caso a cultura não seja implementada intencionalmente, corre-se o risco de que uma "cultura paralela" se sobreponha à imaginada pelos criadores.

Por isso, no momento em que a sua ideia se transforma em negócio, pensar em como você gostaria que os funcionários fossem tradados e os clientes atendidos é fundamental para produzir o ambiente e os resultados que imaginou. Isso lhe dará uma base sobre a qual crescer. Pensar sobre os valores esperados das pessoas que farão parte da sua empresa é importante, ainda, por que facilita o trabalho de recrutamento e ajuda a reter talentos.

Um levantamento do Glassdoor mostrou que quatro em cada cinco candidatos já consideram a missão e a cultura da empresa antes de aplicar para uma vaga. A entrada das novas gerações no mercado de trabalho tem colocado ainda mais luz sobre o tema e, segundo o mesmo estudo, 65% dos profissionais com menos de 35 anos estão propensos a considerar a cultura um item mais importante do que o salário oferecido pela empresa.

Vale a pena investir tempo e foco na criação dos valores e da cultura. Se preciso, conte com a ajuda de uma consultoria. Trabalhe para que seus valores sejam claros e verdadeiros, e fuja da tentação de ter uma lista infinita deles. Nenhum colaborador conseguirá lembrar de todos os valores da sua empresa se eles forem 30. Dizem que cinco é o número mágico aqui.

Na Loft, o trabalho de desenhar os valores foi capitaneado por mim e por Pencz em colaboração com um consultor externo de cultura organizacional e 50 dos primeiros lofters, como chamamos nossos colaboradores. Eles foram divulgados oficialmente em janeiro de 2019 e eram cinco: win together (vencer juntos), get it done (faça acontecer), think big move fast (pense grande e se mova rápido), enjoy the ride (desfrute do caminho) e simply delight (simplesmente encante).

Com o passar dos meses ou anos, é possível que você precise rever a cultura da empresa. Usando novamente a Loft como exemplo, em agosto de 2020, percebemos a necessidade de revisitar nossos valores, pois a cultura da empresa já não era mais a mesma do início da companhia e alguns valores não faziam mais sentido. Os novos valores foram divulgados em fevereiro deste ano e, novamente, são cinco (número mágico!): Customer-Driven (Orientado para o Cliente), Proud to Built (Orgulho de construir), Win Together (Vencer juntos), Be adaptable (Seja adaptável) e Be Yourself (Seja você mesmo).

É comum me perguntarem se cultura é um diferencial competitivo. Honestamente? É o que garante que, mesmo com o surgimento de uma concorrente gigante, ninguém queira sair da sua startup. É o que garante que você terá pessoas engajadas e comprometidas ao seu lado.

Acredito que cabe ao CEO determinados papéis fundamentais, como fundraising, estratégia e ser o guardião e disseminador da cultura da empresa. Essa última responsabilidade possibilita ao CEO exercer os valores do negócio e desafiar o time o tempo todo para que esses valores estejam sendo vividos de maneira fiel.