Inteligência artificial: domínio em IA rende até 43% a mais na remuneração anual (Royalty-free/iStock/Getty Images)
Founder da Loft
Publicado em 30 de setembro de 2025 às 20h59.
Nos anos 2010, o mercado de tecnologia viveu a febre dos acquihires, termo em inglês que mistura “acquisition” (aquisição) e “hire” (contratar). Na prática, era quando uma grande empresa comprava uma startup não pelo produto, mas pelo time que havia construído. Agora, essa tendência evoluiu para um novo formato, batizados pelo investidor Kevin Kwok de HALO deals, sigla para Hire And License Out (“contratar e licenciar”).
Nesse modelo, em vez de adquirir toda a empresa, a compradora contrata um time-chave (que muitas vezes inclui os fundadores), obtém uma licença sobre a propriedade intelectual (IP, ou seja, patentes, códigos, algoritmos), e deixa a startup seguir operando com nova liderança.
Parece um Frankenstein jurídico, mas que tem uma função clara: preservar o “contrato social” do setor, ou seja, garantir que investidores e equipe tenham algum retorno quando o ativo mais valioso são as pessoas e não o produto.
Esse formato tem ganhado tração principalmente em inteligência artificial (IA), onde os modelos (capazes de aprender uma tarefa e gerar resultados) envelhecem mais rápido do que os ciclos de captação de investimento. Em outras palavras, a tecnologia muda tão rápido que o que realmente importa é quem consegue transformar pesquisas em produtos.
Quando o Google adquiriu a startup Windsurf, por exemplo, o interesse não estava na receita recorrente anual. O que a empresa realmente queria era o conhecimento prático do time para transformar modelos em produtos usáveis, algo que nem o próprio Google havia conseguido com seus modelos superiores.
HALOs são, ao mesmo tempo, honestos (porque de fato o que se quer é contratar) e esquisitos (porque deixam uma estrutura indefinida). Mas talvez o mais interessante seja o que eles revelam sobre o momento atual: o mercado está cada vez mais precificando pessoas, não empresas.
O investidor John Luttig, em artigo publicado em julho de 2025 (“Hypercapitalism and the AI Talent”), compara os melhores talentos de IA a atletas profissionais ou traders de Wall Street: uma minoria capaz de gerar impacto mil vezes maior que a média.
Não é exagero. Hoje, estima-se que apenas algumas centenas de pessoas no mundo dominem plenamente as habilidades necessárias para explorar o potencial dos modelos mais avançados de IA.
E, assim como no esporte ou em Hollywood, surge o desafio: como contratar e reter essas estrelas?
Spoiler: os contratos tradicionais não dão conta. E, para startups, competir por esse tipo de talento está se tornando cada vez mais difícil. Será que ainda existe propósito que compense a força gravitacional que big techs com caixa para oferecer supersalários têm?
Quando um único pesquisador pode custar o equivalente a toda uma rodada de Série A, primeira grande captação de uma startup, a pesquisa e desenvolvimento em IA se torna proibitiva para a maioria das empresas. Muitas acabam usando os serviços prontos das grandes plataformas, sem desenvolver tecnologia própria.
Kwok afirma, no texto “The HALO Effect”, que estamos vendo o surgimento de um “hipermercado de talentos” que vai reescrever contratos de trabalho, normas de investimento e até o conceito de fundar uma empresa.
Se hoje falamos em HALOs como uma engenharia para contratar fundadores sem destruir a estrutura societária da empresa, o pano de fundo é mais profundo: estamos vivendo uma “desterritorialização” do pacto entre fundadores, funcionários e investidores. Missão, visão e lealdade estão sendo testados pelo capital.
O resultado? Talvez um ecossistema mais honesto sobre o que realmente está em jogo: não são só ideias ou produtos que movem o mercado, mas as poucas centenas de pessoas que sabem executá-los como poucos.
Como no esporte, na música ou nas finanças, o talento de elite sempre vai ser caro, e cada vez mais disputado.