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Defesa e ataque

A pandemia mostrou a Florian Hagenbuch, fundador da Loft, que a crise exige mais do que um bom jogo de cintura dos gestores

 (Ilustração/Getty Images)
(Ilustração/Getty Images)
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Florian Hagenbuch

Publicado em 3 de julho de 2020 às, 12h04.

Sou um grande fã de futebol. Acredito que o esporte nos revele ensinamentos táticos e estratégicos aplicáveis no mundo dos negócios. Não há um grande time com uma ótima defesa e um ataque perna de pau nem há um campeão com um ótimo ataque cuja defesa se mostra uma peneira. Os dois mindsets coexistem, sempre, em uma dança fluida, na qual cada parte ganha mais importância de acordo com o contexto.

Logo, o que faz com que grandes times, grandes técnicos e grandes jogadores se destaquem e conquistem coisas incríveis é justamente a sabedoria de dosar, de distribuir forças e recursos entre o ataque e a defesa de maneira estratégica, dependendo da batalha disputada no momento.

Em tempos de crise, como a que vivemos hoje devido ao coronavírus, essa dança e essa distribuição são tensionadas ao extremo. Logo após a erupção da pandemia, muitos fundadores de empresas de tecnologia, inclusive eu, não tiveram outra opção a não ser adotar rapidamente o esquema tático defensivo.

O foco, naquele momento, estava na sobrevivência e na necessidade de adaptar as providências de segurança das pessoas envolvidas na nossa operação a uma situação inédita. Ao mesmo tempo, precisávamos poupar os recursos da empresa o máximo possível, enquanto se ganhava a visibilidade da extensão dos danos humanitários e econômicos.

Algumas empresas estavam mais ou menos capitalizadas e outras mais ou menos alavancadas operacionalmente, o que fazia com que as decisões refletissem a gravidade da situação de cada uma. O objetivo era claramente não perder. Durante essa experiência percebemos que a duração da predominância desse mindset pode ditar a forma como — e a força com a qual — cada time sairá “do outro lado”. Acredito que o segredo esteja na dosagem e na velocidade da mudança de chave.

Recentemente, em um dos encontros mensais que promovemos em nosso clube do livro na Loft, discutimos Shoe Dog. A obra conta a história da fundação da Nike, uma empresa que é o resultado da sobrevivência a diversas crises. Um de seus princípios originais, publicados em 1977, é “We’re on offense. All the time”. A companhia, que por vezes teve de dar tudo de si apenas para sobreviver, esteve sempre também no ataque.

Em outro desses encontros, lemos a obra-prima de nosso investidor, Ben Horowitz: The Hard Thing about Hard Things. Nela, Horowitz expõe seu framework de “peacetime vs. wartime CEO”. Segundo ele, tempos de paz e tempos de guerra requerem estilos de gestão radicalmente diferentes. Poderia um CEO ter o skill set para ambas as situações e conseguir transitar entre elas? A resposta teórica é sim, apesar de ser bastante difícil na prática.

De acordo com Ben Horowitz, para poder transitar entre os dois estilos, é necessário entender todas as regras para saber quando segui-las e quando quebrá-las. Afinal, para muitas das situações que vivemos (a covid-19, por exemplo) e para muitas empresas de tecnologia, não há precedentes: há, e apenas pode haver, o improviso educado, a ação e a adaptação rápidas.

Acredito que tenhamos sido rápidos em adotar a tática de defesa na Loft no surgimento da crise da covid-19 no início de março. A pandemia me deu, pela primeira vez, a oportunidade na Loft de “jogar na retranca” e, ao mesmo tempo, a chance de entrar no modo wartime CEO. Vivi na pele a analogia do futebol: não existe uma função isolada da outra. Foi preciso mudar de tática constantemente, até no mesmo dia, no auge da tempestade.

Além de aprender sobre uma nova realidade — de extrema incerteza —, era preciso aprender sobre mim mesmo e sobre minha forma de gestão e, mais do que tudo, me adaptar (e readaptar) rapidamente. Ao mesmo tempo que me adaptava e aprendia, eu me surpreendi com a velocidade de adaptação de nosso time. Dois de nossos valores predominaram: “win together” e “get it done”.

Naquele momento, estávamos 80% concentrados na defesa e 20% no ataque, e essa distribuição foi fundamental. Nosso foco era entender as dores de nossos clientes nesta nova realidade. Reorganizamos processos, encontramos oportunidades de redução de custos significativas, dosamos investimentos em nossos diferentes produtos e modelos de negócios, preparamos diversos cenários de previsão de caixa. Enquanto isso, os 20% permitiam que fizéssemos nossa primeira venda 100% online e até lançássemos dois produtos: empréstimo com imóvel em garantia e assessoria imobiliária.

De lá para cá, fui mudando gradualmente o foco, passando em determinado momento para um ­mindset 50% na defesa, 50% no ataque. Mais recentemente, conforme aprendemos e ganhamos mais visibilidade sobre onde estamos pisando, tenho me aproximado do cenário inverso ao do começo: 80% no ataque, 20% na defesa.

Um artigo da gestora NFX que li recentemente — It’s time to start playing offense — define bem esse mind­set. Segundo o autor, ataque é assumir riscos e pensar em como sair mais forte da crise — quais são as jogadas mais arriscadas que podemos tomar, enquanto a opção da retranca pura atrai outros agentes do mercado? Vejo o cenário fluido: a todo momento, somos confrontados com novas informações e novas realidades.

É possível que tenhamos de nos adaptar novamente a uma maior predominância da defesa, assim como é possível que aceleremos o ataque. O resumo que me guia neste momento vem de outro trecho do artigo da NFX: “O mercado de hoje é, simultaneamente, mais perigoso e mais vantajoso do que qualquer outro visto anteriormente”.