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Como o esporte contribui na construção da liderança empresarial

Episódios de fracasso e sucesso em quadras e campos ajudam a moldar trajetórias no mundo dos negócios

 (Klaus Vedfelt/Getty Images)
(Klaus Vedfelt/Getty Images)
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Florian Hagenbuch

Publicado em 7 de abril de 2021 às, 14h14.

Não raras vezes, aprendizados advindos do esporte são usados como matéria prima para moldar o cotidiano de líderes empresariais. Recentemente, Jack Clark, treinador do time de rugby da Universidade da Califórnia, com bagagem de mais de três décadas à frente de times de alta performance, nos trouxe ricas lições sobre liderança, ilustradas por episódios de fracasso e sucesso.

Boas histórias não faltam. Jack Clark tem um dos maiores percentuais de vitórias em toda a história dos esportes, vencendo nada menos do que 90% dos jogos desde que começou como treinador, em 1984.

Enquanto acompanhava o episódio do podcast Invest Like The Best, protagonizado por ele, refleti sobre um punhado de referências, histórias e estudos valiosos para empresas. Decidi compartilhar um pouco desse conteúdo, que espero ser útil.

Let the game begin!

Amar bater bola

“Love of the game é o que faz o sujeito aparecer na quadra num dia de folga”, diz Jack Clark. Há uma diferença entre fazer algo por amar, obter atenção ou por amar o jogo. Isso tem mais a ver com estar onde gostaria de estar e menos a ver com ego ou vaidade. A pessoa fica empolgada com desafios e camadas extras de dificuldade - e não assombrada com a possibilidade de perder atenção ou reconhecimento.

Muitos atletas já trataram disso. Nesse podcast, é citada uma partida de futebol americano em que o time vencedor teria dito: “Dava para saber que íamos ganhar - o outro time não queria estar ali jogando”. Outro exemplo: Novak Djokovic costuma dizer que seu principal diferencial no tênis é amar bater bola. O mesmo vale para uma startup ou uma grande corporação.

Ao decidir que o basquete era a coisa mais importante da sua vida, Kobe Bryant abraçou a empreitada de virar o melhor jogador de basquete do mundo com apenas 13 anos. Isso tem a ver com fazer o que for preciso para chegar lá, com ambição, determinação, disciplina e consistência.

O desafio para técnicos e líderes é identificar motivações com maestria e reunir o melhor time de pessoas que tenham talento e love of the game. Não se trata apenas de ter talento e estar no jogo para ganhar atenção - embora esses não sejam jogadores dispensáveis. É preciso também, garantir que o grupo não seja afetado por elementos que jogam contra o trabalho em equipe, como vaidade e ego. Isso nos leva à segunda questão.

Como você está performando agora?

Nada vem de graça. Se você teve a chance de chegar longe, qualquer que seja o seu objetivo, tem que tomar um banho de humildade para a próxima grande coisa a fazer para se manter no topo.

Lembremos o tenista sérvio Djokovic mais uma vez. Ele decidiu que seria o número 1 do mundo com apenas 7 anos de idade. Aos 20, interrompeu 11 anos consecutivos de revezamento entre Roger Federer e Rafael Nadal no primeiro lugar dos torneios Grand Slam ao vencer o Australian Open em 2008. Assumiu a liderança do ranking mundial em 2011. Sua filosofia? “Para permanecer onde estou, preciso continuar a me dedicar tanto quanto me dediquei antes de me tornar o número 1”. Persistência.

A frase abaixo toca em outro ponto importante abordado por Clark:

“A moeda mais importante em equipes de alto desempenho é como você está performando agora.”

Pesa mais na balança o que você está entregando agora - e não a sua experiência ou seu potencial. Embora o potencial seja uma boa moeda, tem prazo de validade.

Trata-se de uma visão inteligente para a gestão de times. 1. Desarma a equipe de vaidades. 2. Faz com que todos subam a barra de todos a cada novo jogo. 3. Evita distorções na avaliação de integrantes do time.

O objetivo é focar na equipe para extrair o melhor dos indivíduos. É preciso, lembra Jack Clark, perceber que ganhar apenas um jogo é um “objetivo pobre”. Um objetivo de excelência é fazer com que todos os jogadores rendam sua melhor performance, aumentando as chances de vitória a cada partida. Se você consegue metrificar a performance individual, cria uma saudável competição interna.

Numa empresa, talvez seja mais produtivo focar nas pequenas vitórias do que no end goal. Um bom técnico, ressalta Jack Clark, divide igualmente a atenção que dá para o seu time e para os indivíduos. Todos temos responsabilidade de tornar aqueles ao nosso redor melhores. Esse é o time contra o qual você não vai querer jogar.

The disease of me

O técnico de basquete Alain Stein escreveu, em um artigo, que é preciso lutar contra uma mentalidade crescente entre jogadores jovens - “the disease of me” (algo como a “doença do eu”). Neste texto, ressalta, muitos não entendem que o basquete é um jogo coletivo. “Eles jogam pelo nome nas costas da camisa em vez do nome na frente.”

Já faz algum tempo que se popularizou, nas empresas, a ideia de que “2% das pessoas geram 98% de impacto”. Embora esse pensamento se baseie em evidências e pesquisas, seus dias estão contados. As empresas aprenderam que equipes multifuncionais aceleram e melhoram o nível do trabalho.

Cabe lembrar aqui de um estudo feito durante a temporada de basquete de 2017, conduzido por Peter Tollman e um grupo de pesquisadores, com o Golden State Warriors e o Boston Celtics. As duas equipes tinham menos superstars, com salários abaixo da média, mas venceram os campeonatos em suas divisões. O Golden State ainda ganhou o torneio da NBA.

Ao analisar as assistências feitas por ambos os times, Tollman chegou à conclusão de que elas são a personificação do trabalho em equipe - os jogadores perdem a possibilidade de marcar, ao passar a bola para um companheiro com uma chance melhor. Os jogadores do Celtics e do Warriors tinham feito de 15% a 30% mais assistências do que a média da liga.

O remédio para evitar diseases of me é cultivar um ambiente de generosidade. Todos precisam ter em mente os objetivos do grupo e torná-los os seus objetivos. Não enfrentar situações apenas sob sua própria perspectiva, sem considerar o todo.

Tornar-se o melhor no básico

Antes que vocês cheguem a essa conclusão ao fim dessa leitura, estou longe de ser um atleta. Mas tomo a liberdade de citar um exemplo próprio. Meu professor de squash me “obriga” a fazer 15 minutos de trabalho de base sempre - mesmo quando eu acho que não preciso praticar tanto o básico e só quero mesmo é jogar.

Mais uma vez, recorro à lógica de Jack Clark. Um jogador de rugby que faz os fundamentals sempre vai conseguir executá-los muito bem sob pressão. “É um conceito poderoso: você se tornar o melhor naquilo que é básico.”

Deixo um questionamento. Será que estamos apenas esperando que líderes exerçam seu papel ou estamos fazendo o trabalho de base todo dia, antes de cada jogo? Quando falamos sobre prática, evocamos imagens de atletas e artistas - e não de pessoas no escritório.

O risco é chegar à conclusão de que quanto mais trabalharmos, melhores seremos no nosso trabalho. O que não necessariamente é verdade. O trabalho de base é justamente o que se faz antes do jogo.

“Acertar bolas em um balde não é uma prática deliberada e é por isso que a maioria dos jogadores de golfe não melhora”, diz Geoffrey Colvin, editor e colunista da Fortune. “Balançar um taco de golfe 300 vezes para arremessar a bola a menos de 6 metros do pino 80% das vezes, observando os resultados e fazendo ajustes, gastando horas com isso, todos os dias — essa é uma prática deliberada.”

Esse é o tal do love of the game.