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Value ou growth? Dicas de ouro para investir em empresas tech

A migração de valor entre setores traz um desafio para os investidores de ações. Como precificar essas novas empresas?

Painel de cotações da B3 | Foto: Germano Lüders/Exame (Germano Lüders/Exame)
Painel de cotações da B3 | Foto: Germano Lüders/Exame (Germano Lüders/Exame)
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Florian Bartunek

Publicado em 16 de março de 2021 às, 14h31.

Última atualização em 16 de março de 2021 às, 14h33.

Para investidores que “aprenderam” a investir nos anos 90 as atuais ações de empresas consideradas mais tecnológicas e principalmente as recentes ofertas de ações (IPOs) na B3 parecem caríssimas. Nos anos 90 nos acostumamos a focar muito nos números dos balanços e comprar empresas com bons descontos. Dada a imensa volatilidade macroeconômica na época, com inflação e juros altíssimos cheguei a comprar empresas excelentes como Itaú, Ambev e Vale do Rio Doce a 3 vezes os lucros ou a valores de mercado bem abaixo do valor do patrimônio líquido. Pelos critérios de Warren Buffett a margem de segurança era altíssima.

Seth Klarman do fundo Baupost, um dos gurus do Value Investing, chegou a afirmar que nunca compraria uma empresa que negociasse acima de 15x lucro. Já recentemente ele investiu numa empresa de aviões elétricos que quase não gera receita. Provavelmente a empresa mais “cara” nos anos 90 era a Ambev que negociava, em regime, na média a 14x lucro. Já hoje em dia o setor de comércio eletrônico, que está entre os mais caros da bolsa, negocia na média a 100x o lucro deste ano.

Nos anos 90 entre os principais setores da bolsa estavam siderurgia, consumo, bancos, indústrias, telecomunicações e energia elétrica. Boa parte do valor destas empresas estava realmente refletido nos números dos balanços. O valor contábil do ativo permanente era um bom indicador de valor. Nos debruçávamos sobre os balanços e usávamos inclusive referências como valor de reposição dos ativos (máquinas e equipamentos por exemplo) e nossas projeções às vezes não passavam de um ano à frente. Em alguns casos o dividend yield ou retorno anual dos dividendos era de enormes 15% ao ano.

Hoje em dia os setores que despertam mais interesse são e-commerce, fintechs, consumo, healthcare, software, etc... Na verdade há uma migração no mundo inteiro de empresas de “value” para empresas de “growth”, que são companhias de crescimento acima da média. Se olharmos com atenção, os investidores estão focando nestes setores pois os consumidores estão se movendo para os produtos e serviços destas empresas, resultando em uma mudança também na composição do PIB. Isso aconteceu ciclicamente várias vezes na história. Nestes últimos meses de pandemia essas tendências se aceleram ainda mais, com e-commerce e fintechs se beneficiando desproporcionalmente.

Entre as empresas value hoje em dia destacaria exemplos como Vale, Bradesco, CSN. Exemplos de empresas growth seriam Magazine Luiza, Stone e XP.  Essa migração de valor entre setores traz um desafio para os investidores de ações. Como precificar essas novas empresas? O valor de empresas como Google e Facebook, por exemplo, está no efeito rede e na plataforma que construíram, valor que geralmente não está visível nos balanços.

São os famosos intangíveis ou valor da franquia junto aos consumidores. Importante lembrar também que boa parte destas empresas de tecnologia investem praticamente todo o lucro em crescimento, despesas que muitas vezes passam direto pelo demonstrativo de resultados. A Amazon ficou muitos anos sem dar lucros e a Apple até recentemente não pagava dividendos, pois também usava os recursos para crescer. Em outros casos o valor da empresa está na marca, sendo a Nike um excelente exemplo.

Empresas de múltiplos e crescimentos esperado altos não são nem melhores ou piores investimentos que as empresas value. O ferramental necessário para analisar os dois grupos é diferente. No caso das empresas de growth, o risco é uma desaceleração do crescimento e uma queda muito forte do múltiplo que as ações negociam. No caso das empresas value, o risco é uma deterioração do modelo de negócios, se tornando uma armadilha decadente. 

No caso das empresas tech, o que eu olharia para investir:

1. O management tem de ser o melhor do setor. Pessoas sempre fazem diferença, mas nestes casos o espírito empreendedor e a capacidade para atrair os melhores talentos e “ver” o futuro são enormes vantagens competitivas. É inexorável que há pessoas com maior capacidade de ver o futuro em alguns setores que a média.

2. O potencial de crescimento e o mercado endereçável devem ser muito relevantes. Se você está pagando um múltiplo alto pelo crescimento, o potencial deve ser realmente enorme.

3. A empresa deve ter várias opcionalidades potenciais. Alguns exemplos são: entrar em novas geografias, lançar novas categorias de produtos, expandir em outros países ou mercados adjacentes. A Magazine Luiza começou com lojas fisicas, se tornou um dos líderes em e-commerce e esta adicionando serviços financeiros ao negócio.

4. O produto ou serviço deve atender uma demanda relevante do consumidor e a oferta da empresa deve ser exponencialmente melhor. Investir em uma empresa que quer competir com um produto “melhorzinho” geralmente não vale a pena.

As mudanças tecnológicas dos últimos anos estão afetando todos os modelos de negócios em todos os setores, levando a muitos vencedores e perdedores. Os vencedores estão gerando bilhões de valor aos acionistas. Cabe ao investidor identificar as empresa com as melhores pessoas e os modelos de negócios com maiores chances de sucesso. Um desafio adicional é que estamos melhor preparados para pensar em evoluções lineares e não exponenciais. No mundo atual de juros baixos e crescimento exponencial dos vencedores, não se assuste se tiver de pagar mais caro, pode acabar saindo barato no longo prazo.