Semanas de moda, como a São Paulo Fashion Week, fazem sentido?
Lá fora, um desfile pode custar 1 milhão de dólares para uma marca – e trazer um retorno de quase 40 vezes esse valor
Publicado em 11 de outubro de 2019 às, 17h17.
Mais uma edição da São Paulo Fashion Week vai começar agora, no próximo domingo, 13 de outubro. Será a 48ª temporada da principal semana de moda brasileira. Para a turma que gosta de moda, isso traz algumas boas notícias, outras nem tanto e algumas comparações bem interessantes com as semanas de moda lá fora.
Primeiro, vamos às boas notícias. Para começar temos a volta do evento para o Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque do Ibirapuera. A edição passada aconteceu no Espaço Arca, um galpão enorme perto da ponte do Jaguaré, na zona oeste. O entorno do espaço é bastante degradado, o que gerou muitas críticas dos convidados e dos próprios estilistas.
Além disso, a experiência no Jaguaré traz más lembranças pela morte do modelo Tales Costa na passarela. A organização foi acusada então de não haver interrompido o desfile e prestado o devido socorro.
De volta ao Ibirapuera, a organização comemora também o retorno à grade da Ellus, uma das mais tradicionais marcas brasileiras. Será o desfile de abertura, que acontecerá no domingo no Farol Santander.
É uma volta emblemática porque Nelson Alvarenga, fundador da grife, havia afirmado ter parado de desfilar na semana de moda paulistana enquanto isso “significar apenas pagar blogueiras para falar bem.”
Nelson é um dos sócios da Luminosidade, braço do grupo Inbrands que organiza a São Paulo Fashion Week e que teve 50,1% de suas ações vendidas à IMM Participações, de propriedade do fundo de investimentos Mubadala Development Company, de Abu Dhabi. A IMM tem participações e organiza eventos como Rock in Rio, UFC, Rio Open de tênis e turnês do Cirque du Soleil no Brasil.
Onde estão as outras grifes?
Essa são as boas novas. Na seara das novidades nem tão positivas está a ausência de grifes de peso ou emblemáticas. A Osklen é uma das mais sofisticadas do mercado brasileiro. Ronaldo Fraga e à La Garçonne fogem do convencional. Colcci e Forum, do grupo AMC, têm capilaridade.
Essas marcas, é bem verdade, já estavam ausentes da SPFW. A falta de inovação do formato não ajudou a convencê-las a voltar a participar do calendário nacional da moda. E aí entra outra questão.
Quando a IMM comprou participação na SPFW, em abril de 2018, foi organizado um almoço de celebração no restaurante do MAM, no Ibirapuera. Estavam presentes Nelson Alvarenga, Paulo Borges, o criador do embrião da SPFW e atual diretor criativo, e Alan Adler, CEO da IMM. O que se falou lá era então muito animador.
Adler me disse, na mesa do almoço, que a ideia era trazer toda a expertise da IMM em entretenimento para o formato da SPFW. Traduzindo, entre os planos estava a abertura do evento para o público com a compra de ingressos, shows musicais, apresentações do Cirque du Soleil... Mal comparando, a SPFW viraria o correspondente a um jogo da NBA nos Estados Unidos, um enorme espetáculo com diversas atrações, entre elas, vejam só, um jogo de basquete.
Um ano e meio depois de anunciada a parceria, o formato manteve-se o mesmo. Esta edição traz como programação paralela algumas palestras e workshops, mas tudo relacionado ao mercado de moda. É um reforço de conteúdo, e não um evento de entretenimento.
Pedi uma entrevista a Adler para entender porque o conceito de espetáculo ainda não havia sido implementado e qual a estratégia da SPFW. Não fui atendido.
Sentimento de desejo
O que é, para que serve e como funciona uma semana de moda? O formato é antigo, data de 1918, e teve início com a chamada haute couture, ou alta moda. Muita coisa mudou de lá para cá. Hoje, muitas capitais têm sua semana de moda. As quatro principais são Paris, Milão, Londres e Nova York, cada uma com sua característica.
Grosso modo, podemos dizer que Paris prima pela tradição, Milão é a mais elegante, Londres a mais criativa e Nova York, a mais comercial. Mas outras capitais têm ganhado importância. Xangai, por exemplo, tem atraído grifes como a italiana Prada, cujo habitat sempre fora Milão, como mostramos em junho em EXAME.
As semanas de moda são semestrais, portanto cada cidade tem duas temporadas por ano, uma em que apresenta sua coleção de primavera-verão e outra de outono-inverno. As roupas apresentadas só estarão à venda muitos meses depois. Isso porque os desfiles funcionam como uma espécie de laboratório para os lojistas do mundo inteiro de determinada marca. Eles assistem ao desfile, imaginam o que vai vender em seu mercado e fazem os pedidos. As marcas então produzem a quantidade encomendada.
Existe também, ou pelo menos havia, outra razão para o tempo de espera entre a apresentação da coleção e sua chegada às lojas: isso ajuda a criar desejo entre os clientes. As peças apresentadas são caras, feitas de material nobre e geralmente em pequena quantidade. São, portanto, difíceis de se obter. A demora é um ingrediente a mais nessa superação de obstáculos para a obtenção do prêmio final, ou seja, roupa.
Isso se realmente as roupas apresentadas num desfile forem para o mercado, já que muitas delas são mais um statement do que qualquer outra coisa. Ou seja, são feitas para comunicar a essência da marca, mas tão vanguardistas que dificilmente venderiam numa escala minimamente rentável.
O tempo de espera para as coleções estarem nas lojas e tanto conceito embutido, em tempos de comunicação instantânea das redes sociais e proliferação de lojas fast fashion (estima-se que a Zara apresente cerca de 500 novos designs de peças a cada semana), levam a uma pergunta cada vez mais comum no mundo fashion: uma semana de moda ainda faz sentido?
Quanto vale uma semana de moda?
Primeiro, é preciso lembrar que dezenas milhares de pessoas assistem in loco a uma temporada de moda, entre compradores, jornalistas e convidados das marcas. Com as redes sociais e a comunicação online, porém, são muitos os milhões de pessoas impactadas.
As grifes sabem desse poder de disseminação e têm investido cada vez mais em ambientes e personalidades instagramáveis. Na mais recente semana de moda de Milão, em setembro, Jennifer Lopez desfilou para a Versace com um vestido verde praticamente igual ao que ela havia usado 20 anos atrás na mesma ocasião. Deu (muito o que falar).
Entre cenário, modelos, figurinos, taxas para a federação de moda local, entre outros gastos, a organização de um desfile custa muito dinheiro para uma marca. O estilista Cristian Siriano disse à Vogue Business que uma apresentação sua não sai por menos de 300 000 dólares.
Em 2011, uma reportagem do New York Times afirmou que um desfile de Marc Jacobs havia custado 1 milhão de dólares. A indústria da moda movimenta estimados 2,5 trilhões de dólares por ano, de acordo com um estudo recente da McKinsey. Ao mesmo tempo, cabe lembrar que um desfile dura de 10 a 15 minutos. Um gasto, portanto, alto. Então, onde está o chamado ROI, o retorno sobre investimento, da marca?
A resposta remete à apresentação de J.Lo, como comentamos antes. Ou seja, a repercussão gerada por celebridades nas redes sociais. Um estudo do Launchmetrics ajuda a enteder essa conta. O instituto de análise de dados utiliza uma medida chamada MIV, ou media impact value. Basicamente, é a mensuração do retorno na mídia de um evento.
A temporada de moda do início deste ano teve uma série de celebrações, como o aniversário de 50 anos da Ralph Lauren, a primeira coleção da Celine pelo estilista Hedi Slimane, a troca da Gucci, que deixou de desfilar em Milão e foi para a Paris (aliás, esse é um movimento que acontece de tempos em tempos, uma marca trocar de cidade em busca de novos mercados e posicionamento).
O desfile da Ralph Lauren foi o que teve o maior MIV da temporada, cerca de 38 milhões de dólares. Ou seja, mesmo se tiver custado o teto de um evento desse porte, 1 milhão de dólares, o retorno foi de quase 40 vezes o investimento. Para isso a marca americana lançou mão de celebridades do porte de Robert de Niro, apresentações privadas de coleções, jantares extravagantes.
Entre as marcas, quem ficou na frente foi a Coach, com um MIV de 27 milhões de dólares, seguida da Dior, com 22,6 milhões, e Gucci, 19,4 milhões. Entre as celebridades, a influencer Chiara Ferragni foi a primeira colocada, com 18,3 milhões de dólares de MIV.
Fazer festas e levar celebridades a um desfile, claro, têm um custo. Mas o MIV ajuda a entender como esse investimento acaba gerando publicidade e, consequentemente, venda. Ainda que não seja venda direta das peças em grade escala (afinal, esta é uma indústria para poucos, cujo princípio é a exclussividade), existem todos os produtos de entrada do mercado de luxo, como perfumes, carteiras e acessórios em geral.
O que move esse mercado é o desejo do consumidor de entrar nesse universo, ainda que por meio de um porta-cartões de 100 dólares, ou de se sentir próximo a uma celebridade com 102 milhões de seguidores no Instagram como J.Lo. As semanas de moda ajudam a alimentar esse processo de desejo de pertencimento.