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Série 'Adolescência', da Netflix, é um soco no estômago

Série é realmente impactante e imperdível, especialmente para quem tem filhos pequenos ou adolescentes

Adolescência, na Netflix (Netflix/Reprodução)

Adolescência, na Netflix (Netflix/Reprodução)

Publicado em 14 de abril de 2025 às 18h59.

“…Ele queria um computador. Então nós demos o computador para ele. Demos também o teclado, o conjunto de fones de ouvido e todas essas coisas… Talvez eu tenha ficado um pouco ausente, mas ele estava no quarto dele, não estava? Nós achávamos que ele estava seguro, não achávamos? O que ele poderia estar fazendo lá dentro? Eu pensei que estávamos fazendo a coisa certa…”

Não sou muito chegado a séries, prefiro os livros. Entretanto, nestes dias, abri uma exceção e maratonei os quatro episódios da série Adolescência, da Netflix. Haviam me dito que assistir a essa série era como levar um soco no estômago. Achei que era exagero — mas não é. A série é realmente impactante e imperdível, especialmente para quem tem filhos pequenos ou adolescentes.
O primeiro parágrafo deste texto transcreve parte do diálogo entre os pais de Jamie, o protagonista da série, que é preso pela polícia irlandesa com apenas 13 anos, acusado de esfaquear uma colega de aula. Impossível não se colocar no lugar desesperador de Eddie e Manda, os pais que se deparam, de uma hora para outra, com algo tão dramático.

O mundo em que nossas crianças e adolescentes vivem é completamente diferente do mundo em que crescemos. Ainda não é possível mensurar os reais efeitos dos excessos do mundo digital de hoje. As consequências físicas, emocionais e comportamentais ainda nos surpreenderão negativamente no futuro. Até 30 ou 40 anos atrás, fumar era um hábito comum, naturalmente praticado pelos nossos pais e avós. Fumava-se no escritório, no restaurante e até no avião. Ninguém imaginava as consequências nefastas do cigarro, que foram surgindo com o passar do tempo e à medida que os anos de nicotina se acumulavam no organismo.

“A geração Z – os nascidos entre 1997 e 2010 – foi a primeira a passar a puberdade com um portal no bolso, que os afastava das pessoas próximas e os atraía para um universo alternativo, empolgante, viciante, instável e, obviamente, totalmente inadequado para crianças e adolescentes. Eles passaram muito menos tempo brincando, conversando, tendo contato com seus amigos e parentes — ou até mesmo fazendo contato visual com eles — o que reduziu suas interações sociais corporificadas, essenciais para o bom desenvolvimento humano”, escreve Jonathan Haidt em seu prestigiado (e imperdível) best-seller A Geração Ansiosa.

Ainda segundo Haidt, em uma das inúmeras passagens marcantes do seu livro, o início da puberdade é o segundo período de reconfiguração cerebral mais acelerada da vida, ficando atrás apenas dos primeiríssimos anos. A poda neural e a mielinização — dois processos essenciais no desenvolvimento do cérebro — ocorrem em velocidade intensa, guiadas pelas experiências vividas pelos adolescentes. Experiências essas que não deveriam ser pautadas por influenciadores digitais desconhecidos e algoritmos.

Voltando à série da Netflix, um amigo psiquiatra me disse que ela é sensacionalista, que o núcleo familiar do menino era estável e que, no mundo real, não haveria esse desfecho. Será mesmo? Seja como for, mesmo que os adolescentes não saiam se esfaqueando por aí, o potencial de estrago na formação física e, principalmente, mental dos nossos jovens é amplamente comprovado. E, como citei anteriormente, sabe-se lá quais outros distúrbios ainda surgirão no longo prazo.

Portanto, o limite, a supervisão constante, o estímulo ao brincar e à prática de esportes são fundamentais. Além disso, é claro, os pais precisam dar o exemplo — e não viver mergulhados em seus próprios smartphones… Como se vê, a receita é simples, porém trabalhosa — como tudo na vida. O que não podemos é ignorar o problema. Ele existe, e se não for enfrentado, pode virar algo sério. Pode se transformar em um verdadeiro soco no estômago.

*Fernando Goldsztein
Fundador The Medulloblastoma Initiative
Conselheiro da Children’s National Foundation
MBA – MIT, Sloan School of Management

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