Pará: bioeconomia pode gerar 816 milhões de reais ao PIB estadual (Rafael Medelima/COP30/Flickr/Divulgação)
Colunista
Publicado em 18 de novembro de 2025 às 09h58.
Última atualização em 18 de novembro de 2025 às 14h43.
Outro dia, li O Deserto dos Tártaros, do escritor italiano Dino Buzzati, publicado em 1940. Para descrever a temática da obra, lanço mão, no parágrafo a seguir, de um trecho do prefácio escrito por Ugo Giorgeti:
“O que nos conta O Deserto dos Tártaros? Um jovem militar, chamado Giovanni Drogo, é designado para servir numa fortaleza nas montanhas, solitária, quase esquecida, que em tempos remotos foi importante defesa contra os Tártaros, o povo do norte, que vivia no deserto. Os Tártaros nunca aparecem. O cotidiano transcorre medíocre, o tempo vai passando, mas o soldado não consegue abandonar o forte e mudar de vida. Continua olhando obstinada e disciplinadamente o deserto à espera do inimigo, sob o céu silencioso.”
Esse é o cenário para onde o então jovem Giovanni foi transferido aos 18 anos de idade, onde, supostamente, ficaria apenas alguns meses. A partir daí, o autor nos presenteia com uma narrativa sobre a vida e as escolhas de Giovanni, sempre sob o viés da implacável passagem do tempo.
“Giovanni, muito jovem ainda, passara apenas pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que, na meninice, parece infinita, onde os anos escoam lentos e com passo leve, a ponto de ninguém notar a sua passagem…”
Ao final do seu período de serviço, em vez de retornar para sua vida na cidade, Giovanni toma a inusitada decisão de permanecer na fortaleza por tempo indeterminado.
“Criou-se nele o torpor dos hábitos, os rituais militares, o amor doméstico pelos muros cotidianos do forte. Aqueles meses iniciais foram suficientes para amalgamá-lo ao ritmo do serviço. Todas essas coisas já haviam se tornado suas e abandoná-las seria doloroso. E, afinal, era jovem, estaria, portanto, sempre em tempo de partir. O bom da vida o aguardava; qual a necessidade de apressar-se?”
Então, passaram-se os primeiros anos no forte.
“A existência de Giovanni parecia ter como que parado. Dias iguais, com as mesmas coisas de sempre, repetiam-se centenas de vezes. O rio do tempo passava sobre o forte, rachava os muros, arrastava poeira e fragmentos de pedra, limava degraus e correntes, mas sobre Giovanni passava à toa; não conseguia ainda enganchá-lo na sua fuga.”
Giovanni continuava firme, forte e jovem, aguardando pacientemente a invasão dos Tártaros — que nunca ocorria. Enfrentar essa batalha daria significado a tudo, especialmente à sua vida.
“O tempo, entretanto, voava, não se pode parar o tempo um segundo sequer, nem mesmo para olhar para trás. Tudo se esvai: os homens, as estações, as nuvens; e não adianta agarrar-se às pedras, pois os dedos cansados se abrem, os braços se afrouxam, e somos arrastados pelo rio, que parece lento, mas não para nunca.”
E assim o autor segue, relatando a vida cotidiana de Giovanni, sua relutância em abandonar os velhos hábitos, em retornar à cidade e enfrentar o reencontro com amigos e amores, cada vez mais distantes no tempo. Ele segue como que hipnotizado, protegido dentro do forte. Protegido não dos Tártaros, que nunca chegam, mas de uma vida que nunca quis enfrentar.
“Quando somos jovens, as páginas da vida parecem virar devagar, acumulando-se sobre as já vividas. Na juventude, essa pilha de páginas já vividas representa apenas uma leve camada, enquanto as páginas que temos pel a frente, parecem formar, em comparação, um volume inesgotável. Mas, na verdade, cada página virada é uma porção de vida que se vai. E, à medida que avançamos no livro da vida, surge a sensação de que as páginas começam a virar cada vez mais depressa.”
O livro é forte, marcante e, mais do que tudo, necessário. Estaremos nós também presos a algum “forte” que nos impede de viver plenamente? Estaremos esperando por algum momento - ou situação - ideal que talvez nunca chegue? É importante refletir sobre o tema. É importante termos consciência da passagem do tempo, pois, afinal, não há tempo a perder.
Encerro este texto com uma frase muito lúcida do meu querido e saudoso avô. Já no final de sua vida, em 1998, disse ele:
“A vida é como a água de um rio. Eu sou a água que já passou e está indo embora; vocês, meus netos, são a que está chegando — aproveitem.”
* Goldsztein. Fundador do The Medulloblastoma Initiative; Conselhiro da Children's National Foundation, MBA, MIT – Sloan School of Management