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Taxa de câmbio alta, baixo crescimento e inflação: desgraça pouca é bobagem

"Este ano, que prometia ser um oásis após o pandêmico 2020, tem se mostrado bastante vil até o momento"

 (Ricardo Moraes/Reuters)
(Ricardo Moraes/Reuters)
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Fernanda Consorte

Publicado em 9 de março de 2021 às, 16h40.

O Brasil anda na linha de “desgraça pouca é bobagem”. 2021, que prometia ser um oásis após o pandêmico 2020, tem se mostrado bastante vil até o momento. Primeiro, e pior de tudo, é que não só a pandemia segue, como piorou muito, mesmo com a vacina. Claro, enquanto o vírus anda a galope, a vacina se arrasta. Segundo, que os contínuos pronunciamentos do governo em um momento tão crítico deixam qualquer um perplexo. Some-se a isso um cenário fiscal deteriorado e a necessidade de continuidade de auxílio-emergencial, dada a extensão da crise.

A combinação disso é a frustração na retomada da economia, seja por continua restrição de circulação, seja por queda na confiança dos agentes. A recuperação em formato da letra V ficou num sonho distante. O PIB deve ser baixo esse ano, ao menos, menor do que a projeção média atual de cerca de 3,3%.  

Além disso, temos também uma debandada de fluxo de capital do nosso país.  Por exemplo, em 2020, a retração dos investimentos estrangeiros foi maior no Brasil do que em outros países emergentes. O Banco Central do Brasil mostrou que em 2020 o investimento direto no País somou US$ 34,2 bilhões versus US$ 69,2 em 2019, ou seja, uma queda de 50,6%. Segundo a Unctad, essa redução foi de apenas 8% no México. E nesses primeiros meses de 2021, o quadro tem se agravado pelos motivos listados no primeiro parágrafo. Por consequência, a taxa de câmbio está pressionada e seguimos no final da fila se comparados com outros emergentes. Desde janeiro até primeira semana de março, o real já havia se desvalorizou 8,2%, quanto a média dos países emergentes foi de cerca de 3%.

Outro ponto interessante a notar é o comportamento da balança comercial. A balança comercial em 2020 cresceu em relação a 2019, mas basicamente porque nossas importações despencaram em proporção maior que a queda das exportações. Dentro das exportações, o setor agrícola se salvou e, ao que tudo indica, em 2021 ele também será a vedete da vez, considerando que os preços das commodities seguem altos. Além disso, nesse início de ano, as importações voltaram a crescer. Aparentemente, após a parada em 2020, nossos estoques de matéria-prima secaram e com a expectativa de algum crescimento (mesmo que modesto) para 2021, voltamos a importar. Mas tudo isso a uma taxa de câmbio bastante salgada. 

Dessa forma, vejo a receita perfeita para aumento de inflação no País – eu antecipei que desgraça pouca é bobagem. Vejam, os preços das commodities mais taxa de câmbio são referências no comportamento de matérias-primas em geral e preços no atacado.

O IGP-M, indicador de inflação com cerca de 60% de seus componentes com preços no atacado, já acumula alta de 28,9% nos últimos 12 meses até fevereiro/21. Importante ter em mente que os preços do atacado serão repassados ao restante da cadeia, aos consumidores. Isso significa IPCA alto, possivelmente, acima da meta.

Além do repasse cambial que já vemos no atacado e que irá aos preços no varejo, o momento fica ainda mais propício com a continuidade do pagamento do auxílio-emergencial à população, sem contrapartida de corte de gastos. Dinheiro na mão sugere aumento de compra, foi assim que a inflação começou a incomodar ano passado; e mesmo que em menor escala em 2021, a expansão fiscal prepara o palco para a inflação brilhar. E querem saber mais? Qualquer melhora na atividade econômica com a evolução da vacinação vai dar mais espaço para repasses nos preços – muito câmbio acumulado.

O IPCA no boletim focus do Banco Central já “beliscou” os 4%. Ano sem graça? Também estou achando...  

*Fernanda Consorte – economista-Chefe do Banco Ourinvest.