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Brasil na Guerra Comercial: a história do rouba-monte

Um impacto positivo dessa guerra comercial entre China e Estados Unidos se restringiria a poucos setores; temos mais a perder que a ganhar com essa história

PLANTAÇÃO DE SOJA NO MATO GROSSO: produto pode ser prioridade dos EUA na negociação por um acordo com a China | Matt Mawson/Getty Images / (Matt Mawson/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 3 de outubro de 2019 às 12h47.

Última atualização em 3 de outubro de 2019 às 16h34.

Guerra comercial entre China e EUA é um tema batido, mas que vive no nosso caminho. Lembrando que boa parte do motivo de vermos o patamar tão alto de nossa moeda deve-se ao endurecimento do caso no mês de agosto. Aliás, nossa terra tupiniquim pode e deve ser muito afetada por esse cenário. Alguns acreditam que podemos nos beneficiar com essa história; afinal, há uma “ideologia” parecida entre nosso presidente e o Sr. Trump, ou porque a China deve passar a demandar muito os produtos brasileiros… Meus amigos, venho aqui falar que minha visão é o extremo oposto disso. Explico em três pontos, me acompanhem:

Primeiro, porque a aversão a risco, num cenário de desaceleração econômica mundial, já está aí para provar que os emergentes sofrem sempre, e embora bom para poucos, uma moeda extremante desvalorizada por falta de fluxo de investimentos estrangeiros não é bacana para um país que cresce a taxas módicas de 1% — o Brasil.

Segundo, porque nós ainda estamos muito aquém em termos de produtividade e competitividade de vários países, e mesmo supondo um cenário em que os EUA mudem todos os seus fornecedores (mude a origem) dos produtos tarifados, há estudos que mostram que o Brasil só seria competitivo em ~30 produtos ou equivalente a US$ 3 bilhões — o que é quase nada, pessoal, pois nosso volume de exportação é de cerca de US$ 180 bilhões. Lembrem-se ainda de que, nesse cenário, países com infraestrutura mais qualificada e/ou melhor localização (como México, União Europeia e Japão) ganham “de lavada” do Brasil.

Ok, ok…, Somos bons em agropecuária. O Brasil é o país da agricultura, somos o terceiro maior exportador do mundo! E o investimento público em pesquisa e desenvolvimento na última década tem sido louvável, assim como tem melhorado o acesso a crédito para esse setor. Então, o senso comum diria que um setor ganhador nessa guerra comercial seria o da soja, pois exportamos cerca de US$ 31,6 bilhões de soja para a China, o que representa 1/3 das nossas exportações agro. Ou seja, já temos espaço e nome no mercado; a saída de cena dos EUA nos permitirá a aumentar (dobrar?!) esse montante. Porém, na minha opinião, é justamente nesse setor que mora o perigo. E esse é terceiro ponto — e foco de estudo nesse texto.

Sabemos que, cedo ou tarde, EUA e China devem entrar em algum acordo, mesmo que isso dure anos e custe muito PIB deles e do resto do mundo. Mas no momento em que esse suposto acordo acontecer, acredito que o primeiro produto a ser negociado por exigência norte-americana será justamente a soja. Ou seja, a China passar a importar mais soja norte-americana em detrimento da soja brasileira. E aqui teríamos mais um passo do jogo de “rouba-monte” que já está acontecendo.

Vejam, em 2017 (ano ainda praticamente intacto à guerra comercial), a China importou entre Brasil e EUA, 84 milhões de toneladas de soja, sendo 51 milhões do Brasil e 33 milhões dos EUA. Em 2018, no primeiro round do rouba-monte, o Brasil ganhou participação nessa balança, “roubando” quase metade da soja exportados dos EUA para a China, já que a China manteve a quantidade comprada.

Antes de animarem, notem que na semana passada, num avanço de conversas entre EUA e China, o Ministério do Comércio da China anunciou que as empresas chinesas fizeram compras significativas de soja e porco dos EUA. E, em contrapartida, o Sr. Trump disse que um acordo para encerrar uma guerra comercial poderia acontecer mais cedo que o esperado e que a China estava fazendo grandes compras de produtos agrícolas dos EUA. E é verdade: aparentemente, somente na última semana a China importou 838 mil toneladas dos EUA.

Bom, em uma continha de padeiro, conseguimos dizer que “tudo o mais constante” (economista ama essa frase), se extrapolarmos o que a China importou dos EUA num ano, teríamos a somatória de 42 milhões de toneladas. Daí, num novo round de rouba-monte, os EUA roubariam 38% da quantidade de soja brasileira. É muita coisa.

Em termos financeiros, considerando o preço negociado no mercado, hoje, da soja (cerca de US$ 895 cents/ bushel), se a quantidade de soja exportada brasileira para a China se reduzisse a 41 milhões de toneladas, representaria uma diminuição da ordem de US$ 10 bilhões de exportações. É bastante coisa — lembrando que o setor exporta cerca de R$ 30 bilhões para esse destino.

Em poucas palavras, um impacto positivo dessa guerra comercial se restringiria a poucos setores (se muito). Assim, de forma macro, o Brasil tem mais a perder com toda essa história (seja via efeito de desaceleração mundial, seja via efeito aversão ao risco). E mesmo esses eventuais poucos setores teriam ganhos limitados e não estruturais, porque sabemos que, em algum momento, EUA e China entrarão num acordo, mesmo que isso demore anos e custe muito PIB. E eu não torceria para isso.

*Economista-Chefe e Estrategista de Câmbio do Banco Ourinvest

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Guerra comercial entre China e EUA é um tema batido, mas que vive no nosso caminho. Lembrando que boa parte do motivo de vermos o patamar tão alto de nossa moeda deve-se ao endurecimento do caso no mês de agosto. Aliás, nossa terra tupiniquim pode e deve ser muito afetada por esse cenário. Alguns acreditam que podemos nos beneficiar com essa história; afinal, há uma “ideologia” parecida entre nosso presidente e o Sr. Trump, ou porque a China deve passar a demandar muito os produtos brasileiros… Meus amigos, venho aqui falar que minha visão é o extremo oposto disso. Explico em três pontos, me acompanhem:

Primeiro, porque a aversão a risco, num cenário de desaceleração econômica mundial, já está aí para provar que os emergentes sofrem sempre, e embora bom para poucos, uma moeda extremante desvalorizada por falta de fluxo de investimentos estrangeiros não é bacana para um país que cresce a taxas módicas de 1% — o Brasil.

Segundo, porque nós ainda estamos muito aquém em termos de produtividade e competitividade de vários países, e mesmo supondo um cenário em que os EUA mudem todos os seus fornecedores (mude a origem) dos produtos tarifados, há estudos que mostram que o Brasil só seria competitivo em ~30 produtos ou equivalente a US$ 3 bilhões — o que é quase nada, pessoal, pois nosso volume de exportação é de cerca de US$ 180 bilhões. Lembrem-se ainda de que, nesse cenário, países com infraestrutura mais qualificada e/ou melhor localização (como México, União Europeia e Japão) ganham “de lavada” do Brasil.

Ok, ok…, Somos bons em agropecuária. O Brasil é o país da agricultura, somos o terceiro maior exportador do mundo! E o investimento público em pesquisa e desenvolvimento na última década tem sido louvável, assim como tem melhorado o acesso a crédito para esse setor. Então, o senso comum diria que um setor ganhador nessa guerra comercial seria o da soja, pois exportamos cerca de US$ 31,6 bilhões de soja para a China, o que representa 1/3 das nossas exportações agro. Ou seja, já temos espaço e nome no mercado; a saída de cena dos EUA nos permitirá a aumentar (dobrar?!) esse montante. Porém, na minha opinião, é justamente nesse setor que mora o perigo. E esse é terceiro ponto — e foco de estudo nesse texto.

Sabemos que, cedo ou tarde, EUA e China devem entrar em algum acordo, mesmo que isso dure anos e custe muito PIB deles e do resto do mundo. Mas no momento em que esse suposto acordo acontecer, acredito que o primeiro produto a ser negociado por exigência norte-americana será justamente a soja. Ou seja, a China passar a importar mais soja norte-americana em detrimento da soja brasileira. E aqui teríamos mais um passo do jogo de “rouba-monte” que já está acontecendo.

Vejam, em 2017 (ano ainda praticamente intacto à guerra comercial), a China importou entre Brasil e EUA, 84 milhões de toneladas de soja, sendo 51 milhões do Brasil e 33 milhões dos EUA. Em 2018, no primeiro round do rouba-monte, o Brasil ganhou participação nessa balança, “roubando” quase metade da soja exportados dos EUA para a China, já que a China manteve a quantidade comprada.

Antes de animarem, notem que na semana passada, num avanço de conversas entre EUA e China, o Ministério do Comércio da China anunciou que as empresas chinesas fizeram compras significativas de soja e porco dos EUA. E, em contrapartida, o Sr. Trump disse que um acordo para encerrar uma guerra comercial poderia acontecer mais cedo que o esperado e que a China estava fazendo grandes compras de produtos agrícolas dos EUA. E é verdade: aparentemente, somente na última semana a China importou 838 mil toneladas dos EUA.

Bom, em uma continha de padeiro, conseguimos dizer que “tudo o mais constante” (economista ama essa frase), se extrapolarmos o que a China importou dos EUA num ano, teríamos a somatória de 42 milhões de toneladas. Daí, num novo round de rouba-monte, os EUA roubariam 38% da quantidade de soja brasileira. É muita coisa.

Em termos financeiros, considerando o preço negociado no mercado, hoje, da soja (cerca de US$ 895 cents/ bushel), se a quantidade de soja exportada brasileira para a China se reduzisse a 41 milhões de toneladas, representaria uma diminuição da ordem de US$ 10 bilhões de exportações. É bastante coisa — lembrando que o setor exporta cerca de R$ 30 bilhões para esse destino.

Em poucas palavras, um impacto positivo dessa guerra comercial se restringiria a poucos setores (se muito). Assim, de forma macro, o Brasil tem mais a perder com toda essa história (seja via efeito de desaceleração mundial, seja via efeito aversão ao risco). E mesmo esses eventuais poucos setores teriam ganhos limitados e não estruturais, porque sabemos que, em algum momento, EUA e China entrarão num acordo, mesmo que isso demore anos e custe muito PIB. E eu não torceria para isso.

*Economista-Chefe e Estrategista de Câmbio do Banco Ourinvest

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