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Argentina calça sapatos velhos: são confortáveis, mas vão durar?

A esperança é de que aconteça um "pacote de transição" entre governos (à la FHC e Lula, talvez?) para firmar os mercados

Alberto Fernández: a escolha do ministro da Economia vai ser a primeira medida avaliada com lupa pelos analistas e investidores (Patrick Haar/Getty Images)
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Tamires Vitorio

Publicado em 30 de outubro de 2019 às 09h18.

Dentre alguns eventos esperados nos países emergentes para 2019, posso dizer, com segurança, que as eleições presidenciais na Argentina eram um deles. Embora tendo uma pequena participação do PIB mundial (cerca de 0,6%), nossos hermanos são capazes de atingir via aversão a risco um número significante de países emergentes, com destaque para nosostros, que, além de emergentes, somos um grande parceiro comercial.

O sinal amarelo/vermelho/roxo da Argentina ocorreu ano passado, quando os dados macroeconômicos degringolaram: alta inflação (estamos falando de coisa de mais de 50% ao ano); a taxa de juros, em resposta, está nas alturas (míseros 68% a.a.!!!); o déficit em conta corrente se aprofundou em 2018.

Mas o que aconteceu com nossos hermanos? Encurtando uma longa história, em 2015, a Argentina estava com elevado déficit fiscal e inflação, à beira da recessão (sim, história cíclica ruim), devido à agenda protecionista de controle de câmbio e à forte emissão de dinheiro para impulsionar o consumo imposta pelo ex-governo Kirchner (guardem essa informação!).

O novo governo de Macri propunha uma agenda liberal para solucionar essa questão, que abrangia desde abrir a economia e liberar as importações e exportações, a promessas de chegar à "pobreza zero" com crescimento e obras de infraestrutura, através da redução de gasto público e uma virada na política externa.

Contudo, três anos depois, a abordagem de redução do déficit fiscal não deu certo, e com o aumento da taxa de juros nos EUA a partir de 2017, a alocação de investimentos em países emergentes ficou para outro dia (o chamado flight to quality), piorando as condições de financiamento externo na Argentina, deixando o país mais suscetível a crises cambiais. Assim, a Argentina fez um novo acordo de ajuda com o FMI. Esta foi a primeira grande pernada de desvalorização do peso argentino, e 2018 encerrou com um aumento da taxa de câmbio argentina de 102%.

Neste ano, com a continuidade do quadro econômico alarmante, a população argentina decidiu calçar os velhos sapatos, elegeu novamente um governo kirchnerista, que não só trouxe o presidente Alberto Fernández e sua vice, a própria Cristina Kirchner, como também garantiu uma forte presença kirchnerista no Legislativo.

Assim que tivemos uma prévia desse cenário em agosto, o mercado, que é avesso à esquerda devido ao seu caráter intervencionista, estremeceu, garantindo um aumento extra da taxa de câmbio de cerca de 35%, exigindo do Banco Central Argentino gastar cerca de US$ 22 milhões de suas reservas — que hoje se encontram em míseros US$ 43 milhões (o uso é necessário em caso de ataques especulativos a moedas de países enfraquecidos).

Domingo agora, tivemos a confirmação desse cenário, e não tivemos grandes solavancos do peso argentino, pois acredito que: (1) o cenário já estava precificado no mercado, e (2) o Banco Central argentino se antecipou e marcou uma reunião extraordinária, tomando uma série de medidas para preservar as reservas cambiais, entre as quais que os argentinos só poderão comprar até US$ 200 por mês (!). Contudo, o cenário segue incerto e pode trazer consequência adicional para o peso argentino. Olhando para frente, temos que observar se os sapatos serão os mesmos, velhos e já desgastados, ou serão confortáveis, porém com alguma repaginação.

Embora o atual presidente seja associado à sua vice de forma inseparável, há rumores de que ele sabe que deve agir de forma mais coesa e diminuir essa associação se quiser ter alguma recuperação econômica. A esperança é de que aconteça um "pacote de transição" entre governos (à la FHC e Lula, talvez?) para firmar os mercados, e ter algum ajuste benéfico na taxa de câmbio.

A chave desse segredo pode estar na escolha do ministro da Economia. Os possíveis candidatos são Matías Kulfas e Guillermo Nielsen. Embora ambos kirchneristas, têm visões econômicas diferentes.

O primeiro tem fama de um “heterodoxo tradicional”, com inclinações a protecionismo, intervencionismo, controles rígidos de moeda que limitem a fuga de capitais. Aqui, até cabe levantar dúvidas sobre a continuidade do Mercosul. E esse cenário, meus amigos, deve afastar ainda mais o apetite de investidores, e teremos, portanto, uma moeda cada vez mais desvalorizada. Eu arriscaria dizer que aqui temos daqueles sapatos velhos e desgastados, com difícil durabilidade.

Já o segundo tem um histórico de incentivo aos detentores de títulos e ao FMI e pode levar a paciência com o novo governo. O modelo pode até não funcionar, considerando o tamanho de suas dívidas (de cerca de 90% do PIB) e a fraqueza de sua moeda. Mas os investidores podem gostar. E, como todo país emergente, a Argentina arde por divisas gringas, o que geraria alívio nas cotações da taxa de câmbio. Vejam, ninguém aqui fala de novos sapatos, modernos, mas podemos ver aqui um sapato velho, repaginado. O vintage não está na moda?

Vamos ver.

FERNANDA CONSORTE

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O sinal amarelo/vermelho/roxo da Argentina ocorreu ano passado, quando os dados macroeconômicos degringolaram: alta inflação (estamos falando de coisa de mais de 50% ao ano); a taxa de juros, em resposta, está nas alturas (míseros 68% a.a.!!!); o déficit em conta corrente se aprofundou em 2018.

Mas o que aconteceu com nossos hermanos? Encurtando uma longa história, em 2015, a Argentina estava com elevado déficit fiscal e inflação, à beira da recessão (sim, história cíclica ruim), devido à agenda protecionista de controle de câmbio e à forte emissão de dinheiro para impulsionar o consumo imposta pelo ex-governo Kirchner (guardem essa informação!).

O novo governo de Macri propunha uma agenda liberal para solucionar essa questão, que abrangia desde abrir a economia e liberar as importações e exportações, a promessas de chegar à "pobreza zero" com crescimento e obras de infraestrutura, através da redução de gasto público e uma virada na política externa.

Contudo, três anos depois, a abordagem de redução do déficit fiscal não deu certo, e com o aumento da taxa de juros nos EUA a partir de 2017, a alocação de investimentos em países emergentes ficou para outro dia (o chamado flight to quality), piorando as condições de financiamento externo na Argentina, deixando o país mais suscetível a crises cambiais. Assim, a Argentina fez um novo acordo de ajuda com o FMI. Esta foi a primeira grande pernada de desvalorização do peso argentino, e 2018 encerrou com um aumento da taxa de câmbio argentina de 102%.

Neste ano, com a continuidade do quadro econômico alarmante, a população argentina decidiu calçar os velhos sapatos, elegeu novamente um governo kirchnerista, que não só trouxe o presidente Alberto Fernández e sua vice, a própria Cristina Kirchner, como também garantiu uma forte presença kirchnerista no Legislativo.

Assim que tivemos uma prévia desse cenário em agosto, o mercado, que é avesso à esquerda devido ao seu caráter intervencionista, estremeceu, garantindo um aumento extra da taxa de câmbio de cerca de 35%, exigindo do Banco Central Argentino gastar cerca de US$ 22 milhões de suas reservas — que hoje se encontram em míseros US$ 43 milhões (o uso é necessário em caso de ataques especulativos a moedas de países enfraquecidos).

Domingo agora, tivemos a confirmação desse cenário, e não tivemos grandes solavancos do peso argentino, pois acredito que: (1) o cenário já estava precificado no mercado, e (2) o Banco Central argentino se antecipou e marcou uma reunião extraordinária, tomando uma série de medidas para preservar as reservas cambiais, entre as quais que os argentinos só poderão comprar até US$ 200 por mês (!). Contudo, o cenário segue incerto e pode trazer consequência adicional para o peso argentino. Olhando para frente, temos que observar se os sapatos serão os mesmos, velhos e já desgastados, ou serão confortáveis, porém com alguma repaginação.

Embora o atual presidente seja associado à sua vice de forma inseparável, há rumores de que ele sabe que deve agir de forma mais coesa e diminuir essa associação se quiser ter alguma recuperação econômica. A esperança é de que aconteça um "pacote de transição" entre governos (à la FHC e Lula, talvez?) para firmar os mercados, e ter algum ajuste benéfico na taxa de câmbio.

A chave desse segredo pode estar na escolha do ministro da Economia. Os possíveis candidatos são Matías Kulfas e Guillermo Nielsen. Embora ambos kirchneristas, têm visões econômicas diferentes.

O primeiro tem fama de um “heterodoxo tradicional”, com inclinações a protecionismo, intervencionismo, controles rígidos de moeda que limitem a fuga de capitais. Aqui, até cabe levantar dúvidas sobre a continuidade do Mercosul. E esse cenário, meus amigos, deve afastar ainda mais o apetite de investidores, e teremos, portanto, uma moeda cada vez mais desvalorizada. Eu arriscaria dizer que aqui temos daqueles sapatos velhos e desgastados, com difícil durabilidade.

Já o segundo tem um histórico de incentivo aos detentores de títulos e ao FMI e pode levar a paciência com o novo governo. O modelo pode até não funcionar, considerando o tamanho de suas dívidas (de cerca de 90% do PIB) e a fraqueza de sua moeda. Mas os investidores podem gostar. E, como todo país emergente, a Argentina arde por divisas gringas, o que geraria alívio nas cotações da taxa de câmbio. Vejam, ninguém aqui fala de novos sapatos, modernos, mas podemos ver aqui um sapato velho, repaginado. O vintage não está na moda?

Vamos ver.

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