Por que decisões de investimento deveriam ser menos ideológicas
Mesmo com alta de juros nos estados Unidos e eleições a caminho, o Brasil pode se beneficiar de uma mudança de paradigma
Publicado em 25 de março de 2022 às, 11h55.
Felipe Miranda
Virginia Woolf uma vez escreveu que “entre a felicidade e a melancolia não medeia espessura maior que a de uma lâmina de faca”. No longínquo 2021, o prognóstico consensual era melancólico para os ativos de risco brasileiros. Nossa bolsa estaria condenada por dois crimes hediondos — crimes ainda não realizados, desafiando a filosofia do direito, mas a serem cumpridos de forma inexorável pelo impiedoso ano de 2022, cujo calendário imporia: I) subida das taxas de juro nos Estados Unidos, retirando dinheiro dos mercados emergentes ao dar maior atratividade relativa à renda fixa americana; e II) uma eleição muito polarizada no Brasil, com temores de populismo excessivo e ruptura fiscal. Pode haver crime sem castigo, mas seria inédita a suposta justiça de castigo sem crime consumado.
O mercado é muito temático e alterna euforia e pânico, value e growth, países desenvolvidos ou emergentes, felicidade e melancolia com grande velocidade, com catálises, por vezes, de espessuras inferiores à lâmina de uma faca. Pegando emprestada a expressão de Howard Marks, se existe um pensamento de primeiro nível em linha com o racional de investimentos do começo deste texto, há um possível segundo nível de análise. Conforme fica clara a inflação americana mais alta e persistente do que se imaginava, cresce a expectativa de uma subida mais intensa das taxas de juro nos Estados Unidos. Os mais agressivos já esperam sete incrementos do juro básico pelo Fed, e o consenso revisa subsequentemente suas projeções para o yield (rendimento) do Treasury de dez anos.
Seria mesmo ruim para os mercados emergentes e para o Brasil em particular? Não é o que temos visto objetivamente. Aliás, ao contrário. A bolsa brasileira é um dos grandes destaques de alta em nível global em 2022. A subida dos juros nos Estados Unidos tem estourado bolhas locais nos ativos de tecnologia por lá. Assim, o excesso de capital alocado nos últimos anos no “US tech”, em especial naquelas ações de empresas muito apoiadas em promessas para o futuro e pouca geração de caixa no presente, encontra um choque importante, sem paralelo recente, despertando para a possível sobrevalorização desses ativos e para a atratividade de outros mercados que haviam sido abandonados.
Há uma tendência natural de extrapolarmos para o futuro os movimentos correntes. Abundam os fundos de estratégias de trend following ou momentum trade, sob a premissa de que aquilo que está subindo continuará subindo. Se você observa anos e anos de Tesla e bitcoin decolando, enquanto mercados emergentes só caem, seria razoável imaginar a continuidade dessa dinâmica.
Ocorre, porém, que, se levada ao extremo, a perspectiva fere a premissa elementar de finanças, de comprar barato (o que caiu) e vender caro (o que subiu). Árvores não crescem até o céu. De tempos em tempos, os temas mudam e, costumeiramente, são os Bancos Centrais os responsáveis por grandes movimentos de placas tectônicas, naquilo que Ray Dalio, da Bridgewater, costuma chamar de paradigm shift (“mudança de paradigma”). Talvez estejamos diante de um deles, com o dinheiro voltando para os mercados emergentes.
Com efeito, uma observação histórica aponta correlação positiva entre ciclos de alta de juros nos Estados Unidos e o comportamento da bolsa brasileira. No dia 9 de fevereiro, o Bank of America Merrill Lynch elevou a recomendação para as ações brasileiras, citando seu nível de preços atraentes e essa capacidade de transitar bem historicamente por apertos monetários nos Estados Unidos. De acordo com o banco, durante o primeiro ano do início do ciclo de alta de juros nos Estados Unidos, pegando uma amostra desde 1994, as ações brasileiras subiram, na média e em dólares, 38,4%.
Se reduzirmos o horizonte de 12 para seis meses, chegamos a uma média de 28,7%. Se o Fed vai mesmo inaugurar uma nova era de subida intensa de juros para conter a inflação, deveríamos vender aquilo que subiu no paradigma anterior, para comprar o que caiu. O Brasil é uma metonímia desse segundo grupo, alijado do fluxo de capital internacional nos últimos anos.
Absolvidos da primeira acusação, vamos tratar da segunda: a eleição presidencial no Brasil. Em que pesem preocupações pertinentes com medidas populistas e retóricas acaloradas, o medo principal sempre esteve associado à real ruptura fiscal e à adoção de uma gestão de política econômica heterodoxa pelo potencial novo governo. Temiam-se extremismos de lado a lado.
Se havia no mercado uma apreensão grande com a possibilidade de eleição do ex-presidente Lula, objetiva e pragmaticamente hoje ela se mostra muito mais palatável para a Faria Lima e o Leblon. Rogério Xavier, da SPX, disse em evento do Credit Suisse: “Não atirem no mensageiro: pessoas no exterior gostam de Lula. É um fato”. Marcelo Kayath, da QMS, sintetizou ao Valor: “Em 2002 ninguém conhecia Lula. Hoje os investidores podem até ter dúvida se um Lula 3 será mais parecido com o Lula 1 [do primeiro mandato] do que com o Lula 2 [do segundo], mas ninguém acha que ele vai fazer loucura”.
Para quem procura outras pistas do que poderia vir a ser seu governo, a esperada chapa com Geraldo Alckmin talvez seja a principal delas; a recente declaração de que a candidatura deve contemplar alianças até a centro-direita é outra menos estridente, mas talvez igualmente simbólica, por afastar extremismos de maneira explícita. Pensando em termos pragmáticos, pode bastar ao mercado, em especial se consideramos o nível de preços dos ativos brasileiros.
Decisões de investimento deveriam ser menos ideológicas e circunscritas ao aspecto estritamente financeiro. Há duas mensagens aqui. A primeira: “money talks, bullshit walks” — no mercado, preocupe-se em ganhar dinheiro; deixe as demais conversas para a mesa de bar. E a segunda: você é tão bom quanto seu último trade. Pragmatismo sempre. Termino da mesma forma que comecei, recorrendo a Virginia Woolf: “Não se pode pensar bem, amar bem, dormir bem, quando não se jantou bem”. Na falta de um rali neste ano, talvez tenhamos dois.