Otimismo trágico
Seria possível manter algum otimismo em meio à tragédia do populismo e de líderes personalistas de ambos os lados? Entendo que sim
Da Redação
Publicado em 18 de agosto de 2022 às 06h05.
A ideia do otimismo trágico não é original. Aliás, desconfio que, se você se acha original, apenas não leu o suficiente. O psicoterapeuta Viktor Frankl, famoso por ter sobrevivido a quatro campos de concentração, apresentou a expressão no super-best-seller Em Busca de Sentido. A proposta se refere à capacidade de resistir e manter-se otimista apesar de uma “tríade trágica” inerente à existência humana, representada por dor, culpa e morte. Ele mesmo propõe uma pergunta capaz de sintetizar o ponto central: “Como é possível dizer sim à vida apesar de tudo isso?”.
Entre um impulso externo e nossa resposta, mesmo nas condições mais adversas, sempre será possível encontrar uma força interior para uma reação propositiva, generosa, arejada. Independentemente do que a vida nos oferecer, sempre poderemos carregar algum otimismo diante da tragédia. O potencial humano permite transformar o sofrimento em conquista e realização pessoal, extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor, fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações responsáveis. Talvez este seja o grande sentido da vida: devolver-lhe com responsabilidade aquilo que ela nos traz.
Eu cresci tomado de otimismo pela arrumação da casa (ou seria do país?) a partir do Plano Real, da Lei de Responsabilidade Fiscal, do saneamento dos bancos estaduais, do sistema de metas de inflação. O governo FHC arrumava o arcabouço institucional, macro e microeconômico brasileiro. O Lula 1 daria continuidade à boa gestão de política econômica, ampliando os gastos sociais a partir de um impulso externo derivado da melhora dos termos de troca e de um período de Grande Moderação internacional (baixa volatilidade do PIB, da inflação e dos juros lá fora).
Deixaríamos de ser o país do futuro, eternamente do futuro, para viver um presente melhor. Estaríamos condenados a um inexorável sucesso, alinhado ao tamanho da população, das riquezas naturais, do amplo mercado consumidor, da tradição democrática. Cumpriríamos de maneira honrada nossa posição entre o Brics. Alegria de pobre dura pouco. Logo caímos na Nova Matriz Econômica e na maior recessão da história republicana brasileira. Mais um impeachment e renda per capita estagnada por uma década. A produtividade dos fatores, grande responsável pelo desenvolvimento das nações, também está praticamente parada há 40 anos.
Estamos na iminência de comemorar os 200 anos da Independência Nacional ainda em busca de uma identidade própria. O que nos distingue do resto, nos é essencialmente identitário? Seria a Visão do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda, mero oásis a ser explorado pelos colonos? Ou nossa melhor representação seria o Manifesto Antropofágico e nosso herói Macunaíma, duplamente preguiçoso?
Olhamos para uma eleição polarizada, em que cada um dos lados parece mais preocupado em diminuir o outro. O ambiente internacional é complexo e exigiria lideranças focadas em realizar as ofertas estruturantes necessárias ao aumento da produtividade brasileira. A questão, essencial para voltarmos a crescer e perseguirmos igualdade de oportunidades, parece bastante alijada do debate.
Seria possível manter algum otimismo em meio à tragédia de populismo e líderes personalistas de ambos os lados? Talvez por expectativas ingênuas ou falsas esperanças, típicas de um empreendedor, entendo que sim. O Brasil parece bem posicionado diante de outros mercados emergentes. Primeiro, por demérito alheio. Entre os países do Brics, a Rússia não está propriamente em seu melhor momento. A Índia está cara, e próxima da Rússia. A China é complexa, pouco transparente e muito intervencionista. Até a pior das democracias é superior à melhor das autocracias. Também estamos mais avançados no ciclo de aperto monetário perante os demais países. Muito possivelmente, inclusive, já batemos o pico da taxa Selic, enquanto boa parte do resto do mundo está no estágio inicial da elevação de suas taxas de juro.
Os dados da economia brasileira, no geral, têm apresentado uma dinâmica mais favorável do que se supunha. Se no começo do ano chegou a ser cogitada uma contração do PIB superior a 1% em 2022, agora as projeções convergem para um crescimento de mais de 2%. E caminhamos para um superávit primário num ano eleitoral. Claro que sempre haverá ponderações: parte deriva do bom momento das commodities, uma parcela advém da antecipação do PIB por meio do populismo fiscal, outro naco provém da defasagem dos efeitos da política monetária. Respeito cada um dos pontos. Mas, como diria um gestor famoso: “Quem ganha ganha; quem perde explica”.
Sobre as eleições, a subida de Jair Bolsonaro nas pesquisas tem sido bem-recebida pelos mercados, em especial pelas estatais, cuja performance recente é bastante boa. A tendência, inclusive, é de crescimento adicional do presidente nas intenções de voto, conforme as próximas pesquisas capturem os efeitos da PEC das Bondades. Isso pode fazer preço adicional nos ativos de risco brasileiros, como, aliás, já tem feito. Ao mesmo tempo, a candidatura do ex-presidente Lula emite sinais mais contundentes sobre a possibilidade de realizar um governo de centro. Gosto dos ativos de risco brasileiros no momento atual. Também por uma questão de valuation: o Ibovespa negocia a cerca de dois desvios-padrão abaixo de sua média histórica de múltiplos e com prêmio de risco sobre a renda fixa alinhado às máximas históricas. Isso contraria o observado no exterior. Apesar da volatilidade, o rali recente dos ativos de risco brasileiros pode representar o início de um ciclo mais longo. A combinação de valuation atraente, melhora do newsflow (fluxo de notícias e indicadores surpreendente) e posição técnica favorável (a recuperação das cotações pode ser trigger importante para a interrupção do fluxo de resgates nos fundos de ações, invertendo uma dinâmica de vários meses) talvez abra caminho para sua própria independência financeira, leitor. Vamos agir com responsabilidade perante o sentido da vida.
A ideia do otimismo trágico não é original. Aliás, desconfio que, se você se acha original, apenas não leu o suficiente. O psicoterapeuta Viktor Frankl, famoso por ter sobrevivido a quatro campos de concentração, apresentou a expressão no super-best-seller Em Busca de Sentido. A proposta se refere à capacidade de resistir e manter-se otimista apesar de uma “tríade trágica” inerente à existência humana, representada por dor, culpa e morte. Ele mesmo propõe uma pergunta capaz de sintetizar o ponto central: “Como é possível dizer sim à vida apesar de tudo isso?”.
Entre um impulso externo e nossa resposta, mesmo nas condições mais adversas, sempre será possível encontrar uma força interior para uma reação propositiva, generosa, arejada. Independentemente do que a vida nos oferecer, sempre poderemos carregar algum otimismo diante da tragédia. O potencial humano permite transformar o sofrimento em conquista e realização pessoal, extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor, fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações responsáveis. Talvez este seja o grande sentido da vida: devolver-lhe com responsabilidade aquilo que ela nos traz.
Eu cresci tomado de otimismo pela arrumação da casa (ou seria do país?) a partir do Plano Real, da Lei de Responsabilidade Fiscal, do saneamento dos bancos estaduais, do sistema de metas de inflação. O governo FHC arrumava o arcabouço institucional, macro e microeconômico brasileiro. O Lula 1 daria continuidade à boa gestão de política econômica, ampliando os gastos sociais a partir de um impulso externo derivado da melhora dos termos de troca e de um período de Grande Moderação internacional (baixa volatilidade do PIB, da inflação e dos juros lá fora).
Deixaríamos de ser o país do futuro, eternamente do futuro, para viver um presente melhor. Estaríamos condenados a um inexorável sucesso, alinhado ao tamanho da população, das riquezas naturais, do amplo mercado consumidor, da tradição democrática. Cumpriríamos de maneira honrada nossa posição entre o Brics. Alegria de pobre dura pouco. Logo caímos na Nova Matriz Econômica e na maior recessão da história republicana brasileira. Mais um impeachment e renda per capita estagnada por uma década. A produtividade dos fatores, grande responsável pelo desenvolvimento das nações, também está praticamente parada há 40 anos.
Estamos na iminência de comemorar os 200 anos da Independência Nacional ainda em busca de uma identidade própria. O que nos distingue do resto, nos é essencialmente identitário? Seria a Visão do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda, mero oásis a ser explorado pelos colonos? Ou nossa melhor representação seria o Manifesto Antropofágico e nosso herói Macunaíma, duplamente preguiçoso?
Olhamos para uma eleição polarizada, em que cada um dos lados parece mais preocupado em diminuir o outro. O ambiente internacional é complexo e exigiria lideranças focadas em realizar as ofertas estruturantes necessárias ao aumento da produtividade brasileira. A questão, essencial para voltarmos a crescer e perseguirmos igualdade de oportunidades, parece bastante alijada do debate.
Seria possível manter algum otimismo em meio à tragédia de populismo e líderes personalistas de ambos os lados? Talvez por expectativas ingênuas ou falsas esperanças, típicas de um empreendedor, entendo que sim. O Brasil parece bem posicionado diante de outros mercados emergentes. Primeiro, por demérito alheio. Entre os países do Brics, a Rússia não está propriamente em seu melhor momento. A Índia está cara, e próxima da Rússia. A China é complexa, pouco transparente e muito intervencionista. Até a pior das democracias é superior à melhor das autocracias. Também estamos mais avançados no ciclo de aperto monetário perante os demais países. Muito possivelmente, inclusive, já batemos o pico da taxa Selic, enquanto boa parte do resto do mundo está no estágio inicial da elevação de suas taxas de juro.
Os dados da economia brasileira, no geral, têm apresentado uma dinâmica mais favorável do que se supunha. Se no começo do ano chegou a ser cogitada uma contração do PIB superior a 1% em 2022, agora as projeções convergem para um crescimento de mais de 2%. E caminhamos para um superávit primário num ano eleitoral. Claro que sempre haverá ponderações: parte deriva do bom momento das commodities, uma parcela advém da antecipação do PIB por meio do populismo fiscal, outro naco provém da defasagem dos efeitos da política monetária. Respeito cada um dos pontos. Mas, como diria um gestor famoso: “Quem ganha ganha; quem perde explica”.
Sobre as eleições, a subida de Jair Bolsonaro nas pesquisas tem sido bem-recebida pelos mercados, em especial pelas estatais, cuja performance recente é bastante boa. A tendência, inclusive, é de crescimento adicional do presidente nas intenções de voto, conforme as próximas pesquisas capturem os efeitos da PEC das Bondades. Isso pode fazer preço adicional nos ativos de risco brasileiros, como, aliás, já tem feito. Ao mesmo tempo, a candidatura do ex-presidente Lula emite sinais mais contundentes sobre a possibilidade de realizar um governo de centro. Gosto dos ativos de risco brasileiros no momento atual. Também por uma questão de valuation: o Ibovespa negocia a cerca de dois desvios-padrão abaixo de sua média histórica de múltiplos e com prêmio de risco sobre a renda fixa alinhado às máximas históricas. Isso contraria o observado no exterior. Apesar da volatilidade, o rali recente dos ativos de risco brasileiros pode representar o início de um ciclo mais longo. A combinação de valuation atraente, melhora do newsflow (fluxo de notícias e indicadores surpreendente) e posição técnica favorável (a recuperação das cotações pode ser trigger importante para a interrupção do fluxo de resgates nos fundos de ações, invertendo uma dinâmica de vários meses) talvez abra caminho para sua própria independência financeira, leitor. Vamos agir com responsabilidade perante o sentido da vida.