Exame Logo

Reconstruindo o Botafogo, CEO Jorge Braga traz ao Futebol um choque vital

Em entrevista exclusiva, Executivo vindo do mundo corporativo mostra que é tão possível quanto fundamental ao futebol a gestão baseada em razão

(Vitor Silva/Botafogo/Divulgação)
VL

Vinicius Lordello

Publicado em 24 de setembro de 2021 às 09h54.

Última atualização em 24 de setembro de 2021 às 09h55.

Anunciado em março deste ano, Jorge Braga chegou para ser o CEO do Botafogo amparado por toda a equipe montada pelo presidente eleito Durcesio Mello. O economista veio do mundo corporativo com trabalhos de sucesso em empresas como Nextel e Embratel. Conhecido por provocar choques de cultura no ambiente de trabalho, tem resultados consideráveis em planejamentos estratégicos e na criação de novos negócios – também já foi conselheiro de companhias gigantes como a Citibak e a Dasa Digital.

O executivo chegou a liderar uma unidade de negócios e geriu uma execução que começou praticamente do zero e faturou quase R$ 1 bilhão. Ao que tudo indica, o Botafogo trouxe o cara, como ele mesmo foi chamado após sua chegada ao clube, “o craque”. Vive hoje, porém, em um mundo completamente diferente: o futebol.

Braga chegou clube ao para gerir, impor suas ideias, participar diretamente das decisões estratégicas e financeiras do Botafogo. Com vasta experiência em otimização e resgate de marcas, ele vai, aos poucos, mostrando os resultados – dentro e fora de campo. E o Esporte Executivo teve o prazer de entrevistá-lo, onde o executivo pôde falar sobre o seu perfil de gestão, seus ideais e o que ele espera para o futuro do Botafogo. Uma das melhores conversas já feitas por aqui, graças a enorme visão e competência do CEO botafoguense. Abaixo, o vídeo completo e na sequência a entrevista na íntegra!

 

Você tem uma grande experiência no universo corporativo e chega para o segmento esportivo que, no Brasil, ainda tem uma defasagem administrativa. Como foi esse impacto como profissional?

Acompanhei nos últimos anos alguns mercados se transformarem. Na dinâmica de ponto de venda, para a dinâmica digital, eu estou convencido de que o mercado do futebol está chegando nesse ponto de inflexão. O mercado, como a gente conhece, vai mudar. Primeiro, é o esgarçamento da questão da gestão. Quando o maior clube do planeta não consegue renovar com seu ídolo mais famoso por uma questão financeira, a mensagem é clara: a paixão só pelo futebol não viabiliza mais. Segundo, todos os mercados têm ligas. A liga além de negociar melhor os direitos esportivos, também obriga o financeiro, transparência, gestão e controles de todos os clubes que participam. Além disso, tem uma questão do endividamento dos clubes brasileiros. Não é mais uma questão individual do clube A ao clube D, claramente o modelo de negócio do futebol no Brasil está sofrendo uma transformação.

Mas o futebol brasileiro de alguma forma foi desenhado para que essa dívida chegasse no patamar que está, não foi por acaso.

Não, foi quase estratégico. Quando eu não trabalhava no futebol, a minha surpresa era como uma marca recebe para estar na mídia? Porque em outros mercados você paga para estar na televisão. É como é que uma marca que recebe para se exibir e estar na mídia, consegue ter um problema financeiro? Acho que é uma combinação de modelo de negócio, por exemplo, os custos do negócio do futebol tem aumentado. Ou seja, o valor do passe dos jogadores está aumentado em euros, e as receitas do futebol brasileiro são em reais. Então tem uma diferença grande entre custos e receitas. Segundo, existe uma concentração dos direitos de transmissão para alguns clubes, isso é outra coisa interessante quando você vê as grandes ligas no mundo. A diferença de receita de dinheiro que o clube campeão recebe da liga, e o último colocado, é de três vezes o valor (de transmissão) em outras ligas. No Brasil chega a ser quinze vezes de diferença. Acho também que, a paixão do futebol permeia mais o negócio do que poderia. Decisões mais intuitivas, mais apaixonadas – que são naturais quando você é torcedor – ficam deslocadas quando você olha como gestor. Então é verdade que, hoje, boa parte dos times no Brasil tem problema financeiro. Não é mais uma questão individual e, a quantidade dinheiro fora no mundo é muito grande. No sentido de ter novos negócios e aportes, nós temos um novo marco regulatório: a lei da SA do futebol. Uma lei que permite apartar os ativos do futebol e te obriga a dar controle, gestão, transparência e iniciativa. Mas o nível de endividamento grande, ou seja, o modelo de negócio está se esgotando e vai obrigar uma transformação do futebol brasileiro.

No esporte brasileira, os executivos observavam a governança como um obstáculo e não como uma plataforma de ajuda para a gestão. Porque não é fácil ter bons modelos e boas regras de governança, mas ajuda na gestão.

Ajuda, porém, dá trabalho estabelecer uma gestão. No Botafogo a gente não contrata serviço que não seja através de uma oferta pública. Ou seja, você vai avaliar como vai escolher esse fornecedor e isso dá trabalho. O resultado dele ao longo do tempo é muito bom, porque você traz a melhor proposta, não tem favorecimento e é uma gestão transparente. Trazem melhores resultados financeiros, que acabam se transformando em resultados desportivos. Mas não acontece no mesmo momento e, às vezes, a pressão do resultado daquele ano e daquela gestão é visto como um problema. Esse é o primeiro ponto. Segundo, é que nós estamos falando de mudança de cultura. E a coisa mais difícil que tem é mudar uma cultura. Ela é profunda e demorada, é necessário mudar a cabeça, hábitos e fazer escolhas difíceis na hora que você sabe que está com o dinheiro apertado. Mas, se você tem uma equação financeira e surge a oportunidade de um jogador que a torcida adoraria, essa hora é que separa a intenção dos fatos. Você toma a decisão. Eu vou contratar e amanhã a gente vê como paga, fazemos uma ação ou eu priorizo a responsabilidade da administração, que é uma questão cultural. Alguns clubes vão se transformar muito rapidamente, outros vão demorar um pouco mais, tem que ver o perfil de cada um.

E não significa que o olhar pragmático também não possa contemplar oportunidades que transbordem as questões numéricas. Então, talvez apareça uma oportunidade incrível, essa oportunidade reverbera em questões institucionais, de imagem e marketing. Não é que você trabalha só um número, mas também é preciso um olhar responsável.

Sem dúvida. Eu diria que o futebol jamais será 100% razão, porque não seria futebol; mas não pode ser 100% paixão. Então, parte do desafio do Botafogo tem sido ter instrumentos, ferramentas e números de gestão que ajudem em uma boa decisão. Na questão do jogador, ele é adorado pela torcida, certo? Mas vamos lá, quais são os números de performance dele? Qual é o valor desse atleta? E se eu trouxer ou não, pode destravar um patrocínio ou outro mecanismo de sócio torcedor? Quais são os números e as contas que vem junto com essa decisão de performance esportiva, tanto individual, quanto do grupo? Quanto a estratégia de para os próximos meses, se vai subir ou não. Qual é o modelo de negócio? Quando você consegue juntar esses indicadores em cima da mesa, a decisão fica menos intuitiva e mais analítica. Então, eu acho que esse é o desafio. Vai ter sempre paixão, mas ela precisa ser bem ancorada em fatos.

Quero falar da sua decisão, porque você olha para um clube como Botafogo que tem uma história incrível, mas que não vive seu melhor momento financeiro, nem o melhor momento esportivo. E você veio do universo corporativo, focado justamente nessa transformação e recuperação de marcas em valores. O Botafogo, para te contratar, fez um processo seletivo. Ali você já percebeu que tinha um olhar diferente da nova gestão? Como foi essa decisão de entrar para o futebol? E como você consegue olhar para esses primeiros seis meses de clube, diante da decisão tomada?

-(Vitor Silva/Botafogo/Divulgação)

Esse é o meu assunto preferido, porque eu olhava de fora e achava o Botafogo um belíssimo ativo. Mas muito mal precificado. É gigantesco, tanto de colaboração de base como na formação de atletas, e o clube tem uma percepção fora do Brasil que é surpreendente. O nível de reconhecimento da camisa (é enorme). É um clube muito querido, não só no Brasil, e sua torcida é apaixonada. E outras torcidas também têm muita simpatia com o Botafogo. O clube tem seis sedes, um estádio e tem um esforço para fazer um uma base e um centro de treinamento. Essa é a marca do Botafogo. Com essa transformação do mercado brasileiro, eu queria fazer parte disso, o meu histórico profissional são de processos de transformações, eu gosto de uma confusão. Reconstruir. Eu tenho uma alegria enorme de despejar essa energia nesse processo. Eu vim para o futebol porque acredito que vai ser um novo futebol. Então, essa é a oportunidade que eu vi, o Botafogo, um belíssimo produto. Até porque, não começou com a minha chegada. O clube vem discutindo a questão do Botafogo SA há dois anos. Em dezembro, no final de 2019, o conselho e a assembleia aprovaram um projeto que era exatamente apartar os ativos do futebol, captar recursos para enfrentar a dívida e investir no clube que é exatamente o conceito da SAF. Então, nesse sentido tanto o clube quanto seus torcedores e conselheiros, vem discutindo esse tema há mais tempo e estão mais prontos para essa decisão, inclusive, o Botafogo aprovou em conselho. O clube sempre entendeu que tinham dois tipos de dinheiro e de investidores desse problema. Um que vem e ajuda emprestando dinheiro para estruturar a dívida, que é um perfil de conjunto de garantias diferentes, que tem segurança e que exige uma taxa de retorno maior. E existe um outro produto, que é uma startup do futebol, que a SAF representa. É uma empresa estruturada, limpa, saneada, onde os ativos vão ser colocados. E esse outro dinheiro, de risco, mais apaixonado de quem está investindo. No entanto, essa visão tem duas fontes de financiamento distintas, o Botafogo já tinha. Qualquer tese de investimento, ela tem que ser crível. Em qualquer lugar, a primeira pergunta é: você acha que é viável? O que você já fez? Quem é que está tocando esse negócio? Qual é a experiência que esse time tem? E nesses últimos seis meses o Botafogo fez de fato uma mudança em todos os grandes indicadores financeiros. Começamos colocando um balanço na rua, sem ressalva de auditoria e com absoluta transparência dos problemas. O que era dívida, quais são as dificuldades e como era o resultado. A gente passou por aprovar no Conselho um orçamento deficitário. É natural um clube ir para o Conselho, aprovar um orçamento que ele não tem certeza de que vai acontecer. É lindo no papel. Demos toda a má notícia de uma vez: “Esse é o quadro, está feio, mas tem alternativa”. E tivemos a coragem de discutir esse problema na frente. A gente aprovou o orçamento que, apesar de dar prejuízo, comparado com o ano passado, o Botafogo tem menos de R$ 70 milhões de receitas de transmissão, como caiu para série B, diminuiu o valor, e apesar de não termos esse montante, nós estamos entregando um resultado de R$ 70 milhões melhor do que o ano anterior. É o resultado de uma redução de custo brutal, fazer muito mais com menos.

Para essa entrega, é fundamental uma redução de custo, porque você está trabalhando com reorganização e maximização de receita. Mas, para o curto prazo, você precisa ter um foco maior em reduzir, porque nas receitas você vai buscar um dinheiro novo e não necessariamente esse dinheiro é no curto prazo. Então nas despesas você precisa cortar e enxugar rapidamente. Como é o trabalho nesse sentido?

Na verdade, esses são movimentos combinados. A primeira, é o choque de controles, que passa por parar o sangramento do caixa, a centralização de processos, reduzir desperdícios e repactuação de dívidas. Segundo, é arrumar a casa em relação às receitas e despesas. Você não pode gastar 110% da sua receita com folha de atleta. Então, existe uma relação saudável, você não pode ter um clube onde o seu BackOffice é maior do que o investimento no seu escopo técnico. Na sequência você tem dois grandes blocos para mexer, reestruturação de dívida e captação de dinheiro novo, então nós estamos exatamente nessa fase. Os dois primeiros já aconteceram e temos uma clara demonstração de gestão, agora novas receitas estão chegando. O nosso e-commerce esse mês (setembro), vendeu doze vezes o que vendeu em 2019, ou seja, em uma nova estratégia eu vendi tanto quanto o ano inteiro de 2019.

Credibilidade é um ativo intangível e fundamental. Credibilidade vende, as pessoas não acreditam, mas credibilidade vende. O torcedor quando sabe para onde está indo o dinheiro dele, pode até não ter a melhor estratégia do mundo, mas se tem transparência, ele compra até com mais prazer.

Acreditamos totalmente nisso. Crédito vem de credibilidade. Acreditar no que você vai entregar. É exatamente isso que vemos fazendo, um choque de credibilidade, gestão, com as melhores práticas e os números estão aparecendo. Esse orçamento com prejuízo que aprovamos início do ano, vemos cumprindo à risca, nós estamos ligeiramente melhor do que prometemos. E nesse momento com o advento da SA, que dá segurança jurídica para essa nova lei no Brasil, achamos que de fato vamos atrair mais investimentos do que dois anos atrás. O Brasil está vivendo um momento de profissionalização, o advento da lei, o trabalho de casa que foi feito, então é quebrar uma cultura para criar uma espiral positiva e não negativa.

É uma cultura difícil de quebrar, porque não estamos falando de cultura de curto prazo, e sim de uma cultura enraizada...

Você tem razão. A necessidade ter uma gestão profissional, o Botafogo já verbalizava todas as correntes políticas, os conselheiros entendiam isso, mas poder criar a situação com esse conflito controlado, onde você muda a cultura, precisa de um patrocínio de altíssimo nível. E esse suporte político tem sido dado pelo Presidente do Durcesio Mello. Segundo, foi uma surpresa o material humano do Botafogo, tem gente muito competente. Também conseguimos trazer o Lenin, ex-CEO do Bahia. Então, tenho um time contábil financeiro que está acostumado com a reestruturação, juntamos essa série de variáveis positivas para poder fazer mais. Portanto, qual é o modelo mental que eu acredito? Fazer mais com menos. Isso não é intuitivo no futebol. Normalmente, para você ter mais resultados, você tem que investir mais. Na minha escola de gestão não é assim. Você negocia objetivos, estabelece indicadores e entrega recurso. Dá suporte, mas exige resultado. Nós reduzimos o futebol feminino em 30% o custo e ainda assim somos campeões cariocas. Reduzimos o custo do Remo em 40%, e a campanha do nosso remador (Lucas Verthein, nas Olimpíadas) é histórica. A folha salarial do Botafogo hoje, o valor médio por atleta está em torno de R$ 70 mil. Esse conceito de que você pode fazer mais com menos, que é uma questão de modelo mental de cultura, é o que eu considero a grande mudança. Tem que ser ponderado com a cultura. Você não pode aplicar um modelo de fora sem ajustes. Mas eu acho que isso é uma questão de tempo de chegar no Brasil. Nós não temos outro caminho, a realidade se impõe.

No seu desenho, você contempla uma recuperação esportiva, mas não deve ter condicionado isso a uma recuperação no curto prazo. Então, se o Botafogo voltar para primeira divisão vai ser incrível, mas precisa considerar a hipótese de que talvez não volte. Acha que pode ser um balde água fria no trabalho que está sendo desenvolvido?

Olha, às vezes a bola não entra. Ela bate na trave, mas quando entra não é por acaso. Então é como que eu enxergo esse modelo. Se você fizer tudo errado, tenho certeza de que vai dar errado. Mas se você fizer tudo certo, você não tem a garantia que vai dar certo, mas tem a chance de dar. E eu acho que no modelo brasileiro, ele é tão grande da série B para série A, que conseguir o acesso passou a ser uma questão estrutural. Mas eu posso subir em várias colocações. Posso ser o primeiro, segundo, terceiro e quarto. Então, a partir do quarto, o resultado financeiro é o mesmo. Essa sensibilidade pode escolher o melhor ponto de otimizar o modelo. Exemplo, para estar no meio da tabela da série A, qual é o tamanho da folha de um time do meio da tabela? R$ 10 milhões? Já para estar entre os três primeiros, ela passa para R$ 25 milhões e para chegar em primeiro lugar, ela precisa ser R$ 40 milhões. Então, existe uma ineficiência entre aspas em ser campeão. Para concorrer a prêmios e ser campeão em todas as competições, o nível de investimento é gigante. Você vê times no mundo que tem um modelo de negócio que é, estruturar a base. E temos o maior celeiro no Brasil. Custo do atleta em real, você exporta em euro. Você forma a sua base, cria valor. Existem clubes especializados em exportar talentos, e tem uma receita brutal com esse negócio. Isso é um modelo a longo prazo, mais controlado, de valor adicionado e que leva tempo. Você está criando valor. Existe outro modelo de negócio que é a alavancagem, compro o atleta pronto, invisto muito na folha salarial e tento ficar em primeiro lugar em todas as competições, que é um modelo diferente, imediatista e de muita alavancagem. Esses dois modelos são difíceis de conviver. Um time que seja campeão de investimento e de conquistar taças, dificilmente é o mesmo que faz o melhor trabalho de rentabilização de base. Então, existem vários posicionamentos de negócios possíveis no que a gente chamou de negócios do futebol e o Botafogo está escolhendo aquele que otimiza essa exposição.

Esse olhar de eficiência que você está trazendo é importante. Ter a consciência do gasto, você não vai nortear exclusivamente por ele, mas também não pode desconsiderar, correto?

Você tem que discutir qual é a estratégia possível ou adequada para o seu clube. Se coloca na posição de um presidente eleito. A pressão é ser campeão. Mas, ao mesmo tempo esse é um modelo ineficiente do ponto de vista financeiro. Gerir é estabelecer prioridades, quando você escolhe uma coisa você acaba renunciando da outra, então é exatamente essa decisão da gestão. Nós vamos escolher um caminho. Nós não temos muita dúvida de que 2021 é preciso subir. Porque com isso vem uma receita diferente. Logo, eu preciso organizar a casa e captar investimento para estruturar a dívida, que é gigante. Em 2022, depois do acesso, a gente vai sentar para discutir qual é o caminho mais eficiente para o Botafogo.

Quando você fala que, nesse momento, o objetivo é reorganizar casa, o torcedor pode aceitar ou não. A clareza de que você fala, essa transparência, é fundamental. Hoje, quando a gente conversa de uma forma inteligente (com o torcedor), explicando a estratégia, ele entende. Mas a entrega precisa ser proporcional à transparência sugerida, correto?

Essa é uma das novidades para quem não era do futebol. O nível de transparência e envolvimento. Porque normalmente em empresa privada, tem essa discussão com investidores e acionistas. Mas não com dez, trinta, quarenta milhões de participantes ativos dessa gestão. Então, por isso que ter uma gestão transparente, controlar a narrativa no sentido de dar a real do que está acontecendo e explicar, é fundamental para poder alinhar esses interesses. Até porque a gente vive uma época de transparência, propósito e verdade. Seria muita arrogância achar que alguém pode gerir alguma coisa de forma oculta sozinha ou pouco transparente, em tempos de transparência absoluta.

Você disse que encontrou material humano interessante no Botafogo, mas existe uma necessidade de reorientação de trabalho. Essa relação com os com todos os profissionais que envolvem o clube, e essa transparência que a gente está conversando com os torcedores, também precisou existir de alguma forma com os funcionários. Eu vi uma declaração sua de quando precisou fazer um enxugamento imediato de 20% no quadro. Como você tem esse apoio político em relação ao presidente e como funciona essa relação de transparência? Imagino que a maioria das pessoas que trabalham no clube, torçam para ele. Como é equilibrar isso com quem trabalha lá dentro?

É muito diferente, acho inclusive mais moderno, porque as organizações são voltadas a coletividade e o interesse do grupo. Existem lugares onde as pessoas estão infelizes ou por dinheiro, onde o modelo é só a recompensa financeira, mas isso está diminuindo, seja através das ONGs ou através da mobilização. E no clube você tem razão, isso é natural. A esmagadora maioria dos funcionários torce pelo Botafogo e é apaixonado pelo clube. Isso vale para comissão técnica, para a área de negócio e de recursos humanos. Acho que você consegue resultado através de pessoas e recursos. Então, de fato, fazendo uma meia culpa, eu acho que poderia ter contado mais rapidamente a confusão financeira que o Botafogo estava. “Não vamos contar porque os corredores podem apavorar”. Talvez se tivéssemos contado mais cedo a situação do Botafogo, eles tivessem entendido mais rapidamente o porquê da necessidade de corte e reestruturação. Segundo, é uma preocupação nossa como gestor permitir que as pessoas floresçam no trabalho. Seja como vocação ou performance. Então, para isso tem algumas regras que eu acho que fazem sentido. Primeiro, diminuir níveis hierárquicos. Nós não cortamos simplesmente as pessoas. Reestruturamos toda a parte administrativa, que é para dar chance de ter mais mobilidade e maior visibilidade dos talentos. A questão física, colocamos toda a parte administrativa em lugar só, um grande salão sem paredes, onde eu me sento também. E, por último, quando você declara um objetivo e mostra claramente quais são sacrifícios que você tem que fazer, os objetivos e prêmios, eles entendem o que tem por trás desse dessa necessidade e desse desafio. Então, você os mobiliza melhor. Em quarto, tem uma questão de perfil, os que trabalham comigo são pessoas que gostam muito de gente e talento. Eu sou muito focado em resultado e nós fazemos uma boa combinação. Então tem um trabalho que é invisível, reestruturação, cargos, salários, posicionamento e avaliação individual. Nesse time do Botafogo é normal a gente trocar a mensagem no meio da madrugada, então, o nível de entusiasmo das pessoas é gigante, especialmente quando você consegue mostrar. Aí quando o resultado esportivo vem junto, é só alegria.

Você redesenha o Botafogo para o médio e longo prazo. Qual a sua expectativa de acompanhar esse processo de trabalho? Você falou muito de cultura, logo, percebe dentro do clube uma reorganização de cultura? Para que isso siga com ou sem você, futuramente.

Junto com a com a transformação de cultura vem antes a transformação do modelo mental. E como qualquer ferramenta gerencial, tem um pequeno grupo de pessoas que jamais se acostuma com esse novo modelo. Eu acho que a perpetuidade vem pela mudança do modelo mental e da cultura. Um discurso do presidente que na prática o nosso também, tem um pouco da decisão de “eu adoraria ser campeão ano que vem, mas eu prefiro ajudar o Botafogo para as próximas décadas”. É o ato de você realmente deixar um legado. Então, não só eu, como quem trabalha comigo, com a própria visão do presidente, é que precisamos deixar um legado para esse modelo mental. Para que essa cultura e esse modo de gestão se perpetue, você precisa mudar o DNA. E acho que está acontecendo, inclusive, mais rapidamente do que eu esperava.

Onde você está hoje, era onde queria estar agora?

A minha natureza é aumentar a barra. De fato, eu tenho muita coisa para fazer, não está na hora de bater nas costas ainda. Mas os números, indicadores, a forma de pensar e agir mudou nos últimos cinco meses mudou muito. Eu me sinto escolhido, como dizem no Botafogo.

Para fechar, você falou muito sobre decisões racionais, certo? Dá para falar que a sua decisão pelo Botafogo, quando foi convidado, excluiu cem por cento o caráter emocional ou de alguma forma a emoção contribuiu para sua decisão?

Claro que contribuiu. Porque eu tenho pavor de desperdício, de gente talentosa que não é aproveitada, negócios que podiam ir melhor, talentos que não foram explorados… eu olhava de fora e achava uma grande injustiça, um grande desperdício. Um time com essa reputação, esse tamanho, essa placa, estivesse sofrendo tanto por coisas tão pequenas. Então, é claro que eu quero botar esse projeto na minha placa pessoal, quero fazer parte dessa transformação. Acho que o Botafogo será o mais evidente caso de transformação de clube grande, onde a gestão profissional transforma o resultado em campo e fora dele. Porque ele tem um tamanho grande, e não é um time pequeno, tem uma envergadura. Não é possível que um time como o Botafogo estivesse daquele jeito. E o futebol emociona, essa é a parte mais legal disso tudo.

 

Anunciado em março deste ano, Jorge Braga chegou para ser o CEO do Botafogo amparado por toda a equipe montada pelo presidente eleito Durcesio Mello. O economista veio do mundo corporativo com trabalhos de sucesso em empresas como Nextel e Embratel. Conhecido por provocar choques de cultura no ambiente de trabalho, tem resultados consideráveis em planejamentos estratégicos e na criação de novos negócios – também já foi conselheiro de companhias gigantes como a Citibak e a Dasa Digital.

O executivo chegou a liderar uma unidade de negócios e geriu uma execução que começou praticamente do zero e faturou quase R$ 1 bilhão. Ao que tudo indica, o Botafogo trouxe o cara, como ele mesmo foi chamado após sua chegada ao clube, “o craque”. Vive hoje, porém, em um mundo completamente diferente: o futebol.

Braga chegou clube ao para gerir, impor suas ideias, participar diretamente das decisões estratégicas e financeiras do Botafogo. Com vasta experiência em otimização e resgate de marcas, ele vai, aos poucos, mostrando os resultados – dentro e fora de campo. E o Esporte Executivo teve o prazer de entrevistá-lo, onde o executivo pôde falar sobre o seu perfil de gestão, seus ideais e o que ele espera para o futuro do Botafogo. Uma das melhores conversas já feitas por aqui, graças a enorme visão e competência do CEO botafoguense. Abaixo, o vídeo completo e na sequência a entrevista na íntegra!

 

Você tem uma grande experiência no universo corporativo e chega para o segmento esportivo que, no Brasil, ainda tem uma defasagem administrativa. Como foi esse impacto como profissional?

Acompanhei nos últimos anos alguns mercados se transformarem. Na dinâmica de ponto de venda, para a dinâmica digital, eu estou convencido de que o mercado do futebol está chegando nesse ponto de inflexão. O mercado, como a gente conhece, vai mudar. Primeiro, é o esgarçamento da questão da gestão. Quando o maior clube do planeta não consegue renovar com seu ídolo mais famoso por uma questão financeira, a mensagem é clara: a paixão só pelo futebol não viabiliza mais. Segundo, todos os mercados têm ligas. A liga além de negociar melhor os direitos esportivos, também obriga o financeiro, transparência, gestão e controles de todos os clubes que participam. Além disso, tem uma questão do endividamento dos clubes brasileiros. Não é mais uma questão individual do clube A ao clube D, claramente o modelo de negócio do futebol no Brasil está sofrendo uma transformação.

Mas o futebol brasileiro de alguma forma foi desenhado para que essa dívida chegasse no patamar que está, não foi por acaso.

Não, foi quase estratégico. Quando eu não trabalhava no futebol, a minha surpresa era como uma marca recebe para estar na mídia? Porque em outros mercados você paga para estar na televisão. É como é que uma marca que recebe para se exibir e estar na mídia, consegue ter um problema financeiro? Acho que é uma combinação de modelo de negócio, por exemplo, os custos do negócio do futebol tem aumentado. Ou seja, o valor do passe dos jogadores está aumentado em euros, e as receitas do futebol brasileiro são em reais. Então tem uma diferença grande entre custos e receitas. Segundo, existe uma concentração dos direitos de transmissão para alguns clubes, isso é outra coisa interessante quando você vê as grandes ligas no mundo. A diferença de receita de dinheiro que o clube campeão recebe da liga, e o último colocado, é de três vezes o valor (de transmissão) em outras ligas. No Brasil chega a ser quinze vezes de diferença. Acho também que, a paixão do futebol permeia mais o negócio do que poderia. Decisões mais intuitivas, mais apaixonadas – que são naturais quando você é torcedor – ficam deslocadas quando você olha como gestor. Então é verdade que, hoje, boa parte dos times no Brasil tem problema financeiro. Não é mais uma questão individual e, a quantidade dinheiro fora no mundo é muito grande. No sentido de ter novos negócios e aportes, nós temos um novo marco regulatório: a lei da SA do futebol. Uma lei que permite apartar os ativos do futebol e te obriga a dar controle, gestão, transparência e iniciativa. Mas o nível de endividamento grande, ou seja, o modelo de negócio está se esgotando e vai obrigar uma transformação do futebol brasileiro.

No esporte brasileira, os executivos observavam a governança como um obstáculo e não como uma plataforma de ajuda para a gestão. Porque não é fácil ter bons modelos e boas regras de governança, mas ajuda na gestão.

Ajuda, porém, dá trabalho estabelecer uma gestão. No Botafogo a gente não contrata serviço que não seja através de uma oferta pública. Ou seja, você vai avaliar como vai escolher esse fornecedor e isso dá trabalho. O resultado dele ao longo do tempo é muito bom, porque você traz a melhor proposta, não tem favorecimento e é uma gestão transparente. Trazem melhores resultados financeiros, que acabam se transformando em resultados desportivos. Mas não acontece no mesmo momento e, às vezes, a pressão do resultado daquele ano e daquela gestão é visto como um problema. Esse é o primeiro ponto. Segundo, é que nós estamos falando de mudança de cultura. E a coisa mais difícil que tem é mudar uma cultura. Ela é profunda e demorada, é necessário mudar a cabeça, hábitos e fazer escolhas difíceis na hora que você sabe que está com o dinheiro apertado. Mas, se você tem uma equação financeira e surge a oportunidade de um jogador que a torcida adoraria, essa hora é que separa a intenção dos fatos. Você toma a decisão. Eu vou contratar e amanhã a gente vê como paga, fazemos uma ação ou eu priorizo a responsabilidade da administração, que é uma questão cultural. Alguns clubes vão se transformar muito rapidamente, outros vão demorar um pouco mais, tem que ver o perfil de cada um.

E não significa que o olhar pragmático também não possa contemplar oportunidades que transbordem as questões numéricas. Então, talvez apareça uma oportunidade incrível, essa oportunidade reverbera em questões institucionais, de imagem e marketing. Não é que você trabalha só um número, mas também é preciso um olhar responsável.

Sem dúvida. Eu diria que o futebol jamais será 100% razão, porque não seria futebol; mas não pode ser 100% paixão. Então, parte do desafio do Botafogo tem sido ter instrumentos, ferramentas e números de gestão que ajudem em uma boa decisão. Na questão do jogador, ele é adorado pela torcida, certo? Mas vamos lá, quais são os números de performance dele? Qual é o valor desse atleta? E se eu trouxer ou não, pode destravar um patrocínio ou outro mecanismo de sócio torcedor? Quais são os números e as contas que vem junto com essa decisão de performance esportiva, tanto individual, quanto do grupo? Quanto a estratégia de para os próximos meses, se vai subir ou não. Qual é o modelo de negócio? Quando você consegue juntar esses indicadores em cima da mesa, a decisão fica menos intuitiva e mais analítica. Então, eu acho que esse é o desafio. Vai ter sempre paixão, mas ela precisa ser bem ancorada em fatos.

Quero falar da sua decisão, porque você olha para um clube como Botafogo que tem uma história incrível, mas que não vive seu melhor momento financeiro, nem o melhor momento esportivo. E você veio do universo corporativo, focado justamente nessa transformação e recuperação de marcas em valores. O Botafogo, para te contratar, fez um processo seletivo. Ali você já percebeu que tinha um olhar diferente da nova gestão? Como foi essa decisão de entrar para o futebol? E como você consegue olhar para esses primeiros seis meses de clube, diante da decisão tomada?

-(Vitor Silva/Botafogo/Divulgação)

Esse é o meu assunto preferido, porque eu olhava de fora e achava o Botafogo um belíssimo ativo. Mas muito mal precificado. É gigantesco, tanto de colaboração de base como na formação de atletas, e o clube tem uma percepção fora do Brasil que é surpreendente. O nível de reconhecimento da camisa (é enorme). É um clube muito querido, não só no Brasil, e sua torcida é apaixonada. E outras torcidas também têm muita simpatia com o Botafogo. O clube tem seis sedes, um estádio e tem um esforço para fazer um uma base e um centro de treinamento. Essa é a marca do Botafogo. Com essa transformação do mercado brasileiro, eu queria fazer parte disso, o meu histórico profissional são de processos de transformações, eu gosto de uma confusão. Reconstruir. Eu tenho uma alegria enorme de despejar essa energia nesse processo. Eu vim para o futebol porque acredito que vai ser um novo futebol. Então, essa é a oportunidade que eu vi, o Botafogo, um belíssimo produto. Até porque, não começou com a minha chegada. O clube vem discutindo a questão do Botafogo SA há dois anos. Em dezembro, no final de 2019, o conselho e a assembleia aprovaram um projeto que era exatamente apartar os ativos do futebol, captar recursos para enfrentar a dívida e investir no clube que é exatamente o conceito da SAF. Então, nesse sentido tanto o clube quanto seus torcedores e conselheiros, vem discutindo esse tema há mais tempo e estão mais prontos para essa decisão, inclusive, o Botafogo aprovou em conselho. O clube sempre entendeu que tinham dois tipos de dinheiro e de investidores desse problema. Um que vem e ajuda emprestando dinheiro para estruturar a dívida, que é um perfil de conjunto de garantias diferentes, que tem segurança e que exige uma taxa de retorno maior. E existe um outro produto, que é uma startup do futebol, que a SAF representa. É uma empresa estruturada, limpa, saneada, onde os ativos vão ser colocados. E esse outro dinheiro, de risco, mais apaixonado de quem está investindo. No entanto, essa visão tem duas fontes de financiamento distintas, o Botafogo já tinha. Qualquer tese de investimento, ela tem que ser crível. Em qualquer lugar, a primeira pergunta é: você acha que é viável? O que você já fez? Quem é que está tocando esse negócio? Qual é a experiência que esse time tem? E nesses últimos seis meses o Botafogo fez de fato uma mudança em todos os grandes indicadores financeiros. Começamos colocando um balanço na rua, sem ressalva de auditoria e com absoluta transparência dos problemas. O que era dívida, quais são as dificuldades e como era o resultado. A gente passou por aprovar no Conselho um orçamento deficitário. É natural um clube ir para o Conselho, aprovar um orçamento que ele não tem certeza de que vai acontecer. É lindo no papel. Demos toda a má notícia de uma vez: “Esse é o quadro, está feio, mas tem alternativa”. E tivemos a coragem de discutir esse problema na frente. A gente aprovou o orçamento que, apesar de dar prejuízo, comparado com o ano passado, o Botafogo tem menos de R$ 70 milhões de receitas de transmissão, como caiu para série B, diminuiu o valor, e apesar de não termos esse montante, nós estamos entregando um resultado de R$ 70 milhões melhor do que o ano anterior. É o resultado de uma redução de custo brutal, fazer muito mais com menos.

Para essa entrega, é fundamental uma redução de custo, porque você está trabalhando com reorganização e maximização de receita. Mas, para o curto prazo, você precisa ter um foco maior em reduzir, porque nas receitas você vai buscar um dinheiro novo e não necessariamente esse dinheiro é no curto prazo. Então nas despesas você precisa cortar e enxugar rapidamente. Como é o trabalho nesse sentido?

Na verdade, esses são movimentos combinados. A primeira, é o choque de controles, que passa por parar o sangramento do caixa, a centralização de processos, reduzir desperdícios e repactuação de dívidas. Segundo, é arrumar a casa em relação às receitas e despesas. Você não pode gastar 110% da sua receita com folha de atleta. Então, existe uma relação saudável, você não pode ter um clube onde o seu BackOffice é maior do que o investimento no seu escopo técnico. Na sequência você tem dois grandes blocos para mexer, reestruturação de dívida e captação de dinheiro novo, então nós estamos exatamente nessa fase. Os dois primeiros já aconteceram e temos uma clara demonstração de gestão, agora novas receitas estão chegando. O nosso e-commerce esse mês (setembro), vendeu doze vezes o que vendeu em 2019, ou seja, em uma nova estratégia eu vendi tanto quanto o ano inteiro de 2019.

Credibilidade é um ativo intangível e fundamental. Credibilidade vende, as pessoas não acreditam, mas credibilidade vende. O torcedor quando sabe para onde está indo o dinheiro dele, pode até não ter a melhor estratégia do mundo, mas se tem transparência, ele compra até com mais prazer.

Acreditamos totalmente nisso. Crédito vem de credibilidade. Acreditar no que você vai entregar. É exatamente isso que vemos fazendo, um choque de credibilidade, gestão, com as melhores práticas e os números estão aparecendo. Esse orçamento com prejuízo que aprovamos início do ano, vemos cumprindo à risca, nós estamos ligeiramente melhor do que prometemos. E nesse momento com o advento da SA, que dá segurança jurídica para essa nova lei no Brasil, achamos que de fato vamos atrair mais investimentos do que dois anos atrás. O Brasil está vivendo um momento de profissionalização, o advento da lei, o trabalho de casa que foi feito, então é quebrar uma cultura para criar uma espiral positiva e não negativa.

É uma cultura difícil de quebrar, porque não estamos falando de cultura de curto prazo, e sim de uma cultura enraizada...

Você tem razão. A necessidade ter uma gestão profissional, o Botafogo já verbalizava todas as correntes políticas, os conselheiros entendiam isso, mas poder criar a situação com esse conflito controlado, onde você muda a cultura, precisa de um patrocínio de altíssimo nível. E esse suporte político tem sido dado pelo Presidente do Durcesio Mello. Segundo, foi uma surpresa o material humano do Botafogo, tem gente muito competente. Também conseguimos trazer o Lenin, ex-CEO do Bahia. Então, tenho um time contábil financeiro que está acostumado com a reestruturação, juntamos essa série de variáveis positivas para poder fazer mais. Portanto, qual é o modelo mental que eu acredito? Fazer mais com menos. Isso não é intuitivo no futebol. Normalmente, para você ter mais resultados, você tem que investir mais. Na minha escola de gestão não é assim. Você negocia objetivos, estabelece indicadores e entrega recurso. Dá suporte, mas exige resultado. Nós reduzimos o futebol feminino em 30% o custo e ainda assim somos campeões cariocas. Reduzimos o custo do Remo em 40%, e a campanha do nosso remador (Lucas Verthein, nas Olimpíadas) é histórica. A folha salarial do Botafogo hoje, o valor médio por atleta está em torno de R$ 70 mil. Esse conceito de que você pode fazer mais com menos, que é uma questão de modelo mental de cultura, é o que eu considero a grande mudança. Tem que ser ponderado com a cultura. Você não pode aplicar um modelo de fora sem ajustes. Mas eu acho que isso é uma questão de tempo de chegar no Brasil. Nós não temos outro caminho, a realidade se impõe.

No seu desenho, você contempla uma recuperação esportiva, mas não deve ter condicionado isso a uma recuperação no curto prazo. Então, se o Botafogo voltar para primeira divisão vai ser incrível, mas precisa considerar a hipótese de que talvez não volte. Acha que pode ser um balde água fria no trabalho que está sendo desenvolvido?

Olha, às vezes a bola não entra. Ela bate na trave, mas quando entra não é por acaso. Então é como que eu enxergo esse modelo. Se você fizer tudo errado, tenho certeza de que vai dar errado. Mas se você fizer tudo certo, você não tem a garantia que vai dar certo, mas tem a chance de dar. E eu acho que no modelo brasileiro, ele é tão grande da série B para série A, que conseguir o acesso passou a ser uma questão estrutural. Mas eu posso subir em várias colocações. Posso ser o primeiro, segundo, terceiro e quarto. Então, a partir do quarto, o resultado financeiro é o mesmo. Essa sensibilidade pode escolher o melhor ponto de otimizar o modelo. Exemplo, para estar no meio da tabela da série A, qual é o tamanho da folha de um time do meio da tabela? R$ 10 milhões? Já para estar entre os três primeiros, ela passa para R$ 25 milhões e para chegar em primeiro lugar, ela precisa ser R$ 40 milhões. Então, existe uma ineficiência entre aspas em ser campeão. Para concorrer a prêmios e ser campeão em todas as competições, o nível de investimento é gigante. Você vê times no mundo que tem um modelo de negócio que é, estruturar a base. E temos o maior celeiro no Brasil. Custo do atleta em real, você exporta em euro. Você forma a sua base, cria valor. Existem clubes especializados em exportar talentos, e tem uma receita brutal com esse negócio. Isso é um modelo a longo prazo, mais controlado, de valor adicionado e que leva tempo. Você está criando valor. Existe outro modelo de negócio que é a alavancagem, compro o atleta pronto, invisto muito na folha salarial e tento ficar em primeiro lugar em todas as competições, que é um modelo diferente, imediatista e de muita alavancagem. Esses dois modelos são difíceis de conviver. Um time que seja campeão de investimento e de conquistar taças, dificilmente é o mesmo que faz o melhor trabalho de rentabilização de base. Então, existem vários posicionamentos de negócios possíveis no que a gente chamou de negócios do futebol e o Botafogo está escolhendo aquele que otimiza essa exposição.

Esse olhar de eficiência que você está trazendo é importante. Ter a consciência do gasto, você não vai nortear exclusivamente por ele, mas também não pode desconsiderar, correto?

Você tem que discutir qual é a estratégia possível ou adequada para o seu clube. Se coloca na posição de um presidente eleito. A pressão é ser campeão. Mas, ao mesmo tempo esse é um modelo ineficiente do ponto de vista financeiro. Gerir é estabelecer prioridades, quando você escolhe uma coisa você acaba renunciando da outra, então é exatamente essa decisão da gestão. Nós vamos escolher um caminho. Nós não temos muita dúvida de que 2021 é preciso subir. Porque com isso vem uma receita diferente. Logo, eu preciso organizar a casa e captar investimento para estruturar a dívida, que é gigante. Em 2022, depois do acesso, a gente vai sentar para discutir qual é o caminho mais eficiente para o Botafogo.

Quando você fala que, nesse momento, o objetivo é reorganizar casa, o torcedor pode aceitar ou não. A clareza de que você fala, essa transparência, é fundamental. Hoje, quando a gente conversa de uma forma inteligente (com o torcedor), explicando a estratégia, ele entende. Mas a entrega precisa ser proporcional à transparência sugerida, correto?

Essa é uma das novidades para quem não era do futebol. O nível de transparência e envolvimento. Porque normalmente em empresa privada, tem essa discussão com investidores e acionistas. Mas não com dez, trinta, quarenta milhões de participantes ativos dessa gestão. Então, por isso que ter uma gestão transparente, controlar a narrativa no sentido de dar a real do que está acontecendo e explicar, é fundamental para poder alinhar esses interesses. Até porque a gente vive uma época de transparência, propósito e verdade. Seria muita arrogância achar que alguém pode gerir alguma coisa de forma oculta sozinha ou pouco transparente, em tempos de transparência absoluta.

Você disse que encontrou material humano interessante no Botafogo, mas existe uma necessidade de reorientação de trabalho. Essa relação com os com todos os profissionais que envolvem o clube, e essa transparência que a gente está conversando com os torcedores, também precisou existir de alguma forma com os funcionários. Eu vi uma declaração sua de quando precisou fazer um enxugamento imediato de 20% no quadro. Como você tem esse apoio político em relação ao presidente e como funciona essa relação de transparência? Imagino que a maioria das pessoas que trabalham no clube, torçam para ele. Como é equilibrar isso com quem trabalha lá dentro?

É muito diferente, acho inclusive mais moderno, porque as organizações são voltadas a coletividade e o interesse do grupo. Existem lugares onde as pessoas estão infelizes ou por dinheiro, onde o modelo é só a recompensa financeira, mas isso está diminuindo, seja através das ONGs ou através da mobilização. E no clube você tem razão, isso é natural. A esmagadora maioria dos funcionários torce pelo Botafogo e é apaixonado pelo clube. Isso vale para comissão técnica, para a área de negócio e de recursos humanos. Acho que você consegue resultado através de pessoas e recursos. Então, de fato, fazendo uma meia culpa, eu acho que poderia ter contado mais rapidamente a confusão financeira que o Botafogo estava. “Não vamos contar porque os corredores podem apavorar”. Talvez se tivéssemos contado mais cedo a situação do Botafogo, eles tivessem entendido mais rapidamente o porquê da necessidade de corte e reestruturação. Segundo, é uma preocupação nossa como gestor permitir que as pessoas floresçam no trabalho. Seja como vocação ou performance. Então, para isso tem algumas regras que eu acho que fazem sentido. Primeiro, diminuir níveis hierárquicos. Nós não cortamos simplesmente as pessoas. Reestruturamos toda a parte administrativa, que é para dar chance de ter mais mobilidade e maior visibilidade dos talentos. A questão física, colocamos toda a parte administrativa em lugar só, um grande salão sem paredes, onde eu me sento também. E, por último, quando você declara um objetivo e mostra claramente quais são sacrifícios que você tem que fazer, os objetivos e prêmios, eles entendem o que tem por trás desse dessa necessidade e desse desafio. Então, você os mobiliza melhor. Em quarto, tem uma questão de perfil, os que trabalham comigo são pessoas que gostam muito de gente e talento. Eu sou muito focado em resultado e nós fazemos uma boa combinação. Então tem um trabalho que é invisível, reestruturação, cargos, salários, posicionamento e avaliação individual. Nesse time do Botafogo é normal a gente trocar a mensagem no meio da madrugada, então, o nível de entusiasmo das pessoas é gigante, especialmente quando você consegue mostrar. Aí quando o resultado esportivo vem junto, é só alegria.

Você redesenha o Botafogo para o médio e longo prazo. Qual a sua expectativa de acompanhar esse processo de trabalho? Você falou muito de cultura, logo, percebe dentro do clube uma reorganização de cultura? Para que isso siga com ou sem você, futuramente.

Junto com a com a transformação de cultura vem antes a transformação do modelo mental. E como qualquer ferramenta gerencial, tem um pequeno grupo de pessoas que jamais se acostuma com esse novo modelo. Eu acho que a perpetuidade vem pela mudança do modelo mental e da cultura. Um discurso do presidente que na prática o nosso também, tem um pouco da decisão de “eu adoraria ser campeão ano que vem, mas eu prefiro ajudar o Botafogo para as próximas décadas”. É o ato de você realmente deixar um legado. Então, não só eu, como quem trabalha comigo, com a própria visão do presidente, é que precisamos deixar um legado para esse modelo mental. Para que essa cultura e esse modo de gestão se perpetue, você precisa mudar o DNA. E acho que está acontecendo, inclusive, mais rapidamente do que eu esperava.

Onde você está hoje, era onde queria estar agora?

A minha natureza é aumentar a barra. De fato, eu tenho muita coisa para fazer, não está na hora de bater nas costas ainda. Mas os números, indicadores, a forma de pensar e agir mudou nos últimos cinco meses mudou muito. Eu me sinto escolhido, como dizem no Botafogo.

Para fechar, você falou muito sobre decisões racionais, certo? Dá para falar que a sua decisão pelo Botafogo, quando foi convidado, excluiu cem por cento o caráter emocional ou de alguma forma a emoção contribuiu para sua decisão?

Claro que contribuiu. Porque eu tenho pavor de desperdício, de gente talentosa que não é aproveitada, negócios que podiam ir melhor, talentos que não foram explorados… eu olhava de fora e achava uma grande injustiça, um grande desperdício. Um time com essa reputação, esse tamanho, essa placa, estivesse sofrendo tanto por coisas tão pequenas. Então, é claro que eu quero botar esse projeto na minha placa pessoal, quero fazer parte dessa transformação. Acho que o Botafogo será o mais evidente caso de transformação de clube grande, onde a gestão profissional transforma o resultado em campo e fora dele. Porque ele tem um tamanho grande, e não é um time pequeno, tem uma envergadura. Não é possível que um time como o Botafogo estivesse daquele jeito. E o futebol emociona, essa é a parte mais legal disso tudo.

 

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se