O Futebol Americano quer ser grande no Brasil
A cada temporada da NFL e principalmente a final, o Super Bowl, a popularidade e familiaridade com a festa americana crescem no Brasil
Da Redação
Publicado em 8 de junho de 2015 às 15h59.
Última atualização em 22 de fevereiro de 2019 às 17h07.
Com colaboração de Gilmar Júnior
O futebol americano é um esporte que vem exponencialmente atraindo o conhecimento da mídia e público brasileiro. Não é à toa que a cada temporada da NFL (National Football League) e principalmente a final, o Super Bowl, a popularidade e familiaridade com a festa americana crescem. Para ajudar, entre outros fatores, o país já tem até um representante na liga americana (Cairo Santos, o kicker do Kansas City Chiefs).
E pensando em fomentar ainda mais o crescimento do esporte no país, a CBFA (Confederação Brasileira de Futebol Americano) se empenha em explorar o entretenimento do esporte para seduzir o público – que em algumas cidades já supera o do futebol (soccer) – para estádios e nas novas arenas. Entretanto, as dificuldades que giram em torno do esporte, como a infraestrutura, custos elevados e falta de apoiadores, dificultam a vida de jogadores e gestores do futebol americano brasileiro.
Para saber mais sobre o atual cenário do esporte praticado em terras brasileiras, que está prestes de realizar sua primeira participação em uma Copa do Mundo da modalidade, o Esporte Executivo conversou com Guto Sousa, profissional de marketing esportivo que em 2015 assumiu a responsabilidade de estar à frente do órgão máximo do futebol americano brasileiro – e também presidente do João Pessoa Espectros. Confira a ampla e detalhada conversa abaixo:
Esporte Executivo: Qual o principal desafio a frente da CBFA?
Guto Sousa: Tem uma questão estrutural. O esporte tem crescido rápido e teve saltos evolutivos. O pessoal que jogava na praia, por exemplo, de repente estava jogando equipado, depois jogando campeonatos maiores e jogando em estádios da Copa do Mundo de futebol, aliados a uma disputa em torneio mundial. Se pensarmos em campeonato de futebol americano full pads (equipado), não temos dez anos ainda. Então o desafio é: manter uma estrutura num país com o tamanho do Brasil para que o crescimento seja de forma sustentável. Temos também muitas equipes que surgem e desaparecem. Porque com esse crescimento muito rápido a gente vê uma realidade bem distinta. De um lado você vê pessoas que estão disputando campeonatos bem estruturados, com equipes bem estruturadas, e outras que estão naquela fase de jogar uma “pelada” de fim de semana. As duas pontas são importantes para a CBFA. Um grande desafio é esse.
Mas temos outro, comum a todos os esportes: a escassez de recursos. Só agora que a gente conseguiu um patrocínio – a EWC Whatches –, uma receita fixa na Confederação independente dos times. Isso não significa que seja o suficiente para suprir todas as despesas que temos, mas pelo menos já é um alívio para os próprios times e atletas que têm que bancar, não só suas equipes, mas também as próprias ações da Confederação.
Mas a questão territorial auxilia ou limita o crescimento do esporte?
Veja, gostaríamos de fazer uma clínica de árbitros na região norte, porque é muito difícil mandar árbitros de outras regiões para lá. Se eu não tiver a garantia que eu terei a verba, será um projeto que não será colocado a frente, deixando a região norte em desvantagem em relação a outras. Como dar conta de uma estrutura tão grande para um esporte que cresce tão rápido com pouco recurso? Dar conta de uma estrutura com recurso suficiente para o que você precisa fazer, como a Confederação de Rúgbi, torna a tarefa menos difícil porque é possível ter um planejamento muito bem feito para o futuro. Mas fazer tudo isso sem ter uma garantia que você vai ter o mínimo de dinheiro?
O centro-oeste e o nordeste parecem ser duas regiões que crescem muito no esporte. Por que o crescimento em regiões que não são os principais polos econômicos do país?
Acho que são diversos fatores, não um só um. Na região centro-oeste, há poucos anos, teve o caso do Cuiabá Arsenal. Eu vejo o caso do Arsenal muito semelhante ao do João Pessoa Espectros. Um boom de talentos, pessoas que conseguiram se manter juntas, times que começaram a fazer intercâmbios com equipes de outros estados e de outras regiões. Então eles puderam testar e ser testados e saber até onde poderiam e deveriam evoluir.
Nos primeiros campeonatos do Brasil, o Arsenal sempre esteve lá disputando. Paralelamente a isso, a oferta de entretenimento esportivo de qualidade é muito pequena. Tanto João Pessoa, quanto Cuiabá não têm times de futebol, como em outras modalidades, em destaque no cenário nacional, são equipes que estão disputando série C ou série D do Brasileirão. E como a mentalidade dos gestores do futebol americano, por mais que o esporte seja amador, carrega uma visão próxima da maneira como os americanos fazem esporte, que é uma maneira de levar entretenimento para dentro do estádio, essas equipes começaram a atrair um público muito grande, que começou a superar os próprios times de futebol, que despertam a atenção da mídia, que por consequência leva mais torcedores para o jogo, então, é um círculo virtuoso.
Recife possui equipes que figuram nas primeiras divisões do Campeonato Brasileiro de Futebol, porém, mesmo assim, a partida entre João Pessoa Espectros e Recife Mariners colocou mais de sete mil pagantes na Arena Pernambuco, superando a média de público que o Náutico levou em toda a Série B (6.650 pessoas). Como explicar o crescimento da prática em Pernambuco?
O Mariners atualmente tem a maior média de público do Brasil, superando até mesmo o Arsenal. Isso se deve a um trabalho dentro da gestão do time. Apesar de ser uma equipe amadora, os gestores trabalham com seus atletas de forma profissional estimulando a divulgação do jogo, com premiações para as atletas, estimulam para a compra de ingressos, ou seja, tiveram coragem de arriscar. Empreendedorismo é uma palavra que está muito ligada ao risco. Eles pararam de se contentar em jogar em campos de cidades da região metropolitana de Recife e investiram alugando o Estádio dos Aflitos, que fica no centro. Hoje em dia, todos os jogos de futebol americano são disputados nos Aflitos e sempre com média de público na faixa de 3 mil pessoas. Tanto do Recife Mariners quanto do Recife Pirates. A cidade já tem uma pretensão natural a gostar de esportes americanos. É uma das primeiras cidades onde foi instalado um consulado dos Estados Unidos – há um em São Paulo, outro no Rio de Janeiro, além da embaixada em Brasília. As escolas americanas, bilíngues, trazem para a cidade o clima de gostar da cultura dos Estados Unidos. O Pirates e o Mariners tiveram a sensibilidade de observar isso, conseguiram angariar os recursos necessários, fizeram o investimento na hora certa e estão obtendo grande sucesso.
Além disso, temos os fatores macro. São regiões que estão crescendo acima da média nacional. O crescimento de assinantes de TV a cabo, pessoas com acesso à internet e com acesso à tecnologia mobile, possibilita que mais pessoas tenham acesso ao tipo de conteúdo necessário para que você encontre o futebol americano. As pessoas começam a descobrir que existe futebol americano no Brasil e eventualmente é praticado na sua cidade ou no seu estado, e aí podem se interessar a assistir um jogo. É muito difícil uma cidade que tem um nível socioeconômico muito baixo conseguir ter um sucesso de público e levar o esporte mais próximo do segmento profissional, jogando em estádio, cobrando ingresso e mantendo um público fiel. Realmente tem que estar mais desenvolvido.
Em Leme, no interior paulista, foi inaugurado em março de 2013 o primeiro campo próprio para futebol americano no Brasil. A CBFA tem em vista a construção de alguma estrutura própria para a prática do esporte no Brasil?
Sim. Temos um planejamento e estamos em conversas com as prefeituras de duas cidades para nos ajudarem a construir dois centros de treinamento voltados para as seleções brasileiras de todas as categorias e de todas as modalidades. Esses CTs seriam usados para jogos também. Mas entendemos que isso deva fazer parte de um projeto maior, que vai ser através da Lei de Incentivo ao Esporte, que submete-se a uma pré-aprovação do Ministério, semelhante ao que o vôlei já fez e que o basquete conseguiu. Seria um local para treinos e jogos, com escolinhas durante o ano inteiro, sendo a casa fixa da seleção brasileira durante os períodos de preparação, com um local para alojamento com capacidade para manter os atletas por uma semana a quinze dias.
Como funciona a gestão administrativa dos clubes de futebol americano?
Especificamente sobre o Nordeste, há vários anos a Linefa (Liga Nordestina de Futebol Americano) organiza a etapa regional do Campeonato Brasileiro da CBFA. O modelo de gestão que a Super Liga Nordeste conseguiu organizar foi através de um colegiado de times que contam com as forças principais de cada equipe. Elas têm uma atuação em área específica, por exemplo, eu tenho uma especialização em gestão de marketing esportivo, o Julian Adeotado do Recife Mariners é administrador, o Armando, lá de Mossoró, é educador físico e cuida da parte esportiva. Tem pessoas da área de publicidade, tem advogados, então pegamos esses talentos e utilizamos as expertises de cada um deles e formamos o comitê gestor que vem nesses últimos dois anos conduzindo a Linefa.
Esses gestores são remunerados?
Ninguém é remunerado. Até porque são gestores das próprias equipes e a Linefa é uma associação sem fins lucrativos, assim como quase todas as equipes esportivas do Brasil de quaisquer modalidades. A lei permite que o gestor seja remunerado, mas como os recursos que temos não são suficientes para bancar salário de jogador, não teria sentido, neste momento, ter um gestor remunerado enquanto os atletas não são. Na CBFA uma mudança que a gente teve, um primeiro passo, foi trazer um profissional da área de marketing esportivo, o Fernando Fleury, que está terminando o doutorado dele nos Estados Unidos e é uma pessoa experiente no mercado. Consultor do Maracanã, do São Paulo, está também ligado ao Bom Senso Futebol Clube, é uma pessoa experimentada e topou o desafio da gente, nesse primeiro momento trabalhar de forma voluntária. Até porque ele tem um interesse no esporte em si, em trazer uma nova visão. Ele está nos EUA estudando todas as ligas americanas e a maneira de se trabalhar no esporte. Ele se interessa em praticar isso, de certa forma, no Brasil e a gente tem todo interesse em trazer uma pessoa que tenha essa experiência para construir conosco essa nova visão do esporte no Brasil.
Existem jogadores que vivem exclusivamente do futebol americano no Brasil?
Quase todos os americanos que vêm para jogar no Brasil têm seus gastos bancados pelas suas equipes. Agora, atletas brasileiros, creio que não. Por outro lado, dirigentes conseguem trabalhar só na equipe. Tem pessoas que estão saindo de seus empregos, pois o time X ofereceu um salário para exercer um cargo na função no clube. Atletas ainda não. Um dos motivos é não termos uma estrela incontestável. Também porque os times têm receio de que, de repente, os mesmos times que pagam salários a jogadores americanos ofereçam algo para algum jogador brasileiro e a aí fica aquele situação que os outros 60 atletas vão olhar e dizer: “eles vão receber e eu não?”.
Há um novo formato, que o time tem uma estrutura bastante desenvolvida e assim consegue atrair atletas que sabem que não terão que arcar com os mesmos gastos na equipe anterior, como viagens, academia e uniformes. Então a equipe não paga salário, mas o atleta também não paga absolutamente nada para jogar.
Por falar em finanças, a Seleção Brasileira acertou esse ano o seu primeiro patrocínio, a japonesa EWC Watches. Essa é a única fonte de renda que a CBFA tem atualmente?
As equipes afiliadas, através das federações, pagam anuidades. Até o ano passado, pela prestação de contas, dava para cobrir algum custo da seleção brasileira principal e as taxas que essa Confederação tem que pagar para a IFAF (Federação Internacional de Futebol Americano). São muitas taxas. É importante lembrar que a CBFA não cuida apenas do full pads, cuida também da modalidade flag, masculino e feminino. A cada dois anos tem o mundial, portanto temos que pagar a taxa de filiação, taxa de arbitragem, taxa própria do mundial e todas em euro. Temos uma nova política de filiação à CBFA, permitindo que as equipes se filiem independente das federações, atraindo, assim, mais equipes para Confederação. Os atletas também pagam pelo registro na Confederação, um valor simbólico, basicamente para manter a estrutura. São fontes de renda que não nos permite ainda colocar em prática o planejamento em longo prazo. Até porque tem um mundial logo mais e os custos são altíssimos, ainda mais para um esporte amador.
Quanto custa para a Seleção Brasileira o mundial?
Para levar a seleção para o mundial custa 450 mil reais. O gasto é basicamente com as taxas, alimentação e viagens. Grande parte desses custos é arcada pelos próprios atletas. Eles estão cientes que é um grande passo, mas que a próxima geração é que vai se beneficiar pelos resultados que eles vão obter agora. Nesse quase meio milhão de reais, 60% a 70% são pagos pelos próprios atletas.
A modalidade não é barata…
Temos que lembrar que é um esporte muito caro. Os times têm 50 a 60 jogadores mais a comissão técnica. Se fizer uma viagem de ônibus, ela se torna cara. E se for de avião, ela fica com um custo absurdo. Se um time de futebol americano faz duas viagens de avião por ano, equivale a um time de futebol a fazer seis. Os nossos custos são muito altos e as nossas receitas muito pequenas. Para as equipes, depende de quantos jogos disputa e quantas e quais viagens fazem, mas o custo anual varia entre 150 e 200 mil reais, além dos salários de jogadores e comissão técnica. No Brasil, 80% da receita do esporte nacional está dentro do futebol. Então o que sobra para todo resto é muito pouco. E como não somos um esporte olímpico, a dificuldade é maior ainda. Porque aí não temos aquele aporte legal que as confederações recebem via Ministério dos Esportes que repassa ao COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que por sua vez repassa às federações, que é o dinheiro da loteria. Nem isso a gente tem.
E como você vê essa questão?
Por um lado, é bom. Por que nos força a dialogar com a iniciativa privada, até para trazer aquela ideia de levar o espetáculo para dentro do esporte, nos ver não somente como competição esportiva, mas nos enxergar como opção de entretenimento. É mais interessante estar com relações estreitas com a iniciativa privada do que o setor público. Porque de repente você está recebendo verba pública para um campeonato e você faz uma competição para si mesmo, você não precisa dar um retorno para quem está te bancando. No caso da iniciativa privada, não. O que é prometido tem que ser entregue. Mas é muito mais difícil, pois você tem que explicar o que é o esporte, depois convencer de que existe no Brasil, entretanto como a gente sabe que “não existe ainda”, toda e qualquer conversa com empresários, diretores de marcas, com agências, é no sentido de prometer como você quer que o futebol americano seja em médio e longo prazo. Hoje em dia não podemos chegar e dizer que temos um campeonato com X times e nossa média de público é Y. Isso não existe. O que existe são algumas boas iniciativas feitas, jogos em Arenas da Copa, média de público sendo batidas, como no jogo da Arena Pernambuco que deu mais de sete mil pessoas. Isso já é um resultado que pode ser apresentado para as empresas. No entanto elas vão questionar quantas mais vezes a gente vai jogar lá, se já tem contrato fechado etc. Prefiro dessa forma.
Por outro lado…
Nós estendemos que a partir do momento que a gente conseguisse algum financiamento do tipo, via Lei de Incentivo ao Esporte, ele poderia ser extremamente útil, não para organizar um futebol americano de alto rendimento no Brasil, mas sim a formação de novos atletas, na formação de categorias de base, ensinar futebol americano nas escolas públicas. Aí é diferente, pois estaríamos usando recurso público para entregar para sociedade de alguma forma. Eu teria um projeto em escola pública ensinando para as crianças uma nova modalidade e ocuparia o tempo ocioso delas. Esse sim é um projeto que a gente tem que pensar com os gestores públicos.
Em 2013, surgiu no futebol americano um projeto que prometia profissionalizar o esporte com a chegada de jogadores, técnicos e até cheerleaders americanas: a LFA (Liga de Futebol Americano). Entretanto, com a saída do patrocinador maior o torneio não aconteceu. Como anda esse projeto? Não vai acontecer mesmo?
Difícil falar sobre isso porque eu não fazia parte da CBFA nesse tempo. Mas o que eu posso garantir é que o projeto da LFA, enquanto concepção, continua sendo um projeto muito bom. Talvez eles não tenham conseguido colocar em prática no prazo que eles prometeram, mas da maneira como eles imaginavam o crescimento do esporte era um crescimento de forma sustentável. Porque nos dois primeiros anos as equipes jogariam em São Paulo, o que facilitaria a transmissão na TV no terceiro ano já conseguiria jogar em suas próprias casas, pois com dois anos de TV já se consegue formar um bom público e já conseguiria jogar em estádios mais adequados. A própria divisão de receitas também parecia muito factível. O projeto da LFA é semelhante à da Liga da Índia, que está entrando no terceiro ano. Ambas beberam da mesma fonte da Major League Soccer, que é uma single entity. A liga é dona de todos os times, ao invés de ser uma associação dos times. Então, por isso tudo, parecia que a liga seria uma coisa boa. Talvez possa ser resgatada, adaptada, mantendo a sua essência. É um projeto que está aí, disponível.
Olhando como simpatizante da causa, acho que eles se apressaram. Tinham pouquíssimas coisas concretas, e foram naquela ânsia de tentar fechar contrato de televisão, contrato de parceria etc. E não é assim que acontece, em ligas americanas menores de futebol, de futebol americano, de hóquei, em geral. São entidades que se formam e só começam a temporada dois anos depois porque passam um tempo se preparando. Até no caso de times de futebol, como o caso recente do Orlando City Soccer. Então, você não consegue formar uma liga do zero em poucos meses e basicamente era o que iria acontecer, porque eles não queriam aproveitar a nossa estrutura no Brasil, com exceção da mão de obra, os atletas. O Brasil tem espaço para uma liga profissional, mas o sentimento geral é que, seja um investidor estrangeiro ou brasileiro, que ele vai ter que dialogar mais com as entidades já estabelecidas, com as equipes que já existam.
Esse ano foi exibido pela ESPN a primeira partida da Seleção Brasileira de futebol americano. Com a chegada do mundial nos Estados Unidos como está a negociação dos direitos de transmissão?
Temos a oportunidade do mundial. Nós, da CBFA, temos conversado com diversos canais, um deles a ESPN, óbvio, que transmitiu nosso jogo no Panamá em fevereiro. Só que a Federação Internacional está negociando com algumas emissoras um contrato global. Enquanto eles não tiverem uma resposta definitiva, a gente não vai poder adiantar essas conversas com as emissoras aqui no Brasil. Praticamente conversamos com todas as emissoras, geralmente elas demonstram interesse, tanto no mundial, quanto no futebol americano jogado no Brasil. Temos a plena consciência que estamos chegando ao auge que é a Seleção no Mundial. Só que o próximo mundial é daqui a quatro anos. Se formos apostar todas as fichas no torneio, a gente vai ter um retrocesso. Tudo o que temos feito à frente da gestão da CBFA, especialmente no departamento de marketing, é mostrar para esses possíveis parceiros que o investimento mais correto agora não é se atrelar apenas a Seleção, mas sim atrelar-se aos times brasileiros, não só na modalidade full pads quanto na modalidade flag e feminino. Isso vale tanto para patrocínio, quanto para transmissão. Com isso vamos colocar um planejamento a longo prazo. Fechamos algumas parcerias com empresas especializadas em captação de recursos para eventos esportivos que estão nos ajudando. Mas é uma venda ainda muito difícil, porque temos que explicar para a maioria das empresas que conversamos que existe o futebol americano no Brasil.
No Brasil há dois campeonatos em paralelo. Um é ligado a CBFA (o Campeonato Brasileiro de Futebol Americano) e o outro, também a nível nacional, denominado torneio Touchdown, pertencente a uma empresa. Que caminhos levaram o futebol americano nacional a uma separação?
Isso vem desde lá de trás. A AFAB (Associação de Futebol Americano), que virou a CBFA, chancelou um campeonato que era organizado pelos times e de certa forma organizado por André José Adler, narrador da ESPN na época, que batizou a competição de Torneio Touchdown. Em 2009, então ocorreu a primeira edição do Torneio Touchdown, que foi de fato a primeira edição de um torneio nacional de futebol americano e chancelado pela AFAB. Mas então ouve uma disputa interna entre os times fundadores do torneio e o criador do nome, José Adler. Então eles se separam em 2010. Essas equipes continuaram disputando um torneio sob a chancela da AFAB, a Liga Brasileira de Futebol Americano. Já o Adler foi atrás de novas equipes e montou o Torneio Touchdown em 2010 com equipes estreantes. A partir de então existe essa separação.
Não seria mais interessante para o esporte a unificação desses dois torneios?
Muitos falam em fusão. Não podemos falar de fusão das entidades porque não faz sentido fundir uma confederação com uma empresa –a Touchdown Promoções de Eventos LTDA – que está sobre o controle dos sócios desde o falecimento de Adler em 2012. Seria como se eu fosse falar de uma fusão entre a CBF e a Traffic. Mas antes de falar de uma unificação, precisamos ter regras mais claras. Como, por exemplo, o maior controle de transferência de atletas. É a nossa intenção conseguir que todos os times do Brasil, em um prazo de dois anos, sejam afiliados a CBFA. Assim conseguiremos, com grande facilidade, organizar um calendário do futebol americano no Brasil. Faríamos um campeonato que dialogue melhor, que o torneio Touchdown seja inclusive uma das fases classificatórias do Campeonato Brasileiro, sem atrapalhar o planejamento da equipe que organiza o Torneio Touchdown. A CBFA não tem a intenção de ser a dona do Campeonato Brasileiro. Até porque se a gente pensar muito em organizar um campeonato principal, necessariamente, vai significar abandonar em maior ou menor grau, as modalidades, feminino, flag e categorias de base. Se de certa forma a gente negligencia esses campeonatos, o esporte não vai se sustentar, porque logo mais essa geração que levou o Brasil ao mundial para de jogar. Não tenho restrições nenhuma com os dirigentes do Torneio Touchdown, pelo contrário, conversamos quase que diariamente com as equipes, trocando ideias. Em suma, creio que seria interessante no estágio evolutivo do esporte em que estamos, manter dois campeonatos de primeira divisão, com 32 equipes (16 do Torneio Touchdown e 16 do Campeonato Brasileiro), porque você tem mais estados, cidades, pessoas impactadas pelo esporte praticado em mais alto nível. O que seria, definitivamente, incrível para a modalidade no nosso país.
Com colaboração de Gilmar Júnior
O futebol americano é um esporte que vem exponencialmente atraindo o conhecimento da mídia e público brasileiro. Não é à toa que a cada temporada da NFL (National Football League) e principalmente a final, o Super Bowl, a popularidade e familiaridade com a festa americana crescem. Para ajudar, entre outros fatores, o país já tem até um representante na liga americana (Cairo Santos, o kicker do Kansas City Chiefs).
E pensando em fomentar ainda mais o crescimento do esporte no país, a CBFA (Confederação Brasileira de Futebol Americano) se empenha em explorar o entretenimento do esporte para seduzir o público – que em algumas cidades já supera o do futebol (soccer) – para estádios e nas novas arenas. Entretanto, as dificuldades que giram em torno do esporte, como a infraestrutura, custos elevados e falta de apoiadores, dificultam a vida de jogadores e gestores do futebol americano brasileiro.
Para saber mais sobre o atual cenário do esporte praticado em terras brasileiras, que está prestes de realizar sua primeira participação em uma Copa do Mundo da modalidade, o Esporte Executivo conversou com Guto Sousa, profissional de marketing esportivo que em 2015 assumiu a responsabilidade de estar à frente do órgão máximo do futebol americano brasileiro – e também presidente do João Pessoa Espectros. Confira a ampla e detalhada conversa abaixo:
Esporte Executivo: Qual o principal desafio a frente da CBFA?
Guto Sousa: Tem uma questão estrutural. O esporte tem crescido rápido e teve saltos evolutivos. O pessoal que jogava na praia, por exemplo, de repente estava jogando equipado, depois jogando campeonatos maiores e jogando em estádios da Copa do Mundo de futebol, aliados a uma disputa em torneio mundial. Se pensarmos em campeonato de futebol americano full pads (equipado), não temos dez anos ainda. Então o desafio é: manter uma estrutura num país com o tamanho do Brasil para que o crescimento seja de forma sustentável. Temos também muitas equipes que surgem e desaparecem. Porque com esse crescimento muito rápido a gente vê uma realidade bem distinta. De um lado você vê pessoas que estão disputando campeonatos bem estruturados, com equipes bem estruturadas, e outras que estão naquela fase de jogar uma “pelada” de fim de semana. As duas pontas são importantes para a CBFA. Um grande desafio é esse.
Mas temos outro, comum a todos os esportes: a escassez de recursos. Só agora que a gente conseguiu um patrocínio – a EWC Whatches –, uma receita fixa na Confederação independente dos times. Isso não significa que seja o suficiente para suprir todas as despesas que temos, mas pelo menos já é um alívio para os próprios times e atletas que têm que bancar, não só suas equipes, mas também as próprias ações da Confederação.
Mas a questão territorial auxilia ou limita o crescimento do esporte?
Veja, gostaríamos de fazer uma clínica de árbitros na região norte, porque é muito difícil mandar árbitros de outras regiões para lá. Se eu não tiver a garantia que eu terei a verba, será um projeto que não será colocado a frente, deixando a região norte em desvantagem em relação a outras. Como dar conta de uma estrutura tão grande para um esporte que cresce tão rápido com pouco recurso? Dar conta de uma estrutura com recurso suficiente para o que você precisa fazer, como a Confederação de Rúgbi, torna a tarefa menos difícil porque é possível ter um planejamento muito bem feito para o futuro. Mas fazer tudo isso sem ter uma garantia que você vai ter o mínimo de dinheiro?
O centro-oeste e o nordeste parecem ser duas regiões que crescem muito no esporte. Por que o crescimento em regiões que não são os principais polos econômicos do país?
Acho que são diversos fatores, não um só um. Na região centro-oeste, há poucos anos, teve o caso do Cuiabá Arsenal. Eu vejo o caso do Arsenal muito semelhante ao do João Pessoa Espectros. Um boom de talentos, pessoas que conseguiram se manter juntas, times que começaram a fazer intercâmbios com equipes de outros estados e de outras regiões. Então eles puderam testar e ser testados e saber até onde poderiam e deveriam evoluir.
Nos primeiros campeonatos do Brasil, o Arsenal sempre esteve lá disputando. Paralelamente a isso, a oferta de entretenimento esportivo de qualidade é muito pequena. Tanto João Pessoa, quanto Cuiabá não têm times de futebol, como em outras modalidades, em destaque no cenário nacional, são equipes que estão disputando série C ou série D do Brasileirão. E como a mentalidade dos gestores do futebol americano, por mais que o esporte seja amador, carrega uma visão próxima da maneira como os americanos fazem esporte, que é uma maneira de levar entretenimento para dentro do estádio, essas equipes começaram a atrair um público muito grande, que começou a superar os próprios times de futebol, que despertam a atenção da mídia, que por consequência leva mais torcedores para o jogo, então, é um círculo virtuoso.
Recife possui equipes que figuram nas primeiras divisões do Campeonato Brasileiro de Futebol, porém, mesmo assim, a partida entre João Pessoa Espectros e Recife Mariners colocou mais de sete mil pagantes na Arena Pernambuco, superando a média de público que o Náutico levou em toda a Série B (6.650 pessoas). Como explicar o crescimento da prática em Pernambuco?
O Mariners atualmente tem a maior média de público do Brasil, superando até mesmo o Arsenal. Isso se deve a um trabalho dentro da gestão do time. Apesar de ser uma equipe amadora, os gestores trabalham com seus atletas de forma profissional estimulando a divulgação do jogo, com premiações para as atletas, estimulam para a compra de ingressos, ou seja, tiveram coragem de arriscar. Empreendedorismo é uma palavra que está muito ligada ao risco. Eles pararam de se contentar em jogar em campos de cidades da região metropolitana de Recife e investiram alugando o Estádio dos Aflitos, que fica no centro. Hoje em dia, todos os jogos de futebol americano são disputados nos Aflitos e sempre com média de público na faixa de 3 mil pessoas. Tanto do Recife Mariners quanto do Recife Pirates. A cidade já tem uma pretensão natural a gostar de esportes americanos. É uma das primeiras cidades onde foi instalado um consulado dos Estados Unidos – há um em São Paulo, outro no Rio de Janeiro, além da embaixada em Brasília. As escolas americanas, bilíngues, trazem para a cidade o clima de gostar da cultura dos Estados Unidos. O Pirates e o Mariners tiveram a sensibilidade de observar isso, conseguiram angariar os recursos necessários, fizeram o investimento na hora certa e estão obtendo grande sucesso.
Além disso, temos os fatores macro. São regiões que estão crescendo acima da média nacional. O crescimento de assinantes de TV a cabo, pessoas com acesso à internet e com acesso à tecnologia mobile, possibilita que mais pessoas tenham acesso ao tipo de conteúdo necessário para que você encontre o futebol americano. As pessoas começam a descobrir que existe futebol americano no Brasil e eventualmente é praticado na sua cidade ou no seu estado, e aí podem se interessar a assistir um jogo. É muito difícil uma cidade que tem um nível socioeconômico muito baixo conseguir ter um sucesso de público e levar o esporte mais próximo do segmento profissional, jogando em estádio, cobrando ingresso e mantendo um público fiel. Realmente tem que estar mais desenvolvido.
Em Leme, no interior paulista, foi inaugurado em março de 2013 o primeiro campo próprio para futebol americano no Brasil. A CBFA tem em vista a construção de alguma estrutura própria para a prática do esporte no Brasil?
Sim. Temos um planejamento e estamos em conversas com as prefeituras de duas cidades para nos ajudarem a construir dois centros de treinamento voltados para as seleções brasileiras de todas as categorias e de todas as modalidades. Esses CTs seriam usados para jogos também. Mas entendemos que isso deva fazer parte de um projeto maior, que vai ser através da Lei de Incentivo ao Esporte, que submete-se a uma pré-aprovação do Ministério, semelhante ao que o vôlei já fez e que o basquete conseguiu. Seria um local para treinos e jogos, com escolinhas durante o ano inteiro, sendo a casa fixa da seleção brasileira durante os períodos de preparação, com um local para alojamento com capacidade para manter os atletas por uma semana a quinze dias.
Como funciona a gestão administrativa dos clubes de futebol americano?
Especificamente sobre o Nordeste, há vários anos a Linefa (Liga Nordestina de Futebol Americano) organiza a etapa regional do Campeonato Brasileiro da CBFA. O modelo de gestão que a Super Liga Nordeste conseguiu organizar foi através de um colegiado de times que contam com as forças principais de cada equipe. Elas têm uma atuação em área específica, por exemplo, eu tenho uma especialização em gestão de marketing esportivo, o Julian Adeotado do Recife Mariners é administrador, o Armando, lá de Mossoró, é educador físico e cuida da parte esportiva. Tem pessoas da área de publicidade, tem advogados, então pegamos esses talentos e utilizamos as expertises de cada um deles e formamos o comitê gestor que vem nesses últimos dois anos conduzindo a Linefa.
Esses gestores são remunerados?
Ninguém é remunerado. Até porque são gestores das próprias equipes e a Linefa é uma associação sem fins lucrativos, assim como quase todas as equipes esportivas do Brasil de quaisquer modalidades. A lei permite que o gestor seja remunerado, mas como os recursos que temos não são suficientes para bancar salário de jogador, não teria sentido, neste momento, ter um gestor remunerado enquanto os atletas não são. Na CBFA uma mudança que a gente teve, um primeiro passo, foi trazer um profissional da área de marketing esportivo, o Fernando Fleury, que está terminando o doutorado dele nos Estados Unidos e é uma pessoa experiente no mercado. Consultor do Maracanã, do São Paulo, está também ligado ao Bom Senso Futebol Clube, é uma pessoa experimentada e topou o desafio da gente, nesse primeiro momento trabalhar de forma voluntária. Até porque ele tem um interesse no esporte em si, em trazer uma nova visão. Ele está nos EUA estudando todas as ligas americanas e a maneira de se trabalhar no esporte. Ele se interessa em praticar isso, de certa forma, no Brasil e a gente tem todo interesse em trazer uma pessoa que tenha essa experiência para construir conosco essa nova visão do esporte no Brasil.
Existem jogadores que vivem exclusivamente do futebol americano no Brasil?
Quase todos os americanos que vêm para jogar no Brasil têm seus gastos bancados pelas suas equipes. Agora, atletas brasileiros, creio que não. Por outro lado, dirigentes conseguem trabalhar só na equipe. Tem pessoas que estão saindo de seus empregos, pois o time X ofereceu um salário para exercer um cargo na função no clube. Atletas ainda não. Um dos motivos é não termos uma estrela incontestável. Também porque os times têm receio de que, de repente, os mesmos times que pagam salários a jogadores americanos ofereçam algo para algum jogador brasileiro e a aí fica aquele situação que os outros 60 atletas vão olhar e dizer: “eles vão receber e eu não?”.
Há um novo formato, que o time tem uma estrutura bastante desenvolvida e assim consegue atrair atletas que sabem que não terão que arcar com os mesmos gastos na equipe anterior, como viagens, academia e uniformes. Então a equipe não paga salário, mas o atleta também não paga absolutamente nada para jogar.
Por falar em finanças, a Seleção Brasileira acertou esse ano o seu primeiro patrocínio, a japonesa EWC Watches. Essa é a única fonte de renda que a CBFA tem atualmente?
As equipes afiliadas, através das federações, pagam anuidades. Até o ano passado, pela prestação de contas, dava para cobrir algum custo da seleção brasileira principal e as taxas que essa Confederação tem que pagar para a IFAF (Federação Internacional de Futebol Americano). São muitas taxas. É importante lembrar que a CBFA não cuida apenas do full pads, cuida também da modalidade flag, masculino e feminino. A cada dois anos tem o mundial, portanto temos que pagar a taxa de filiação, taxa de arbitragem, taxa própria do mundial e todas em euro. Temos uma nova política de filiação à CBFA, permitindo que as equipes se filiem independente das federações, atraindo, assim, mais equipes para Confederação. Os atletas também pagam pelo registro na Confederação, um valor simbólico, basicamente para manter a estrutura. São fontes de renda que não nos permite ainda colocar em prática o planejamento em longo prazo. Até porque tem um mundial logo mais e os custos são altíssimos, ainda mais para um esporte amador.
Quanto custa para a Seleção Brasileira o mundial?
Para levar a seleção para o mundial custa 450 mil reais. O gasto é basicamente com as taxas, alimentação e viagens. Grande parte desses custos é arcada pelos próprios atletas. Eles estão cientes que é um grande passo, mas que a próxima geração é que vai se beneficiar pelos resultados que eles vão obter agora. Nesse quase meio milhão de reais, 60% a 70% são pagos pelos próprios atletas.
A modalidade não é barata…
Temos que lembrar que é um esporte muito caro. Os times têm 50 a 60 jogadores mais a comissão técnica. Se fizer uma viagem de ônibus, ela se torna cara. E se for de avião, ela fica com um custo absurdo. Se um time de futebol americano faz duas viagens de avião por ano, equivale a um time de futebol a fazer seis. Os nossos custos são muito altos e as nossas receitas muito pequenas. Para as equipes, depende de quantos jogos disputa e quantas e quais viagens fazem, mas o custo anual varia entre 150 e 200 mil reais, além dos salários de jogadores e comissão técnica. No Brasil, 80% da receita do esporte nacional está dentro do futebol. Então o que sobra para todo resto é muito pouco. E como não somos um esporte olímpico, a dificuldade é maior ainda. Porque aí não temos aquele aporte legal que as confederações recebem via Ministério dos Esportes que repassa ao COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que por sua vez repassa às federações, que é o dinheiro da loteria. Nem isso a gente tem.
E como você vê essa questão?
Por um lado, é bom. Por que nos força a dialogar com a iniciativa privada, até para trazer aquela ideia de levar o espetáculo para dentro do esporte, nos ver não somente como competição esportiva, mas nos enxergar como opção de entretenimento. É mais interessante estar com relações estreitas com a iniciativa privada do que o setor público. Porque de repente você está recebendo verba pública para um campeonato e você faz uma competição para si mesmo, você não precisa dar um retorno para quem está te bancando. No caso da iniciativa privada, não. O que é prometido tem que ser entregue. Mas é muito mais difícil, pois você tem que explicar o que é o esporte, depois convencer de que existe no Brasil, entretanto como a gente sabe que “não existe ainda”, toda e qualquer conversa com empresários, diretores de marcas, com agências, é no sentido de prometer como você quer que o futebol americano seja em médio e longo prazo. Hoje em dia não podemos chegar e dizer que temos um campeonato com X times e nossa média de público é Y. Isso não existe. O que existe são algumas boas iniciativas feitas, jogos em Arenas da Copa, média de público sendo batidas, como no jogo da Arena Pernambuco que deu mais de sete mil pessoas. Isso já é um resultado que pode ser apresentado para as empresas. No entanto elas vão questionar quantas mais vezes a gente vai jogar lá, se já tem contrato fechado etc. Prefiro dessa forma.
Por outro lado…
Nós estendemos que a partir do momento que a gente conseguisse algum financiamento do tipo, via Lei de Incentivo ao Esporte, ele poderia ser extremamente útil, não para organizar um futebol americano de alto rendimento no Brasil, mas sim a formação de novos atletas, na formação de categorias de base, ensinar futebol americano nas escolas públicas. Aí é diferente, pois estaríamos usando recurso público para entregar para sociedade de alguma forma. Eu teria um projeto em escola pública ensinando para as crianças uma nova modalidade e ocuparia o tempo ocioso delas. Esse sim é um projeto que a gente tem que pensar com os gestores públicos.
Em 2013, surgiu no futebol americano um projeto que prometia profissionalizar o esporte com a chegada de jogadores, técnicos e até cheerleaders americanas: a LFA (Liga de Futebol Americano). Entretanto, com a saída do patrocinador maior o torneio não aconteceu. Como anda esse projeto? Não vai acontecer mesmo?
Difícil falar sobre isso porque eu não fazia parte da CBFA nesse tempo. Mas o que eu posso garantir é que o projeto da LFA, enquanto concepção, continua sendo um projeto muito bom. Talvez eles não tenham conseguido colocar em prática no prazo que eles prometeram, mas da maneira como eles imaginavam o crescimento do esporte era um crescimento de forma sustentável. Porque nos dois primeiros anos as equipes jogariam em São Paulo, o que facilitaria a transmissão na TV no terceiro ano já conseguiria jogar em suas próprias casas, pois com dois anos de TV já se consegue formar um bom público e já conseguiria jogar em estádios mais adequados. A própria divisão de receitas também parecia muito factível. O projeto da LFA é semelhante à da Liga da Índia, que está entrando no terceiro ano. Ambas beberam da mesma fonte da Major League Soccer, que é uma single entity. A liga é dona de todos os times, ao invés de ser uma associação dos times. Então, por isso tudo, parecia que a liga seria uma coisa boa. Talvez possa ser resgatada, adaptada, mantendo a sua essência. É um projeto que está aí, disponível.
Olhando como simpatizante da causa, acho que eles se apressaram. Tinham pouquíssimas coisas concretas, e foram naquela ânsia de tentar fechar contrato de televisão, contrato de parceria etc. E não é assim que acontece, em ligas americanas menores de futebol, de futebol americano, de hóquei, em geral. São entidades que se formam e só começam a temporada dois anos depois porque passam um tempo se preparando. Até no caso de times de futebol, como o caso recente do Orlando City Soccer. Então, você não consegue formar uma liga do zero em poucos meses e basicamente era o que iria acontecer, porque eles não queriam aproveitar a nossa estrutura no Brasil, com exceção da mão de obra, os atletas. O Brasil tem espaço para uma liga profissional, mas o sentimento geral é que, seja um investidor estrangeiro ou brasileiro, que ele vai ter que dialogar mais com as entidades já estabelecidas, com as equipes que já existam.
Esse ano foi exibido pela ESPN a primeira partida da Seleção Brasileira de futebol americano. Com a chegada do mundial nos Estados Unidos como está a negociação dos direitos de transmissão?
Temos a oportunidade do mundial. Nós, da CBFA, temos conversado com diversos canais, um deles a ESPN, óbvio, que transmitiu nosso jogo no Panamá em fevereiro. Só que a Federação Internacional está negociando com algumas emissoras um contrato global. Enquanto eles não tiverem uma resposta definitiva, a gente não vai poder adiantar essas conversas com as emissoras aqui no Brasil. Praticamente conversamos com todas as emissoras, geralmente elas demonstram interesse, tanto no mundial, quanto no futebol americano jogado no Brasil. Temos a plena consciência que estamos chegando ao auge que é a Seleção no Mundial. Só que o próximo mundial é daqui a quatro anos. Se formos apostar todas as fichas no torneio, a gente vai ter um retrocesso. Tudo o que temos feito à frente da gestão da CBFA, especialmente no departamento de marketing, é mostrar para esses possíveis parceiros que o investimento mais correto agora não é se atrelar apenas a Seleção, mas sim atrelar-se aos times brasileiros, não só na modalidade full pads quanto na modalidade flag e feminino. Isso vale tanto para patrocínio, quanto para transmissão. Com isso vamos colocar um planejamento a longo prazo. Fechamos algumas parcerias com empresas especializadas em captação de recursos para eventos esportivos que estão nos ajudando. Mas é uma venda ainda muito difícil, porque temos que explicar para a maioria das empresas que conversamos que existe o futebol americano no Brasil.
No Brasil há dois campeonatos em paralelo. Um é ligado a CBFA (o Campeonato Brasileiro de Futebol Americano) e o outro, também a nível nacional, denominado torneio Touchdown, pertencente a uma empresa. Que caminhos levaram o futebol americano nacional a uma separação?
Isso vem desde lá de trás. A AFAB (Associação de Futebol Americano), que virou a CBFA, chancelou um campeonato que era organizado pelos times e de certa forma organizado por André José Adler, narrador da ESPN na época, que batizou a competição de Torneio Touchdown. Em 2009, então ocorreu a primeira edição do Torneio Touchdown, que foi de fato a primeira edição de um torneio nacional de futebol americano e chancelado pela AFAB. Mas então ouve uma disputa interna entre os times fundadores do torneio e o criador do nome, José Adler. Então eles se separam em 2010. Essas equipes continuaram disputando um torneio sob a chancela da AFAB, a Liga Brasileira de Futebol Americano. Já o Adler foi atrás de novas equipes e montou o Torneio Touchdown em 2010 com equipes estreantes. A partir de então existe essa separação.
Não seria mais interessante para o esporte a unificação desses dois torneios?
Muitos falam em fusão. Não podemos falar de fusão das entidades porque não faz sentido fundir uma confederação com uma empresa –a Touchdown Promoções de Eventos LTDA – que está sobre o controle dos sócios desde o falecimento de Adler em 2012. Seria como se eu fosse falar de uma fusão entre a CBF e a Traffic. Mas antes de falar de uma unificação, precisamos ter regras mais claras. Como, por exemplo, o maior controle de transferência de atletas. É a nossa intenção conseguir que todos os times do Brasil, em um prazo de dois anos, sejam afiliados a CBFA. Assim conseguiremos, com grande facilidade, organizar um calendário do futebol americano no Brasil. Faríamos um campeonato que dialogue melhor, que o torneio Touchdown seja inclusive uma das fases classificatórias do Campeonato Brasileiro, sem atrapalhar o planejamento da equipe que organiza o Torneio Touchdown. A CBFA não tem a intenção de ser a dona do Campeonato Brasileiro. Até porque se a gente pensar muito em organizar um campeonato principal, necessariamente, vai significar abandonar em maior ou menor grau, as modalidades, feminino, flag e categorias de base. Se de certa forma a gente negligencia esses campeonatos, o esporte não vai se sustentar, porque logo mais essa geração que levou o Brasil ao mundial para de jogar. Não tenho restrições nenhuma com os dirigentes do Torneio Touchdown, pelo contrário, conversamos quase que diariamente com as equipes, trocando ideias. Em suma, creio que seria interessante no estágio evolutivo do esporte em que estamos, manter dois campeonatos de primeira divisão, com 32 equipes (16 do Torneio Touchdown e 16 do Campeonato Brasileiro), porque você tem mais estados, cidades, pessoas impactadas pelo esporte praticado em mais alto nível. O que seria, definitivamente, incrível para a modalidade no nosso país.