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Més que un club

O que hoje parece ser preciosismo pode se tornar determinante para as escolhas dos fãs e torcedores num futuro próximo.

Manifestantes vestem a bandeira da Catalunha em Barcelona (Javier Barbancho/Reuters)
Manifestantes vestem a bandeira da Catalunha em Barcelona (Javier Barbancho/Reuters)
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Vinicius Lordello — Esporte Executivo

Publicado em 23 de junho de 2021 às, 08h06.

* Por Adriano Ávila Alamy

O termo ou mesmo, o conceito de “Clube”, tornou-se um paradoxo no Século XXI. Foi muito importante durante o surgimento do futebol (como conhecemos) em meados da década de 1860 e durante todo o Século XX. Mas agora o termo “clube” vai na contramão de tudo o que a inovação prega, defende e se alimenta em nossos dias: o acesso, a comodidade e o benefício propiciados pela tecnologia e pela criatividade ao maior número de pessoas possível.

“Clube” é restrito a um número de pessoas que atende aos pré-requesitos para participar dele. Como então, equacionar esse conceito nos tempos atuais? Como trabalhar de forma contemporânea e eficiente o sentimento de pertencimento, fator mais importante em qualquer campanha de marketing, para o maior número de pessoas (torcedores/consumidores) por meio de uma instituição que recebe a alcunha de “Clube”? Não faz mais sentido.

O FC Barcelona, de forma marginal, isto é, lateral, à margem do que estamos debatendo agora, teve o melhor posicionamento até hoje sobre o que significa uma instituicão de futebol. O slogan “Més que un club” (Mais que um clube, em catalão) ou (More than a club, em inglês) foi criado no dia 17 de janeiro de 1968 por Narcís de Carreras, em seu discurso de posse, quando assumiu a presidência do Barça. Na época a frase explicitava que o clube ultrapassava o terreno futebolístico, atingindo o âmbito sócio-político. Após a Guerra Civil Espanhola (17 de julho de 1936 a 1º de abril de 1939), Narcís tornou-se um colaborador próximo do regime de Franco. Lamentável.

(FutBox/Divulgação)

Um fato significativo e pertinente ao título desse artigo, aconteceu recentemente com a inepta tentativa de se implementar a “European Super League” (Superliga Europeia) evidenciando a bolha em que se encontravam os dirigentes dos principais clubes do velho continente. #SuperLeagueOut. Quiseram criar um clube dentro dos clubes, uma pretensa elite que foi rechaçada de imediato pelos torcedores. Principalmente pelos torcedores da Inglaterra, berço do futebol e do capitalismo, vejam vocês. Aqui existe ainda outro elemento dentro do que estamos tratando: a qualificação ou a falta dela nos principais cargos de gestão das instituições esportivas. O maior problema de um ecossistema inovador são a pessoas que se apresentam como empreendedoras, mas na verdade são apenas lobistas, não entendem nada de inovação. Essa situação cria atalhos para determinadas pessoas chegarem a determinados postos sem mérito algum, sem o conhecimento necessário exigido pelas cadeiras onde sentam.

O que parece ser preciosismo agora pode se tornar determinante para as escolhas das pessoas (fãs e torcedores) num futuro próximo. A inteligência artificial (AI), a qual poderia também rever a sua terminologia: “inteligência” nunca é artificial, mesmo que seja por meio de uma máquina, irá provocar uma disruptura no sistema capitalista, que já está, inclusive, passando por um “novo” velho paradigma: as pessoas precisam de dinheiro para consumir. A "AI" vai substituir milhares de empregos por máquinas, bots, códigos, etc, e não vai repor essa eliminação na mesma quantidade com os “novos empregos humanos”. Geração de renda e não de emprego será (é) o ponto central de discussão para qualquer governo. Isso irá afetar toda a gama de relacionamentos das pessoas, não só no trabalho, mas na vida social, como já acontece, e claro, em suas escolhas, por exemplo: para qual ou quais “clubes” irão torcer. Isso mesmo, o torcedor atual se relaciona com mais de um clube, ou ainda, torce para o jogador e não necessariamente para o clube onde joga. Novos hábitos, valores e comportamentos do Século XXI.

O mundo nos fornece dicas do que está por vir, por exemplo: onde devemos ou não investir nossos recursos financeiros e intelectuais. O acesso é mais importante do que a posse. Esse é o valor a ser cultuado no Século XXI e o conceito de “clube” não possui mais o significado do passado, que foi necessário e importante durante muito tempo, diga-se de passagem, para a criação do vínculo e do lastro com as novas instituições que surgiam na Europa por meio de algo novo na época: o futebol. Hoje, entretanto, as instituições esportivas precisam ser "mais do que clubes", inclusive, em suas razões sociais.

Tudo na vida tem o seu prazo de validade. O mais importante é perceber as pistas que a vida nos dá e o que fazemos com o nosso tempo e com as oportunidades que nos são apresentadas ou conquistadas. A humanidade caminha para o precipício e quando chegar essa hora, quanto mais pessoas tiverem condições de voar, mais chances teremos de preservar a nossa história. Dentro e fora de campo.

* Adriano Ávila é fundador do Portal Futbox - Centro de Pesquisa Gráfica sobre Futebol. Desenvolveu a Metodologia dos 3TS: Tradição, Torcida e Troféus, onde trabalha a identidade visual dos clubes de futebol como ferramenta de geração de valor e receita para suas marcas