A inabilidade do esporte com a homossexualidade
Nos últimos dias, na Rússia, um problema que estava restrito à política do país chegou ao esporte. O presidente do país Vladimir Putin promulgou em junho uma lei que veta a apologia ou o fornecimento de informações sobre gays, lésbicas, bissexuais e transexuais para menores de idade. A lei, que visa a “não propagação de relações sexuais não-tradicionais e a promoção de passeatas de orgulho gay”, prevê multas de até […] Leia mais
Da Redação
Publicado em 20 de agosto de 2013 às 10h50.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 08h53.
Nos últimos dias, na Rússia, um problema que estava restrito à política do país chegou ao esporte. O presidente do país Vladimir Putin promulgou em junho uma lei que veta a apologia ou o fornecimento de informações sobre gays, lésbicas, bissexuais e transexuais para menores de idade. A lei, que visa a “não propagação de relações sexuais não-tradicionais e a promoção de passeatas de orgulho gay”, prevê multas de até R$ 70 mil, detenção de 15 dias e até expulsão do país a quem não cumpri-la.
Mas aconteceu em Moscou até o último dia 18 de agosto o Campeonato Mundial de Atletismo e, durante a competição, a sueca Emma Green-Tregaro do salto em altura, apareceu com as unhas pintadas nas cores do arco-íris, em claro (mas não declarado) apoio ao movimento gay. A campeoníssima atleta russa do salto com vara Yelena Isinbayeva, melhor saltadora da história do esporte, veio a público na condição de ídolo nacional e não apenas apoiou publicamente a ementa que proíbe a propaganda homossexual, como criticou a sueca por desrespeitar as leis de seu país. Isinbayeva, que foi alvo de críticas mundo afora, se retratou no dia seguinte e disse ter sido mal interpretada, pois havia se expressado em inglês, idioma que ainda não domina completamente.
No último sábado, duas atletas do revezamento 4x400m da Rússia, Kseniya Ryzhova e Tatyana Firova, se beijaram no estádio depois de ganharem a prova. O “selinho” é tradicional no país, mas, diante do contexto, foi difícil não remeter à discussão existente, ainda que as atletas tenham negado.
Por não serem movimentos isolados, e considerando que tanto os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, como a Copa do Mundo de 2018 acontecerão na Rússia, o Comitê Olímpico Internacional e a FIFA já cobraram explicações das autoridades russas. O COI pediu esclarecimentos à Rússia porque já existem sugestões de boicote ao evento. Para o ministro dos Esportes da Rússia, Vitaly Mutko, não há motivos para preocupação, porque os direitos de todos os atletas que competirão em terras russas serão respeitados. Mas o ministro não falou sobre os turistas e uma pesquisa recente aponta que 88% dos russos aprova a recente legislação.
No Brasil, Émerson Sheik, um dos principais nomes do Corinthians, comemorou a vitória do último domingo dando um selinho em um amigo durante um jantar. Mas não o fez de forma reservada. Fotografou o momento e postou a imagem nas redes sociais, afirmando que “tem que ser muito valente para celebrar a amizade sem medo do que os preconceituosos vão dizer”. E diante das críticas que recebeu de parte da torcida, classificou as manifestações de “preconceito babaca”. O clube, consultado sobre o que diria em defesa (ou não) de seu atleta, cravou que “o Corinthians não se mete nisso, não tem lado e não vai entrar nessa polêmica. Não foi o Corinthians que beijou ninguém”. A torcida, considerando as manifestações vistas na internet, está claramente dividida entre apoiar incondicionalmente o jogador ou transformá-lo em alvo de críticas permanentes, até que abandone o clube.
Tudo isso pra mostrar que o esporte não tem a menor habilidade em lidar com a homossexualidade. E que fique claro, não caberia ao esporte fazer apologia a gays ou simpatizantes. Mas cabe sim ao esporte lutar contra qualquer espécie de preconceito, inclusive mas não apenas o sexual. O esporte é adesão, é massa, é cultura. Como pode ser tudo isso e ignorar seu papel de co-construtor de uma sociedade? Porque a questão não é estar certo ou mesmo defender/reprimir, mas estar aberto à discussão. É fundamental inclusive que Isinbayeva se manifeste, permitindo a discussão sobre o tema. Melhor do que ninguém falar sobre o assunto, fundamental e causador de divergências em todos os continentes do planeta.
O Corinthians, receoso por reações contrárias, não precisava falar que apoia os homossexuais. Mas perdeu a grande oportunidade de dizer que é contrário a qualquer forma de preconceito, o que sutilmente foi feito pelo COI, quando indagou a Rússia sobre a receptividade aos atletas e torcedores homossexuais.
É fato que todo o silencio, mais do que ideologia, esbarra em questões comerciais. Existe um receio imenso de que pessoas contrárias aos “hábitos homossexuais” deixem de comprar ou consumir seus produtos em função de uma manifestação pública e conciliadora. A Nike, nesse sentido, deu um passo adiante e lançou uma linha voltada prioritariamente a esse público (leia mais aqui ). O que mostra que, inclusive no aspecto comercial, já é possível uma reanálise.
Afinal, o esporte não pode ter medo de ter sua imagem aliada ao “a favor ou contra”. Porque nasceu para incluir, não excluir. Para integrar, e não expelir. Que o esporte faça jus à sua essência, por meio de clubes, atletas e competições, e inviabilize minimamente o preconceito primata que ainda é latente na sociedade. Essa vitória seria a mais importante e bonita. Porque quase tudo depende de como as situações são vistas. É uma questão de entendimento, de ângulo, de princípios… e de cores.
Siga-nos no Twitter: @viniciuslord e/ou @EXAME_EsporteEx
Nos últimos dias, na Rússia, um problema que estava restrito à política do país chegou ao esporte. O presidente do país Vladimir Putin promulgou em junho uma lei que veta a apologia ou o fornecimento de informações sobre gays, lésbicas, bissexuais e transexuais para menores de idade. A lei, que visa a “não propagação de relações sexuais não-tradicionais e a promoção de passeatas de orgulho gay”, prevê multas de até R$ 70 mil, detenção de 15 dias e até expulsão do país a quem não cumpri-la.
Mas aconteceu em Moscou até o último dia 18 de agosto o Campeonato Mundial de Atletismo e, durante a competição, a sueca Emma Green-Tregaro do salto em altura, apareceu com as unhas pintadas nas cores do arco-íris, em claro (mas não declarado) apoio ao movimento gay. A campeoníssima atleta russa do salto com vara Yelena Isinbayeva, melhor saltadora da história do esporte, veio a público na condição de ídolo nacional e não apenas apoiou publicamente a ementa que proíbe a propaganda homossexual, como criticou a sueca por desrespeitar as leis de seu país. Isinbayeva, que foi alvo de críticas mundo afora, se retratou no dia seguinte e disse ter sido mal interpretada, pois havia se expressado em inglês, idioma que ainda não domina completamente.
No último sábado, duas atletas do revezamento 4x400m da Rússia, Kseniya Ryzhova e Tatyana Firova, se beijaram no estádio depois de ganharem a prova. O “selinho” é tradicional no país, mas, diante do contexto, foi difícil não remeter à discussão existente, ainda que as atletas tenham negado.
Por não serem movimentos isolados, e considerando que tanto os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, como a Copa do Mundo de 2018 acontecerão na Rússia, o Comitê Olímpico Internacional e a FIFA já cobraram explicações das autoridades russas. O COI pediu esclarecimentos à Rússia porque já existem sugestões de boicote ao evento. Para o ministro dos Esportes da Rússia, Vitaly Mutko, não há motivos para preocupação, porque os direitos de todos os atletas que competirão em terras russas serão respeitados. Mas o ministro não falou sobre os turistas e uma pesquisa recente aponta que 88% dos russos aprova a recente legislação.
No Brasil, Émerson Sheik, um dos principais nomes do Corinthians, comemorou a vitória do último domingo dando um selinho em um amigo durante um jantar. Mas não o fez de forma reservada. Fotografou o momento e postou a imagem nas redes sociais, afirmando que “tem que ser muito valente para celebrar a amizade sem medo do que os preconceituosos vão dizer”. E diante das críticas que recebeu de parte da torcida, classificou as manifestações de “preconceito babaca”. O clube, consultado sobre o que diria em defesa (ou não) de seu atleta, cravou que “o Corinthians não se mete nisso, não tem lado e não vai entrar nessa polêmica. Não foi o Corinthians que beijou ninguém”. A torcida, considerando as manifestações vistas na internet, está claramente dividida entre apoiar incondicionalmente o jogador ou transformá-lo em alvo de críticas permanentes, até que abandone o clube.
Tudo isso pra mostrar que o esporte não tem a menor habilidade em lidar com a homossexualidade. E que fique claro, não caberia ao esporte fazer apologia a gays ou simpatizantes. Mas cabe sim ao esporte lutar contra qualquer espécie de preconceito, inclusive mas não apenas o sexual. O esporte é adesão, é massa, é cultura. Como pode ser tudo isso e ignorar seu papel de co-construtor de uma sociedade? Porque a questão não é estar certo ou mesmo defender/reprimir, mas estar aberto à discussão. É fundamental inclusive que Isinbayeva se manifeste, permitindo a discussão sobre o tema. Melhor do que ninguém falar sobre o assunto, fundamental e causador de divergências em todos os continentes do planeta.
O Corinthians, receoso por reações contrárias, não precisava falar que apoia os homossexuais. Mas perdeu a grande oportunidade de dizer que é contrário a qualquer forma de preconceito, o que sutilmente foi feito pelo COI, quando indagou a Rússia sobre a receptividade aos atletas e torcedores homossexuais.
É fato que todo o silencio, mais do que ideologia, esbarra em questões comerciais. Existe um receio imenso de que pessoas contrárias aos “hábitos homossexuais” deixem de comprar ou consumir seus produtos em função de uma manifestação pública e conciliadora. A Nike, nesse sentido, deu um passo adiante e lançou uma linha voltada prioritariamente a esse público (leia mais aqui ). O que mostra que, inclusive no aspecto comercial, já é possível uma reanálise.
Afinal, o esporte não pode ter medo de ter sua imagem aliada ao “a favor ou contra”. Porque nasceu para incluir, não excluir. Para integrar, e não expelir. Que o esporte faça jus à sua essência, por meio de clubes, atletas e competições, e inviabilize minimamente o preconceito primata que ainda é latente na sociedade. Essa vitória seria a mais importante e bonita. Porque quase tudo depende de como as situações são vistas. É uma questão de entendimento, de ângulo, de princípios… e de cores.
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