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Coparticipação: como um alemão revolucionou o empreendedorismo no mundo

Entrevistado é o empresário alemão naturalizado norte-americano, Dirk Ahlborn, fundador de plataforma com formato inédito de coparticipação

Entrevistado é o empresário alemão naturalizado norte-americano, Dirk Ahlborn, fundador de plataforma com formato inédito de coparticipação (JumpStarters Inc/Reprodução)
Entrevistado é o empresário alemão naturalizado norte-americano, Dirk Ahlborn, fundador de plataforma com formato inédito de coparticipação (JumpStarters Inc/Reprodução)

Gringos têm coisas incríveis para ensinar e por isso esse é um Papo de Tubarões com muitos ensinamentos. Nosso entrevistado é o empresário alemão naturalizado norte-americano, Dirk Ahlborn, fundador da JumpStarter Inc, uma plataforma que tem um formato inédito de coparticipação e revolucionou o mercado de empreendedorismo no mundo. Também é fundador da Hyperloop Transportation Technologies, um inovador meio de transporte em formato de cápsula que se movimenta por propulsão magnética, idealizado por Elon Musk. Ele já que já firmou contrato com vários países, inclusive o Brasil.

Quem é o Dirk?

Sou empreendedor de nascença e fui o pior funcionário que um empregador poderia ter. Nasci e cresci em Berlim, deixei a escola aos 16 anos e fui trabalhar num banco, uma experiência terrível. Aos 18 anos eu pensava que iria trabalhar, tirar férias uma vez por ano, casar, comprar uma casa, ter um cachorro, ter filhos e seguir a vida assim. Mas essa ideia mudou quando vi um anúncio de jornal procurando agentes de venda com experiência de idiomas, na Itália. Tirei férias do banco, fui para lá e não voltei.

Na Itália eu vendia produtos de limpeza porta a porta, loja a loja, e foi assim que aprendi a vender: descobri que sou um bom vendedor, que consigo vender qualquer coisa. Fiquei um tempo lá, voltei para a Alemanha, acabei retornando à Itália por meio de um programa do governo alemão, trabalhei como gerente de exportação por um ano e meio e aprendi muita coisa. Principalmente com o dono de uma das empresas em que trabalhei,  que me ensinou tudo sobre cálculos de custos, como analisar os concorrentes, saber quais eram os fornecedores. Esses ensinamentos me ajudam até hoje, principalmente quando avalio os outros.

Acabei brigando com esse chefe, porque eu era autônomo, estava dando 200% de mim no trabalho e tive problemas com o filho dele, que queria ter controle total. Saí da empresa e entendi definitivamente que não fui feito para ser empregado, não me enquadro nessas normas. Hoje tenho funcionários e sei que precisamos montar uma estrutura, mas há exceções que podem ser analisadas, dependendo de cada um.

Foi a partir dessa experiência que você acabou criando esse formato inovador da JumpStarter, em que os colaboradores têm um percentual da empresa?

Sim. Eu criei um modelo completamente diferente e novo, mas não acho que veio só dessa experiência. Depois dela tive minha própria empresa na Itália e, como sou empreendedor, sentia o peso da responsabilidade pelos funcionários, que precisavam daquele trabalho para sobreviver. Acabei fechando a empresa, fui para os Estados Unidos, onde recomecei do zero: trabalhei como garçom, fui gerente de um restaurante, fui admin numa startup, ao mesmo tempo em que estava criando a minha própria startup.

Acabei usando outsourcing para fazer o trabalho da startup em que eu era admin: contratei vários indianos para me ajudarem porque o que eu fazia lá era muito chato e, assim, entregava tudo muito mais rápido. Depois entrei numa incubadora de startups fundada pela Nasa, comandada por um dos 10 cientistas que participaram da ida à lua, que era amigo de Buzz Aldrin e Neil Armstrong. Isso aconteceu no momento em que surgiram as incubadoras e, como essa era uma ONG, era mais difícil conseguir investimentos. Nessa época também estava começando o processo de crowdfunding, com alguns projetos de sucesso.

Na Europa não estávamos acostumados a ter investidores financeiros. No meu caso, por exemplo, eu tinha que vender alguma coisa para fazer dinheiro e poder investir na criação de uma empresa. Mas era incrível, nos Estados Unidos, ter um investidor de 5 milhões de dólares com quem nunca me encontrei  pessoalmente. Fiquei fascinado pelo conceito de usar a internet para levantar dinheiro e suporte.

No final, entendi que dinheiro não é o mais importante. Na verdade, o que precisamos é das pessoas que fazem o trabalho. Então criei a JumpStarter, uma plataforma que combinava as coisas como eu queria: a pessoa apresenta uma ideia, alguém pode gostar, daí cria-se um projeto e uma comunidade de pessoas que podem investir seu trabalho nele e, somente no final, vêm os investidores. Dessa forma, as pessoas podem participar do projeto fornecendo trabalho ou investindo dinheiro.

Essa, então, é uma plataforma de crowdfunding onde existe uma ideia de negócio e as pessoas podem investir dinheiro ou o tempo delas trabalhando.

Esse projeto funcionou muito bem quando lançamos: fizemos um acordo com a Aerospace Corp, a empresa que criou o GPS e aplica 1 bilhão de dólares por ano em pesquisas, produz tecnologia para o setor militar e licencia empresas para produzir esses projetos. Então eu soube que o Elon Musk tinha criado o Hyperloop e queria passar o desenvolvimento da ideia para alguém. Um dos meus sócios, na época, era o presidente da incubadora da qual eu fazia parte  e o outro cuidava da transferência de tecnologia da Aerospacecorp. Como eles tinham bons contatos, sugeri que assumíssemos esse projeto: divulgamos que queríamos tocar o projeto e muita gente se interessou em fazer parte dele. Como tudo ainda era muito básico, fizemos um contrato com uma universidade para avaliar a viabilidade. Isso em pouco mais de um ano, de 2013 ao final de 2014

Ao mesmo tempo, foi um ano bem difícil para mim: eu tinha um investidor que havia dado um prazo específico para resgatarmos um determinado valor e estávamos trabalhando na certeza de que esse dinheiro iria entrar.  Duas semanas antes do prazo do pagamento ele ligou e disse que não acreditava mais na empresa. Mais tarde, ele quis voltar, falou com meus sócios e pediu 51% de participação na empresa. Mas não aceitei, porque não seria justo com meus outros investidores, um primo da minha mulher e meu melhor amigo na Alemanha.

Daí iniciei o que chamam de bootstraping nos Estados Unidos: usei todos os meus cartões de crédito, estava me divorciando, acabei alugando meu apartamento no Airbnb e, durante o dia, dirigia Uber ou Lyft com o meu Mercedes, que havia sido comprado na época em que ganhei algum dinheiro. E eu dormia no carro ou no escritório. Isso numa época em que eu já aparecia em matérias e na capa da Forbes! Na teoria era uma pessoa de sucesso, mas tinha uma Mercedes que usava como Uber. Nunca me senti tão invisível como nesse período, porque o motorista praticamente não existe. Isso faz com que a gente fique mais humilde e entenda que o sucesso é momentâneo, o ego some, você não é melhor do que ninguém.

Nisso cheguei  a um momento em que não dava mais, tinha recebido um aviso de despejo, tinha filhos para sustentar e a empresa para tocar.  Eu não conseguia mais ir para a frente. Aí um amigo, que considero um verdadeiro anjo investidor, me ofereceu 10 mil dólares, o que ajudou muito, pois era o que eu precisava para respirar. Depois o mesmo amigo me repassou uma pessoa que devia dinheiro para ele e, em vez de pagar o que devia, investiu 50 mil dólares na minha empresa. Isso foi suficiente para terminar o que tinha que terminar, lançar a Hyperloop Transportation Technologies, divulgar o trabalho e tudo mudou. Saíram muitas matérias na mídia, apareceram vários investidores, o que foi bom, porque não gosto de pedir dinheiro, prefiro que as pessoas vejam o que estou fazendo e resolvam investir.

E foi daí que a JumpStarter deu certo?

Depois entendi mais e mais que a JumpStarter não era só uma plataforma: era uma maneira de trabalhar, que até foi tema de duas teses em Harvard para explicar como funcionamos. Começamos com 800 pessoas trabalhando um mínimo de 10 horas por semana, em troca de uma participação na empresa, no valor do momento, que vai sendo atualizado conforme as coisas crescem.

Confesso que foi difícil, no começo, manter essas pessoas motivadas da mesma forma como que se fossem empregados com salário fixo. É mais fácil ter motivação quando o negócio é seu. Quando você trabalha para alguém é um pouco mais difícil. Naquele momento estávamos criando algo para o futuro e eles não estavam recebendo nada ainda. Eu os chamava de empreendedores 25% porque a semana de trabalho nos Estados Unidos é de 40 horas e eles estavam trabalhando 10.

Na verdade, não fizemos nada de novo, só juntamos peças como o outsourcing, trabalho em home office em todo o mundo - 10 anos antes de virar moda –, eu tinha uma equipe que coordenava o núcleo e,  por meio de ligações, fazia contato com os times de outros locais. Cheguei a ir para a China conhecer a pessoa que trabalhava conosco e que nunca tinha visto. Também tínhamos pessoas atuando em redes sociais e comunidades e, assim, acabei conhecendo o presidente da Bulgária, apresentado por um desses colaboradores. Em dois anos apareceram os concorrentes, empresas querendo fazer copiar o que estávamos fazendo.

Em quanto tempo o projeto do Hyperloop pegou, a partir do momento em que você assumiu?

Nós sempre fizemos testes. O primeiro, de verdade, está sendo feito agora na Itália. Os testes vão vindo em escala, em etapas diferentes.  A Itália foi o primeiro país que fez um leilão público para desenvolver o projeto, nós ganhamos porque temos os parceiros certos. No início pegamos a ideia e criamos o movimento, depois fizemos acontecer e  vieram várias outras empresas, porque ninguém quer ser sozinho. O movimento, hoje , é uma indústria que vai crescer com empresas e pessoas de todo o mundo, porque é um modelo que funciona. As pessoas geralmente me perguntam se funcionava só por causa do nome do Elon Musk, mas embora a Tesla já existisse quando começamos, na Europa ninguém sabia nada sobre ele. Mas é óbvio que ter o nome de Elon Musk ligado ao projeto é importante, como é estar na mídia. Esse tipo de coisa motiva quem trabalha, porque todo mundo quer fazer parte de um time que está ganhando. Acredito que, se você não tiver um projeto excitante, precisa trocar e entender quando deve mudar a marcha. As coisas mais difíceis acabam sendo as mais fáceis, porque é mais provável que alguém queira participar do pouso na lua do que num salão de cabeleireiro ou num café.

Realmente é interessante ver um projeto como esse, tão inovador na forma, sendo implantado por causa da sua persistência.

Esta foi a primeira vez em que eu senti que tinha apoio, não estava sozinho, com muitas pessoas ajudando a levar. Isso não funciona só com projetos grandes, funciona com qualquer coisa. É obvio que quando  temos ideias maiores, aparecem mais pessoas. Mas você precisa achar quem goste do que você fala e queira participar do projeto. Isso melhora a empresa quando ela estiver pronta para receber os investimentos, porque já tem uma equipe comprometida e que acredita.

Ao longo do tempo, entendemos que a inovação não era a plataforma em si: era a metodologia de dar a todos o direito a uma parte do que estão criando. Estou tentando lançar um projeto assim no Brasil: tenho uma empresa da área de alimentos, estou criando uma base de produção e distribuição para montar uma plataforma de inovação alimentícia, onde todo mundo pode participar. Estou criando uma base porque não quero mais investidores externos.

Você criou, então, uma união de forças de gente que tem experiência em várias áreas  e que dedicam uma parte do seu tempo em prol de uma companhia.

Tem uma coisa que aprendi naquela primeira startup em que trabalhei nos Estados Unidos. Por exemplo, o melhor engenheiro da Nasa nunca vai sair de lá para trabalhar numa startup que não sabe se vai funcionar e nenhuma startup tem como pagar esse tipo de profissional em tempo integral. Mas se a Nasa permitir, ele vai usar 10 horas de seu tempo ou até menos para desenvolver alguma coisa ou resolver um problema, porque ele tem qualificação e consegue desempenhar em menos temp. Outra coisa que faz uma grande diferença é a possibilidade de participação de várias empresas na plataforma, inclusive as grandes, que colocam equipes à nossa disposição pela mesma metodologia de coparticipação de quem trabalha individualmente.

Um bom empreendedor tem que saber vender o negócio dele.

Não só dele. Nós nos vendemos todos os dias, quando encontramos pessoas que podem ser nossos amigos, quando fazemos uma entrevista de trabalho, estamos nos vendendo o tempo todo. E vender um produto, uma empresa, é a mesma coisa.  O que não funciona para mim é quando percebo que não será um bom negócio para o outro. Minha maneira de vender é bem direta, é muito mais entender qual o problema do outro e ter a solução. Tem gente que consegue vender qualquer coisa, tem gente que tem carisma, é o que chamamos de  likable. Eu não sou o tipo da pessoa que entra num lugar e todos gostam, mas quem trabalha comigo e me conhece, sabe quem sou.

Um empreendedor entende que é quando as coisas estão difíceis que surgem oportunidades. Quando as pessoas me perguntam porque estou no Brasil, respondo que aqui existem  muitas oportunidades, muitas coisas podem ser melhoradas e, se você encontrar uma maneira de ganhar dinheiro com isso, tem a sua empresa.

Eu acredito que as coisas não são maiores que as pessoas, é muito importante a pessoa que está por trás do negócio.

Quando você é investidor, está investindo numa pessoa. Quando é sócio, quando é a pessoa que está fazendo sua empresa com alguém, o sócio é importante, mais o mais importante é o advogado. A maioria das empresas não dão certo porque os sócios brigam. Isso aconteceu na minha história e quando se tem um bom advogado, já  se define desde o início como será a participação de cada sócio para assegurar que não haja problemas no futuro. Sempre há uma pessoa que trabalha mais, que muitas vezes não fala nada, mas fica amargurada porque está enriquecendo o outro. Isso sempre acaba em briga.

Com o investidor é um pouco diferente: ele fica do lado, mas acontecem problemas também e é normal ter problemas. É muito difícil empreender sozinho, porque os problemas ficam em cima de uma só pessoa. Se o empreendedor tiver uma equipe que trabalha de verdade, que participa, é muito bom. Um dos nossos maiores problemas é dinheiro e se estivermos sozinhos, acabamos perdendo a energia. Se quando você está para baixo, tem alguém que puxa para o alto, sempre surge uma solução.