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Carla Sarni: Seja protagonista da própria história, faça acontecer

Mãe, esposa, cirurgiã-dentista e empreendedora raiz, é uma tubaroa de verdade

Mãe, esposa, cirurgiã-dentista e empreendedora raiz, é uma tubaroa de verdade (Carla Sarni/Reprodução)
Mãe, esposa, cirurgiã-dentista e empreendedora raiz, é uma tubaroa de verdade (Carla Sarni/Reprodução)

Conheci a convidada deste Papo de Tubarões em Harvard, onde ela havia ido para fazer uma palestra e eu também. Mãe, esposa, cirurgiã-dentista e empreendedora raiz, é uma tubaroa de verdade.  Comanda o Grupo Salus, a maior holding de saúde, beleza e bem-estar do país, com 11 empresas, 8 milhões de clientes e mais de 950 unidades espalhadas por todo o país. Carla Sarni é uma das maiores referências femininas no mundo dos negócios e tem uma história muito inspiradora para todas as mulheres e empreendedores de todo o Brasil.

Quem é Carla Sarni?

Gosto muito de compartilhar minha trajetória, porque muita gente acha que já nasceu com o destino pré-determinado e eu digo que não, que todo ser humano é capaz de construir a sua própria história. Sou do interior de São Paulo, filha de mãe cabeleireira e meu pai, que era motorista de ônibus, morreu super jovem.

Digo que sou empreendedora nata, porque aos 12 anos montei minha primeira banquinha, na porta de um supermercado, para vender carretéis de linha. Assim, realizei meu primeiro sonho: comprar uma bicicleta Caloi Ceci.

Me formei em Odontologia com muito sacrifício: vendi até água na porta da faculdade. Meu apelido em Alfenas, para onde me mudei para fazer o curso superior, era camelô: vendia roupas, sapatos, bombons, qualquer coisa, para me manter. Eu fazia faculdade em período integral e trabalhava à noite para poder pagar as contas.

Depois de formada, mudei para São Paulo, morei de favor na casa de um tio e comecei minha trajetória como dentista trabalhando para os outros: tive dois empregos que não deram certo e o terceiro deu tão certo, que comprei o consultório em que trabalhava, simplesinho, em cima de uma padaria, na Zona Leste de São Paulo. Meu marido, que me acompanha em tudo, também é de família muito simples: meu sogro era borracheiro, semianalfabeto. Mas nós dois, juntos, resolvemos construir uma história diferente e sermos donos do nosso próprio destino.

Hoje comando o Grupo Salus, que é a maior holding de saúde, beleza e bem-estar do Brasil, com 8 milhões de clientes, mais de 950 unidades espalhadas por todo o país. Fazemos 400 mil atendimentos por mês e temos 11 marcas, sendo que 4 delas são franquias.

Você é uma dentista, como eu, que também virou outra coisa.

Virei tudo de saúde, beleza e bem estar: depilação, tratamento de beleza e estética, oftalmologia, hospital, odontologia. Acho que praticamente tudo o que envolve esse setor está dentro do meu guarda-chuva Salus.

Fale um pouco sobre o mercado de franquia, que é uma operação muito rentável e muito importante no Brasil, porque dá oportunidade a muitas pessoas de começarem seu próprio negócio com uma coisa já testada e validada.

Não só isso. Os números mostram que a maioria das empresas, dos CNPJs abertos no Brasil, fecham antes mesmo de completarem 5 anos. A essência da franquia é transferência de know how: alguém já testou algo e está entregando validado. No meu caso, operei 23 Sorridents em lojas próprias por 12 anos. Quando viramos franquia, já tínhamos experiência, acertado, errado, era um negócio lucrativo: hoje temos 540 unidades.

Quem abre uma franquia não vai tentar: pega algo que já tem receita. Mas com uma ressalva: franquia não é passaporte para a Ilha de Caras, não funciona se a pessoa estiver buscando dinheiro fácil, sem trabalhar. Quem entra num sistema de franquia tem que ser aderente ao modelo de negócio para dar certo. Por exemplo: tenho 28 anos de experiência e 950 unidades. Ao longo desses 28 anos testei tudo, sei o que dá certo, o que dá errado, o que dá resultados mais rápido. Tem gente que adere, mas em vez de seguir um modelo de negócio já existente, de sucesso, testado e aprovado, quer inventar moda. E corre o risco de não dar certo.

Tenho franqueados que começaram com uma unidade e hoje têm 30, 40, 50 unidades e enriqueceram ao meu lado. Franquia nada mais é do que um casamento: cada um faz sua parte em prol do negócio para que todo mundo tenha sucesso, ganhe dinheiro e, no meu caso, transforme vidas, porque todos os meus negócios são de gente cuidando de gente.

Tenho visto pessoas abrindo franquias sem ter experiência, como se fosse um modelo de escala e não de compartilhar know how. O que você diz para essas pessoas?

Hoje somos um dos maiores franqueadores do Brasil e digo que franquear um negócio é um assunto muito sério, de muita responsabilidade, porque às vezes a pessoa investe as economias da vida toda, uma herança. Não dá para brincar com o dinheiro dos outros e levamos isso muito a sério. É sabido que no Brasil existem franqueadores aventureiros: a pessoa dorme, tem um sonho, acorda, chama um arquiteto para fazer um projeto, busca um consultor, desenha um modelo de franquia e sai vendendo para os outros. Na minha visão isso é um crime, porque está franqueando algo que não testou, não aprovou e está aprendendo com o dinheiro dos outros. Por isso que, às vezes, redes inteiras quebram.

Você teve uma atuação muito forte durante a pandemia. Conte um pouco sobre isso.

Durante a pandemia fui uma das únicas franqueadoras do Brasil que não fechou nenhuma loja em 2020, 2021 e 2022. Abri 250 novas unidades e uma das marcas do grupo cresceu 300%. Isso porque, quando a pandemia começou, eu já tinha uma estrutura enorme, com 2 mil metros quadrados para fornecer suporte, sistema de última geração próprio, super call center. Montei o primeiro canal de teleodontologia e teleoftalmologia no Brasil em 48 horas. Nisso conquistei 600 mil novos clientes, somente no primeiro ano de pandemia.

Minha marca voltada para beleza e bem estar, a GiOlaser, não podia ficar aberta. Então, em 30 dias montei uma plataforma de e-commerce para a venda de pacotes promocionais de tratamentos para serem feitos depois da pandemia. Com isso, meus franqueados ganharam dinheiro com as portas fechadas, sem custos e um deles, inclusive, saiu de uma unidade para cinco.

Muita gente ficou sentada, esperando o que iria acontecer. Como nós temos muitos anos de experiência no setor de saúde e sabemos que proteção faz parte da essência do ser humano, utilizamos esse know how para sobreviver naquele período crítico e, principalmente, levar para as pessoas o que elas precisavam.

Uma pessoa com dor de dente não pode esperar uma pandemia passar. Nós fazemos 100 mil atendimentos de urgência e emergência por mês. Como resolver isso num momento em que os hospitais estavam fechados e focados no atendimento de pacientes com Covid? Meu papel e propósito como cidadã, foi deixar as unidades abertas para atender emergências e muitos desses pacientes atendidos se tornaram nossos clientes.

O atendimento de Oftalmologia, que é feito pela Olhar Certo, também precisava de uma solução: um descolamento de retina, por exemplo pode cegar a pessoa em pouco tempo. Como as clínicas estavam fechadas, construímos em quatro meses um hospital oftalmológico, o Mira, localizado em Moema, para operar pacientes da nossa empresa e de concorrentes. Nossa estratégia de não usar o nome da rede no hospital foi proposital: hoje operamos para todo o mercado.

Posso dizer que, quando criei a plataforma de e-commerce na GiOlaser meu intuito principal era trazer receita para os franqueados para que eles não demitissem os funcionários. Minha grande preocupação era salvar empregos, o ganha pão das famílias, porque por trás de CNPJs existem CPFs e, por trás deles, existem famílias. Quando o empreendedor acorda pelo propósito e suas atitudes estão voltadas para ele, a colheita é certa.  Naquele momento minha intenção não era ganhar dinheiro, era salvar empregos e consegui salvar 12 mil.

Minha preocupação durante a pandemia também era ajudar os pequenos empreendedores. Acho que a pandemia pegou todo mundo de surpresa e ninguém tinha um planejamento que ajudasse a resolver toda a incerteza e o medo.

As incertezas paralisam as pessoas na tomada de decisões. Isso acabou judiando ainda mais do empreendedor durante a pandemia: a dúvida, a incerteza, o medo, a falta de planejamento. Sou empreendedora raiz, saí do menos 1 para chegar aonde cheguei e gosto de buscar oportunidades. E a pandemia trouxe algumas, como vacinas, que não estavam no meu portfolio e hoje tenho a Amo Vacinas, a maior rede de vacinas do Brasil. Se o empreendedor olhar a longo prazo, e entender o problema com uma visão mais estratégica, vai encontrar oportunidades. Por exemplo, das minhas 11 empresas, três surgiram a partir de problemas.

As crises mostram que sempre existem oportunidades, mas é uma questão de mindset, porque quando aparecem problemas, muitas pessoas travam e não conseguem pensar em outra coisa. Mas existem gente como você, que vê o que está nascendo.

Muitas pessoas têm dificuldade de tomar decisões, de agir. Eu quebrei em 2009 com uma dívida de R$ 23 milhões: vendi meu apartamento, ofereci minha empresa de então para o concorrente, vendi dois carros. Se a pessoa não tem um mindset positivo e ficar se lamentando, tentando encontrar culpados, justificativas, não vai acontecer.

Isso é um grande ensinamento. Depois que a obra está feita, as pessoas acham que a trajetória foi só de sucesso, que tudo deu certo. A vida é feita de altos e baixos e a gente aprende mais com os baixos que com os altos. Aprende ou não aprende?

Muito! São verdadeiros MBAs. O problema não é o aparecimento dos gargalos. O problema é a pessoa ficar se vitimizando e não fechar esses gargalos. Gosto de usar um exemplo bobinho:  a pessoa começa o ano, seu emprego está ruim, mas não faz nada para melhorar. O casamento não está indo bem e não faz nada para melhorar o relacionamento. O filho está indo mal na escola e não coloca no reforço, não estuda com ele. Chega o final do ano, o marido vai embora, ela é demitida e o filho repete de ano. Aí diz que a vida é cruel, que Deus é injusto. Só que não fez nada para mudar.

Que mensagem você deixa para nossos tubarões?

Está com problemas, mude de atitude, resolva. O que não dá é ficar sentado em cima do problema se vitimizando, senão vira uma bola de neve. Saia do vitimismo, seja protagonista da própria história, faça acontecer. Sempre acreditei que seria dona do meu próprio destino, porque tenho condições de fazer algo diferente. O empreendedor sempre diz que quer ter sucesso, qualidade de vida. Lindo. Mas antes disso tem uma palavra chamada trabalho, que traz o reconhecimento, que traz o sucesso.