A luta de milhões de mulheres brasileiras
Ocupamos a vergonhosa posição 92 no Ranking de Equidade de Gênero do Fórum Econômico Mundial. Nessas condições, ser mulher e candidata é um ato de bravura
felipegiacomelli
Publicado em 1 de setembro de 2020 às 08h59.
Não quero falar obviedades neste artigo. Recebi o espaço de forma altruísta, com o propósito de usá-lo para dar voz à luta de milhões de mulheres brasileiras. Não precisaria gastar linhas, portanto, lembrando que somos 51% da população e que só conquistamos direito a voto em 1932. Não queria ter de dizer que, ainda hoje, somos meros 15% do Congresso. Só 13 senadoras. Nenhuma negra. Até 2016, o Senado não tinha sequer banheiro feminino. Desnecessário também apontar que democracia pressupõe representatividade. E, no entanto, a questão persiste: por que somos tão poucas?
A falácia conveniente é que mulheres não se interessam por política. Angela Davis não nos deixa enganarmos: “A política permeia nossa existência, insinuando-se nos espaços mais íntimos”. No Brasil, 28,9 milhões de famílias são chefiadas por mulheres. Destas, 11 milhões são mães solo. Ocupamos a vergonhosa posição 92 no Ranking de Equidade de Gênero do Fórum Econômico Mundial, atrás de vizinhos como Suriname, Venezuela e Bolívia.
Nessas condições, ser mulher e candidata é um ato de bravura, como testemunho na posição de diretora-executiva do RenovaBR. Ainda assim há muitas delas com coragem e disposição para tomar as rédeas de nossa democracia. Na última turma do Renova, as mulheres já eram 35%, contra 11% na primeira. É uma jornada que envolve autoconhecimento, qualificação, luta por apoio e uma laboriosa abertura de espaços.
Eu só votarei em mulheres nestas eleições. Por vezes, quando o declaro, ouço que vou escolher pessoas “menos preparadas”. Não é o que os fatos impõem. Na vida real, quem supera mais barreiras se prepara mais. E não faltam barreiras às mulheres. Em 2018, candidatos homens receberam 3,5 vezes mais recursos. Considerado o fator raça, em pontas opostas da tabela, mulheres negras tiveram investimento 10 vezes menor do que homens brancos.
Há ainda a deturpação da regra que obriga 30% de recursos para o sexo oposto em toda chapa. O uso de falsas candidaturas femininas é um exemplo patente de como tentativas de mudança são distorcidas pelos detentores do poder. Barreiras não quantificáveis incluem ainda difamação, violência, assédio e comentários e fake news quase sempre de cunho sexista.
Nos últimos anos, conquistamos um espaço importante, mas muito confortável para quem o cede: o posto de vice. Ter uma vice mulher na chapa virou uma espécie de salvo-conduto, um certificado de “não-sou-machista”. Com todo respeito à trajetória de cada mulher que certamente lutou para chegar lá, ser vice não nos basta. Angela Merkel, Jacinda Ardern, Katrín Jakobsdóttir e Tsai Ing-wen, na liderança respectivamente de Alemanha, Nova Zelândia, Islândia e Taiwan, vêm dando exemplo no combate à pandemia do coronavírus e provando com dados e evidências que este é o Nosso Lugar*.
(*) A deputada Tabata Amaral lançou recentemente o livro “Nosso Lugar”, que conta sua trajetória da periferia de São Paulo ao Congresso.
*Irina Bullara, diretora-executiva do RenovaBR
Não quero falar obviedades neste artigo. Recebi o espaço de forma altruísta, com o propósito de usá-lo para dar voz à luta de milhões de mulheres brasileiras. Não precisaria gastar linhas, portanto, lembrando que somos 51% da população e que só conquistamos direito a voto em 1932. Não queria ter de dizer que, ainda hoje, somos meros 15% do Congresso. Só 13 senadoras. Nenhuma negra. Até 2016, o Senado não tinha sequer banheiro feminino. Desnecessário também apontar que democracia pressupõe representatividade. E, no entanto, a questão persiste: por que somos tão poucas?
A falácia conveniente é que mulheres não se interessam por política. Angela Davis não nos deixa enganarmos: “A política permeia nossa existência, insinuando-se nos espaços mais íntimos”. No Brasil, 28,9 milhões de famílias são chefiadas por mulheres. Destas, 11 milhões são mães solo. Ocupamos a vergonhosa posição 92 no Ranking de Equidade de Gênero do Fórum Econômico Mundial, atrás de vizinhos como Suriname, Venezuela e Bolívia.
Nessas condições, ser mulher e candidata é um ato de bravura, como testemunho na posição de diretora-executiva do RenovaBR. Ainda assim há muitas delas com coragem e disposição para tomar as rédeas de nossa democracia. Na última turma do Renova, as mulheres já eram 35%, contra 11% na primeira. É uma jornada que envolve autoconhecimento, qualificação, luta por apoio e uma laboriosa abertura de espaços.
Eu só votarei em mulheres nestas eleições. Por vezes, quando o declaro, ouço que vou escolher pessoas “menos preparadas”. Não é o que os fatos impõem. Na vida real, quem supera mais barreiras se prepara mais. E não faltam barreiras às mulheres. Em 2018, candidatos homens receberam 3,5 vezes mais recursos. Considerado o fator raça, em pontas opostas da tabela, mulheres negras tiveram investimento 10 vezes menor do que homens brancos.
Há ainda a deturpação da regra que obriga 30% de recursos para o sexo oposto em toda chapa. O uso de falsas candidaturas femininas é um exemplo patente de como tentativas de mudança são distorcidas pelos detentores do poder. Barreiras não quantificáveis incluem ainda difamação, violência, assédio e comentários e fake news quase sempre de cunho sexista.
Nos últimos anos, conquistamos um espaço importante, mas muito confortável para quem o cede: o posto de vice. Ter uma vice mulher na chapa virou uma espécie de salvo-conduto, um certificado de “não-sou-machista”. Com todo respeito à trajetória de cada mulher que certamente lutou para chegar lá, ser vice não nos basta. Angela Merkel, Jacinda Ardern, Katrín Jakobsdóttir e Tsai Ing-wen, na liderança respectivamente de Alemanha, Nova Zelândia, Islândia e Taiwan, vêm dando exemplo no combate à pandemia do coronavírus e provando com dados e evidências que este é o Nosso Lugar*.
(*) A deputada Tabata Amaral lançou recentemente o livro “Nosso Lugar”, que conta sua trajetória da periferia de São Paulo ao Congresso.
*Irina Bullara, diretora-executiva do RenovaBR