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Bitcoin: comprar e ficar rico ou esquecer e testemunhar o estouro da bolha?

Ser colunista não é tarefa fácil. Se morno, a ninguém você incomoda, mas também de nada contribui para que temas importantes sejam discutidos e elaborados pelos leitores. Se quente, divide quem te lê em torcidas organizadas que rapidamente deixam de lado qualquer rastro de bom senso e partem para a briga pessoal esquecendo por vezes […]

 (Benoit Tessier/Reuters)
(Benoit Tessier/Reuters)
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Eduardo Moreira

Publicado em 24 de agosto de 2017 às, 13h29.

Ser colunista não é tarefa fácil. Se morno, a ninguém você incomoda, mas também de nada contribui para que temas importantes sejam discutidos e elaborados pelos leitores. Se quente, divide quem te lê em torcidas organizadas que rapidamente deixam de lado qualquer rastro de bom senso e partem para a briga pessoal esquecendo por vezes sequer o que estava escrito no texto. Mas escrever uma coluna tem também suas benesses. E uma delas é que você passa a ser um consolidador de humores, opiniões e tendências. Afinal, ao se tornar de alguma forma referência para um grupo de pessoas, passa a receber delas uma série de questionamentos e comentários que servem como biruta para ler a direção em que o vento das idéias está soprando. E é nessa linha que recentemente uma enorme onda de questionamentos tem chegado a mim sobre o Bitcoin, a moeda virtual da moda. Mais especificamente se é uma boa idéia ou não comprá-la como investimento.

Gostaria de ter uma resposta simples para meus leitores, do tipo “compre” ou “venda”, mas as coisas não são tão fáceis assim. Explico mas, antes, comecemos pelo começo. O que são o bitcoin e as outras criptomoedas? Qualquer moeda é nada mais do que um instrumento de troca que possui alguma reserva de valor. Já foi o gado (daí a palavra capital, de “capita” ou “cabeça de gado”), o sal (“salário”), os metais preciosos e recentemente pedaços de papel. Mas uma moeda pode literalmente ser qualquer coisa, desde que a maioria aceite esta coisa como algo que pode ser trocado por outras coisas respeitando uma certa razão de troca. Daí a dificuldade de se diferenciar uma moeda de uma commodity. Uma commodity, como o milho, a soja, o petróleo, o cobre, possui todas estas características. Tem cotação, reserva de valor, razão de troca e é aceito por um número grande de pessoas. São, na prática, moedas também. Aliás, algumas delas já foram as moedas oficiais durante algum período da história (como o ouro, por exemplo). E talvez essa seja a melhor maneira de entender o Bitcoin: como uma commodity virtual.

O Bitcoin é a aplicação de uma tecnologia que não para de crescer, o blockchain. Com várias similaridades com o início da World Wide Web, o blockchain reúne cada vez mais computadores em uma enorme rede que cria um processo de verificação e registro de operações absolutamente superior a tudo que se utilizava tradicionalmente. Contratos, documentos de identificação, moedas e muitas outras coisas podem estar passando pela maior mudança de paradigma desde que foram criadas. E por isso, o Bitcoin atrai tanto interesse, por poder ser o novo paradigma do dinheiro no mundo. Mas hoje, ainda é muito mais parecido com um contrato de trigo na bolsa de futuros do que com uma nota de 100 dólares da sua carteira. Isso porque você não usa o Bitcoin para comprar quase nada. Você usa dólares (ou outra moeda) para comprar o bitcoin, espera ele se valorizar ou desvalorizar, troca de volta por dólares e aí compra o que quiser.

Entender a dinâmica do Bitcoin ajuda a entender sua cotação e sua valorização. Seu valor tem se apreciado exatamente porque, ao funcionar como uma commodity virtual, sem regulação, pode ser comprada em um país e vendida em outro, permitindo assim operações de câmbio simplificadas (e mais baratas). Pode ser utilizado para celebrar pagamentos que não deixam registros públicos ou de identidade, facilitando assim pessoas que não querem (ou não podem) deixar rastro de suas operações. Podem ser utilizado para levantar recursos para empresas que não querem passar pelo processo burocrático e regulatório de emitir ações (os ICOs ao invés dos IPOs). Enfim, boa parte do valor do Bitcoin vem de entraves legais e regulatórios existentes que ele é capaz de burlar.

Só que os entraves regulatórios do mundo estão caindo no ritmo do avanço das novas tecnologias. Se todos caíssem de uma vez hoje, o valor do Bitcoin também despencaria. Mas sabemos que isso não irá acontecer. Desta forma, fica difícil estimar se esta dinâmica manterá o preço desta moeda nos níveis atuais, seguirá pressionando sua cotação para cima ou fará com que desvalorize. É claro, existem também outros fatores que influenciam a cotação. O especulativo, um dos mais importantes hoje, seguirá pressionando a cotação para cima, mas é também o mais perigoso para o estouro da bolha em algum momento. Existe a possibilidade de alguém conseguir hackear o sistema e provar que o modelo não é tão seguro assim e colocar em cheque todo esse framework (o que da noite para o dia transformaria em pó a cotação da moeda). E há o risco de uma nova moeda virtual surgir e tomar o lugar do Bitcoin, jogando sua cotação também lá para baixo.

Agora, independente da cotação do Bitcoin subir ou cair, a utilzação das criptomoedas será cada vez maior. Gosto de usar o exemplo da internet. Mesmo com o estouro da bolha de 2000, onde milhares de empresas “.com” tiveram seu valor reduzido a pó, nunca houve um ano sequer (inclusive o de 2000) em que as pessoas usassem menos a internet do que no ano anterior. Ela sempre seguiu crescendo. Será assim com o Bitcoin, mesmo que seu valor despenque.

Ah, e para deixar a coluna um pouco mais quente, se querem saber se eu investiria no Bitcoin nos preços atuais minha resposta seria um convicto “não”! Mesmo sabendo que temos no futuro próximo uma boa chance dessa especulação multiplicar seu valor por várias vezes ainda. Aprendi nos meus anos de mercado que investir é uma maratona e a tentação de enriquecer facilmente no curto prazo faz muito mais historias trágicas do que felizes no mundo dos investimentos.