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O que acontecerá com a China depois que a pandemia passar?

O desenvolvimento econômico do país dos últimos 40 anos foi talvez dos maiores triunfos do mundo pós II Guerra Mundial

CHINA: primeiro a ser paralisado pelo coronavírus, o país também é um dos primeiros que se recupera.  (Jason Lee/Reuters)
CHINA: primeiro a ser paralisado pelo coronavírus, o país também é um dos primeiros que se recupera. (Jason Lee/Reuters)
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Diogo Castro e Silva

Publicado em 23 de abril de 2020 às, 15h43.

Um dos temas mais discutidos na praça pública do COVID19 tem a ver com a China. Várias linhas percorrem esse debate. Uma delas assenta na noção que o grande ganhador de toda a crise é a China. Outra que a China, vista como grande responsável da pandemia, deve ser isolada e pagar um preço geopolítico e econômico pela propagação da COVID19 no planeta. Ambas as visões partem de premissas contudo errôneas e ambas também comungam de um desconhecimento sobre como o pós COVID19 irá influenciar a própria China.

A primeira premissa errada é que, antes da crise, a China já estava no caminho de dominar a economia mundial numa marcha aparentemente inexorável. Esta linha de pensamento é coerente com uma longa história de fascínio e temor do Ocidente com o Oriente. Ainda nos anos 80 do século passado, tínhamos toda uma bibliografia sobre a ascensão do Japão à liderança mundial apenas para citar um exemplo. O desenvolvimento econômico da China dos últimos 40 anos foi talvez dos maiores triunfos do mundo pós II Guerra Mundial.

A saída da pobreza de mais de 1 bilião de pessoas alterou o mundo. Mudou o Brasil, por exemplo, que saiu do ciclo recorrente de crises de balança de pagamentos muito por causa do desenvolvimento do agronegócio atrelado no aumento da demanda da China por produtos agrícolas e outras matérias primas. Trouxe também desafios? Sim. Uma alteração desta magnitude na economia mundial iria sempre trazer desafios complexos de serem geridos quer ao nível geopolítico como econômico.

A segunda premissa errada é que no mundo pós COVID19, o caminho deve ser do isolamento da China. Em 2012, o cientista político norte-americano Ian Bremmer escreveu com  presciência que o mundo caminhava para um estado de G-Zero. Ou seja, um mundo multipolar onde as instituições de governança global perderiam relevância e o contexto global seria dominado por grandes nações demasiado importantes e relevantes para serem isoladas mas não o suficiente para liderarem o mundo sozinhas.

Um pouco como a Europa XIX, mas agora à escala global. A China tem responsabilidades na pandemia? Sim. É possível resolver este problema global, ou outros que espreitam no horizonte como as mudanças climáticas, sem a China? A resposta é um claro não.

Mas talvez mais importante que analisar estes sentimentos, e olhar o impacto do COVID19 na própria China. Antes da crise, a China enfrentava já desafios complexos apesar de toda a imagem projetada para o exterior de um sucesso monolítico. Como fazer a transição de uma economia baseada na exportação e investimento para uma economia baseada em consumo e demanda interna? Como construir um Estado que providencie serviços essenciais como saúde e aposentadoria? Como enriquecer de fato antes de envelhecer dado o acelerado declínio demográfico do país? Como conciliar a centralização política dos últimos anos com o funcionamento de uma economia vibrante de mercado?

Como globalizar as suas empresas sem adaptar a sua cultura de negócios? O COVID19 veio também na China acelerar e expor estes desafios. Por exemplo, se pegarmos nas cadeias de fornecimento de muitas indústrias, um tema muito falado nesta pandemia, e  que em muitos casos começam na China já existia antes da crise um movimento de saída da China para outras geografias por diversas razões , inclusive pelo o aumento dos salários no país. Esse movimento agora vai acelerar. Essa desindustrialização vai colocar à China os mesmos desafios que por exemplo os Estados Unidos ou a Europa enfrentaram nas suas velhas regiões industriais nos últimos 30 anos. E isto sem um Estado Social ou riqueza comparável.

É difícil dizer que este vírus tem vencedores e derrotados. O que é seguramente certo é que ele gerou um mundo mais pobre, inseguro e ansioso no curto-prazo. Transformar isso numa tendência de longo prazo ou não depende, como várias vezes já escrevi, das escolhas que fizermos agora e das lições que optarmos tirar desta crise. Que o façamos com serenidade e lucidez.