A quimera da vacina
A grande questão será como produzir uma vacina em larga escala num contexto de grande dificuldade de cooperação internacional
Janaína Ribeiro
Publicado em 16 de julho de 2020 às 17h45.
Olhando para o comportamento dos mercados financeiros, aqui e no mundo também, vemos quase um salto de fé sendo construído. Basicamente a premissa é que vamos passar de uma economia parada pela pandemia para uma normalidade pré-COVID através da descoberta de uma vacina. Cada dia temos notícias de mais avanços na testagem de vacinas o que faz reforçar a visão deste cenário como realista. A premissa é sem dúvida bastante atraente e de fato todos os esforços de investigação de uma vacina prometem resultados em tempo record, se tivermos em conta que o histórico de investigação de vacinas é de três a cinco anos. Mas a ilusão que ela está ao virar da esquina ameaça daqui a um par de meses parar de novo a retomada da economia e trazer um choque nos mercados.
A epidemia tristemente é uma constante e o vai ser ainda um bom tempo. É aparentemente pouco afetada por variações climáticas e, sem restrições, possui uma alta transmissibilidade. Para além disso, e das mortes associadas, as sequelas na saúde dos recuperados parecem ser em muitos casos severas o que faz com que o custo em termos de saúde pública de uma transmissão sem controlo seja ainda maior. Isto é o que hoje sabemos sobre a doença. Uma vacina eficaz sem dúvida que representa a solução mais definitiva do problema. As boas notícias na frente da vacina são que em termos de ciência médica, ao contrário de outros vírus como o HIV, o desenvolvimento de uma vacina eficaz não parece ser de fato um problema insolúvel. Poderemos ter mesmo uma vacina eficaz até ao final de 2020 o que seria um feito extraordinário. Mas esta é talvez a parte mais fácil do problema. As grandes questões serão como produzir em larga escala essa vacina, como gerir uma demanda verdadeiramente planetária num contexto de grande dificuldade de cooperação internacional e como assegurar uma aplicação generalizada em cada país que assegure uma imunidade de mais de 70 ou 80% da população, nível considerado mínimo pelos epidemiologistas para controlar a doença.
O problema na produção e aplicação de uma vacina não é só capital infelizmente. São insumos de produção e muito importante de aplicação, tecnologia de produção e logística apenas para citar alguns. Não é pois uma questão resolvida em poucos meses. Falar em 2022 é talvez uma previsão realista para atingir uma aplicação da vacina na escala necessária. A questão então fica como gerir este período até à “terra prometida”. Voltamos à questão de atingir uma simbiose com o vírus que assegure um funcionamento o mais normal possível da economia e controlando a transmissão do vírus. Para além de medidas de proteção individual como máscaras, tal só se consegue testando a população de forma alargada e continuada de modo a medir onde novos focos da doença estão surgindo, e impondo restrições mais severas de forma localizada e seletiva de forma a impedir uma volta de uma transmissão descontrolada. O cenário alternativo, é um voo às cegas durante um ano e meio a dois anos com a sociedade a aceitar mês após mês vítimas numa escala significativa e a propagação constante e ininterrupta da doença. Os mercados estão apostando que o regresso a algo parecido com o funcionamento normal da economia é possível nessas condições, sobretudo no muito afetado setor de serviços, ou que o a vacina irá ser aplicada em massa já no primeiro semestre de 2021 e resolver de forma rápida o problema bastando para tal que a sociedade cerre os dentes durante uns poucos de meses. Ambos os cenários se afiguram de fato problemáticos. Uma economia a 90% é possível conceber durante vários meses sem grande apoio do Estado aliviando a pressão sobre a despesa pública e garantindo uma retoma econômica não espetacular mas pelo menos sólida e ininterrupta. Um nível de atividade econômica mais baixo devido à propagação constante do vírus, pelo contrário, exigirá uma ajuda constante à economia por parte dos Estados que é impossível de ser sustentada durante um período muito longo. Esta perspetiva não parece estar no preço dos mercados hoje em dia. Antes pelo contrário. O despertar para a realidade se o curso atual continuar será tão rude quanto, infelizmente, evitável.
Olhando para o comportamento dos mercados financeiros, aqui e no mundo também, vemos quase um salto de fé sendo construído. Basicamente a premissa é que vamos passar de uma economia parada pela pandemia para uma normalidade pré-COVID através da descoberta de uma vacina. Cada dia temos notícias de mais avanços na testagem de vacinas o que faz reforçar a visão deste cenário como realista. A premissa é sem dúvida bastante atraente e de fato todos os esforços de investigação de uma vacina prometem resultados em tempo record, se tivermos em conta que o histórico de investigação de vacinas é de três a cinco anos. Mas a ilusão que ela está ao virar da esquina ameaça daqui a um par de meses parar de novo a retomada da economia e trazer um choque nos mercados.
A epidemia tristemente é uma constante e o vai ser ainda um bom tempo. É aparentemente pouco afetada por variações climáticas e, sem restrições, possui uma alta transmissibilidade. Para além disso, e das mortes associadas, as sequelas na saúde dos recuperados parecem ser em muitos casos severas o que faz com que o custo em termos de saúde pública de uma transmissão sem controlo seja ainda maior. Isto é o que hoje sabemos sobre a doença. Uma vacina eficaz sem dúvida que representa a solução mais definitiva do problema. As boas notícias na frente da vacina são que em termos de ciência médica, ao contrário de outros vírus como o HIV, o desenvolvimento de uma vacina eficaz não parece ser de fato um problema insolúvel. Poderemos ter mesmo uma vacina eficaz até ao final de 2020 o que seria um feito extraordinário. Mas esta é talvez a parte mais fácil do problema. As grandes questões serão como produzir em larga escala essa vacina, como gerir uma demanda verdadeiramente planetária num contexto de grande dificuldade de cooperação internacional e como assegurar uma aplicação generalizada em cada país que assegure uma imunidade de mais de 70 ou 80% da população, nível considerado mínimo pelos epidemiologistas para controlar a doença.
O problema na produção e aplicação de uma vacina não é só capital infelizmente. São insumos de produção e muito importante de aplicação, tecnologia de produção e logística apenas para citar alguns. Não é pois uma questão resolvida em poucos meses. Falar em 2022 é talvez uma previsão realista para atingir uma aplicação da vacina na escala necessária. A questão então fica como gerir este período até à “terra prometida”. Voltamos à questão de atingir uma simbiose com o vírus que assegure um funcionamento o mais normal possível da economia e controlando a transmissão do vírus. Para além de medidas de proteção individual como máscaras, tal só se consegue testando a população de forma alargada e continuada de modo a medir onde novos focos da doença estão surgindo, e impondo restrições mais severas de forma localizada e seletiva de forma a impedir uma volta de uma transmissão descontrolada. O cenário alternativo, é um voo às cegas durante um ano e meio a dois anos com a sociedade a aceitar mês após mês vítimas numa escala significativa e a propagação constante e ininterrupta da doença. Os mercados estão apostando que o regresso a algo parecido com o funcionamento normal da economia é possível nessas condições, sobretudo no muito afetado setor de serviços, ou que o a vacina irá ser aplicada em massa já no primeiro semestre de 2021 e resolver de forma rápida o problema bastando para tal que a sociedade cerre os dentes durante uns poucos de meses. Ambos os cenários se afiguram de fato problemáticos. Uma economia a 90% é possível conceber durante vários meses sem grande apoio do Estado aliviando a pressão sobre a despesa pública e garantindo uma retoma econômica não espetacular mas pelo menos sólida e ininterrupta. Um nível de atividade econômica mais baixo devido à propagação constante do vírus, pelo contrário, exigirá uma ajuda constante à economia por parte dos Estados que é impossível de ser sustentada durante um período muito longo. Esta perspetiva não parece estar no preço dos mercados hoje em dia. Antes pelo contrário. O despertar para a realidade se o curso atual continuar será tão rude quanto, infelizmente, evitável.