Quanto vale o não-trabalho?
A demissão de cerca de 3.600 funcionários da Tesla fez as ações da companhia subirem, mas leva a algumas questões perturbadoras sobre a economia
Publicado em 14 de junho de 2018 às, 19h34.
A Tesla tem um valor de mercado de mais ou menos 58 bilhões de dólares. O anúncio de que vai cortar 9% de sua folha de pagamentos, feito no dia 12 de junho, fez com que as ações subissem 4% – pela percepção dos investidores de que ela agora tem mais chances de estancar os prejuízos e, mais para a frente, se tornar uma empresa que apresente algum lucro anual.
Pois bem: essa alta representa algo como 2,3 bilhões de dólares. Como ela tem cerca de 40.000 funcionários, os demitidos estão na casa dos 3.600. Uma continha básica revela que cada cartinha de demissão equivaleu, neste caso, a um cheque de 639.000 dólares.
Levando em conta que o salário médio de um técnico em produto na Tesla é um pouco menos de 40.000 dólares anuais; e o de um engenheiro é pouca coisa acima de 147.000 dólares anuais, o valor que as demissões agregaram equivalem a 16 anos de serviço, no primeiro caso, ou 4,3 anos, no segundo.
Não deve ser muito animador saber que a sua saída do posto vale, para uma empresa, mais do que 15 anos do seu trabalho.
A não ser, é claro, para aqueles funcionários precavidos que, sabendo que estavam na corda bamba, compraram ações da Tesla, imaginando que sua saída iria aumentar o valor da companhia. Quantos desses haverá no grupo de dispensados?
A reação no mercado de ações é perfeitamente compreensível, mas leva a algumas questões perturbadoras sobre como funciona a economia. Seria esse um bom modelo de negócios? Contratar gente demais, só para demiti-las e lucrar no mercado de ações?
Claro, se você fosse pego especulando com informações sobre a sua própria empresa (como o momento exato em que ocorrerão as demissões), poderia ir para a cadeia. Mas, só para efeito do exercício, vamos supor que fosse possível fazer isso sem problemas.
Daria até mesmo para dar bonificações para os empregados demitidos. Afinal, o não-trabalho deles é exemplar, à prova de reclamações.
E por que não ir um pouco adiante? Uma empresa realmente inovadora poderia comunicar ao mercado que pretende não-contratar 15% de sua força de trabalho este ano. E, no ano que vem, mais 20%.
E se essa lógica se aplicar a outros tipos de despesa?
“Caros investidores e analistas, temos o orgulho de anunciar que este ano nós iremos não-elevar os nossos investimentos em pesquisa em mais de 50%; em marketing, vamos não-gastar 20% a mais que no ano passado…”
Pensando bem, por que ficar nos pequenos cortes? Já imaginou quanto subiriam as ações de uma empresa que se livrasse de 100% de suas despesas?
Já imaginou quanto valeria, neste louco mercado de ações, uma Des-empresa?
*David Cohen é jornalista