O resfriamento global – da humanidade
O planeta pode estar aquecendo, mas há boas evidências de que nós, humanos, estamos ficando mais frios
Publicado em 22 de janeiro de 2020 às, 13h22.
Última atualização em 22 de janeiro de 2020 às, 14h22.
Ainda está longe de ser um consenso da comunidade científica, mas há evidências de que estamos vivendo uma espécie de resfriamento global… do corpo humano. Um estudo publicado este mês na revista científica eLife, realizado por uma equipe da Escola de Medicina da Universidade Stanford, comparou medições de temperatura de cidadãos americanos em três ocasiões: de veteranos da Guerra Civil, obtidas entre 1862 e 1940; de uma pesquisa nacional de saúde, com dados colhidos entre 1971 e 1975; e da base de dados de Stanford, obtidas entre 2007 e 2017. A conclusão é que a temperatura do corpo humano tem caído em média 0,03 graus Celsius por década.
Não é a primeira vez que se coloca em dúvida a marca dos 37ºC do nosso corpo. Ela foi estabelecida em 1851, por um médico alemão (Carl Wunderlich) que tomou a temperatura de cerca de 25 000 pacientes na cidade de Leipzig. Esta ainda é considerada a média global, mesmo que estudos mais recentes tenham chegado a outros resultados – em 2017, por exemplo, uma pesquisa com cerca de 35 000 cidadãos britânicos chegou à média de 36,6ºC.
Até agora, as diferenças eram consideradas resultado de ineficiências na medição original ou dúvidas sobre procedimentos (termômetro na boca ou na axila). A equipe de Stanford, porém, fez uma análise estatística dos dados coletados em 157 anos, relativos a uma janela de nascimentos de 197 anos. E encontrou a tendência de queda, consistente, para todos os grupos observados. Para homens negros americanos, a temperatura média caiu de 37,01ºC, entre 1862 e 1940, para 36,85ºC, de 1971 a 1975, para 36,62ºC, na última década. Para homens brancos, a queda foi de 37,03ºC para 36,83ºC e depois para 36,68ºC. Para as mulheres, não há dados do século passado. Mas sua temperatura caiu de 36,87ºC, na década de 1970, para 36,72ºC, entre as negras, e de 36,86ºC para 36,77ºC entre as brancas.
Mais interessante, a equipe descobriu que mesmo dentro de cada grupo as temperaturas eram em média maiores entre os que nasceram antes, a uma taxa calculada de 0,02ºC de diminuição por década.
A explicação mais plausível para esta descoberta, segundo a equipe de pesquisadores, é a diminuição dos índices de inflamação na população. “O desenvolvimento econômico, melhora nos padrões de vida e sanitários, menos infecções crônicas resultantes de feridas de guerra, aprimoramento da higiene dental, a diminuição do número de casos de tuberculose e malária e o descobrimento dos antibióticos contribuíram, juntos, para um decréscimo da inflamação crônica desde o século 19”, escreveram os pesquisadores. As inflamações fazem com que o metabolismo acelere e a temperatura corporal aumente, justamente para combater a doença.
Além disso, hoje temos melhores condições de regular a temperatura externamente. “Temos ar condicionado e aquecimento, portanto vivemos vidas mais confortáveis em temperaturas amenas em nossas casas”, disse Julie Parsonnet, professora de medicina em Stanford e uma das co-autoras do estudo, à revista Time. “Não é mais uma briga para manter o corpo quente.”
Se a hipótese da equipe de Stanford estiver correta, esta é mais uma evidência de que a raça humana continua a sofrer mudanças fisiológicas, continua a jogar o jogo da adaptação ao ambiente (tal como apontado por Charles Darwin, para todas as espécies). Também é uma evidência de que, apesar das prevalentes e intensas preocupações, nossa vida está melhorando. Consistentemente.
David Cohen é editor executivo e colunista de EXAME.