Exame.com
Continua após a publicidade

O enorme legado de Clayton Christensen

O professor de Harvard é o pai intelectual das “disrupções” e suas ideias ajudaram a moldar o mundo dos negócios do século 21

Clayton Christensen: professor da Harvard morreu em decorrência de um câncer (Joshua Lott/Getty Images)
Clayton Christensen: professor da Harvard morreu em decorrência de um câncer (Joshua Lott/Getty Images)
D
David Cohen

Publicado em 24 de janeiro de 2020 às, 21h23.

Última atualização em 27 de janeiro de 2020 às, 19h16.

Se você já ouviu (ou usou) alguma vez a expressão “disrupção” ou “inovação disruptiva”, agradeça ao teórico Clayton Christensen, professor de Harvard e consultor de inovação, cuja morte em um hospital de Boston, em decorrência de um câncer, foi anunciada hoje, dia 24. Christensen tinha 67 anos. Foi um dos mais influentes pensadores de negócios das últimas décadas, alçado à fama quase que imediatamente após o lançamento do livro O Dilema do Inovador, em 1997.

De certa forma, as ideias de Christensen não apenas descrevem o mundo empresarial como ajudaram a moldá-lo. Sua tese principal é que empresas de sucesso costumam ser destronadas por outras, mais novas, por meio da inovação. Até aí, nada muito diferente do que propagou o economista austríaco Joseph Schumpeter, em 1940, com seu conceito de destruição criativa. As empresas surgem, crescem, se acomodam e são vencidas por outras, com alguma ideia nova, melhor. Este é o cerne do capitalismo e o motivo por que o sistema está sempre se renovando e criando riqueza.

A diferença é que Christensen mergulhou em como isso acontece. Empresas de sucesso ganham mercado, e passam a focar em eficiência: produzir melhor, aumentar sua margem de lucro, conquistar novos mercados. Nessa lida, fecham os olhos para soluções diferentes de resolver o mesmo problema. Só que essas soluções, piores em quase todos os sentidos, conseguem ser mais baratas, a ponto de atender as necessidades de um pequeno grupo ­– o suficiente para sustentar investimentos em melhorias que, pouco a pouco, vão tornando a inovação melhor. Até que, em algum momento, a solução nova desbanca a antiga.

O famoso exemplo fornecido por Christensen foi o de computadores mainframe, pesados, gigantescos, caros, que acabaram destronados pelos computadores portáteis. No início, eles faziam pouca coisa, mas eram muito, muito mais baratos. A clientela que conseguiram conquistar (os que não tinham condições de comprar mainframes) foi bastante para incentivar melhorias e, com elas, crescimento.

Outro exemplo clássico é da Kodak. A própria empresa inventou a foto digital, mas sua qualidade era inaceitável para os padrões que o filme havia atingido. Daí vem o dilema: continuar investindo nas máquinas que usam filme ou desenvolver a máquina digital? Toda a lógica de negócios no final do século 20 dizia que era burrice largar a galinha dos ovos de ouro por um pintinho que mal tinha penas. Resultado: empresas que não tinham o mercado da Kodak para manter foram apostando na inovação, até que...

A exposição dessa lógica tornou Christensen uma celebridade imediata. Não só porque sua descrição era brilhante, mas porque instilou medo em praticamente todas as grandes empresas do planeta. Afinal de contas, aquele dilema parecia insolúvel. Abraçar a inovação significava abrir mão de lucros justamente quando a empresa estava colhendo os frutos de seu trabalho prévio. Isso sem falar que a maior parte das inovações não leva a lugar nenhum.

Seis anos depois, em 2003, Christensen veio com seu segundo livro, um apanhado de soluções não à toa intitulado: A Solução do Inovador. Este livro costuma ser menos lembrado que o primeiro – mas teve muito mais efeito prático. Entre as recomendações de Christensen para livrar-se do dilema estavam:

  1. Criar uma unidade separada na empresa para lidar com a inovação. Assim, livre da burocracia da empresa mãe, sem a pressão por resultados, um pequeno grupo pode desenvolver a nova tecnologia como se fosse uma empresa independente. Se tudo der certo, a empresa filha destruirá a mãe, sem prejuízo para seus acionistas. Seria uma espécie de disrupção suave.
  2. Ficar de olho atento no mercado, para detectar possíveis desafiantes bem cedo, enquanto ainda não representam uma ameaça. E cooptar essas empresas inovadoras, seja pela compra ou pelo desenvolvimento de tecnologia parecida.

Esta segunda solução se alastrou, especialmente pela indústria da tecnologia. O Google comprou mais de 200 companhias; o Facebook, mais de 70; a Amazon, mais de 100. É uma forma de desenvolver novos negócios (como a compra do Android, pelo Google, ou da Alexa, pela Amazon), avançar em suas inovações (como a Lexcycle e a Touchco, integradas no desenvolvimento do livro digital Kindle, da Amazon) ou para eliminar concorrentes potenciais (como a compra do WhatsApp pelo Facebook).

Não quer dizer que Clayton Christensen seja o responsável pela construção dos impérios quase monopolísticos do mundo digital. Mas que ajudou, ajudou.

Também não quer dizer que ele não tenha cometido enganos. O mais famoso foi ter previsto que o iPhone estava destinado ao fracasso. Outro foi ter dito que empresas com organização vertical (que fazem todos os elementos do seu produto) estavam em desvantagem em relação às empresas abertas (hoje a tendência é a inversa).

Mesmo em sua casa, a opinião de Christensen nem sempre prevaleceu. Em 2014, ele pregava que a Universidade Harvard apostasse na inovação dos cursos online. Michael Porter, outro professor de Harvard, outro grande teórico de negócios, argumentava que não fazia nenhum sentido abrir mão da vantagem competitiva que Harvard tinha com seus cursos físicos. A posição de Porter, pelo menos até agora, é a vencedora.

Mas este talvez seja o verdadeiro teste dos clássicos: mesmo ante derrotas, mesmo antes erros abissais, sua teoria se mantém, sua influência bem ancorada. Não se pode falar de inovação, hoje, sem levar em conta as ideias de Clayton Christensen. Está aí um teórico dos negócios que vai ser difícil – muito difícil – “disruptar”.