Se não é sim, é não
Explicando o consentimento
Da Redação
Publicado em 16 de novembro de 2021 às 19h44.
Por Daniela Grelin
Qual a diferença entre paquera e assédio sexual? Entre um elogio e um constrangimento? Qual a diferença entre uma relação sexual saudável e um estupro? Entre uma relação comercial legítima e o abuso de confiança?
Consentimento. Simples assim. Simples? Frequentemente mal-entendido ou deliberadamente mal-interpretado, o consentimento é um daqueles conceitos que todos julgam compreender, mas frequentemente falham em praticar. Balizador que estabelece limites necessários para relacionamentos saudáveis, no trabalho ou fora dele, o consentimento muitas vezes se perde no espaço nebuloso do mal-entendido, em que a falta de clareza é invocada para legitimar abusos nas mais diversas formas.
Para entender melhor o consentimento, é útil começar pelo que ele não é. Embora pareça contraintuitivo, silêncio não é consentimento. Um provérbio berbere diz que “O silêncio é a porta do consentimento”. No Brasil o ditado popular diz que “Quem cala, consente” semeando no imaginário coletivo a ideia de que o que não expressamente proibido, é permitido. Mas se quisermos evitar o terreno pantanoso dos abusos, quando se trata de avanços em relações de intimidade e confiança, a bússola correta seria: o que não é expressamente permitido, é proibido.
Eis aí o primeiro ingrediente fundamental do consentimento: ele deve ser expresso e afirmativo. Na dúvida, pergunte. Clareza é a chave do entendimento: se não é sim, é não.
Consentimento pressupõe livre arbítrio. Só uma pessoa livre e respeitada em sua dignidade é capaz de exercer o consentimento. Logo, ele é incompatível com a manipulação, ameaça, força ou coação. Parece um tanto óbvio e desnecessário lembrar, mas quantos abusos seriam evitados se as pessoas e instituições estivessem atentas às assimetrias de poder e o quanto elas podem predispor a falsos consensos, contratos de adesão (às cegas), ou submissão por falta de alternativa.
Outro componente do livre arbítrio é a capacidade de discernimento e escolha. É por isto que uma pessoa adormecida, profundamente embriagada, inconsciente ou incapacitada não tem as condições necessárias para consentir. De forma análoga, um patamar mínimo de maturidade deve ser alcançado para o exercício do consentimento em relação a diferentes temas, razão pela, na lei Brasileira, o menor de 14 anos não tem condições de consentir sobre relações sexuais, por exemplo.
Finalmente o consentimento é circunstancial e precisa ser renovado. Eu posso concordar em hospedar alguns amigos por um fim de semana, o que não significa que eles estão autorizados a se mudarem para a minha casa de forma definitiva.
Pois é, o óbvio precisa ser lembrado. É quase estranho enumerar parâmetros tão básicos para um conceito estruturante em uma sociedade livre, mas a questão é que muitas vezes o problema não está no que não conseguimos entender, mas no que não queremos compreender e aí sim, a clareza cristalina é o melhor antídoto.
Por Daniela Grelin
Qual a diferença entre paquera e assédio sexual? Entre um elogio e um constrangimento? Qual a diferença entre uma relação sexual saudável e um estupro? Entre uma relação comercial legítima e o abuso de confiança?
Consentimento. Simples assim. Simples? Frequentemente mal-entendido ou deliberadamente mal-interpretado, o consentimento é um daqueles conceitos que todos julgam compreender, mas frequentemente falham em praticar. Balizador que estabelece limites necessários para relacionamentos saudáveis, no trabalho ou fora dele, o consentimento muitas vezes se perde no espaço nebuloso do mal-entendido, em que a falta de clareza é invocada para legitimar abusos nas mais diversas formas.
Para entender melhor o consentimento, é útil começar pelo que ele não é. Embora pareça contraintuitivo, silêncio não é consentimento. Um provérbio berbere diz que “O silêncio é a porta do consentimento”. No Brasil o ditado popular diz que “Quem cala, consente” semeando no imaginário coletivo a ideia de que o que não expressamente proibido, é permitido. Mas se quisermos evitar o terreno pantanoso dos abusos, quando se trata de avanços em relações de intimidade e confiança, a bússola correta seria: o que não é expressamente permitido, é proibido.
Eis aí o primeiro ingrediente fundamental do consentimento: ele deve ser expresso e afirmativo. Na dúvida, pergunte. Clareza é a chave do entendimento: se não é sim, é não.
Consentimento pressupõe livre arbítrio. Só uma pessoa livre e respeitada em sua dignidade é capaz de exercer o consentimento. Logo, ele é incompatível com a manipulação, ameaça, força ou coação. Parece um tanto óbvio e desnecessário lembrar, mas quantos abusos seriam evitados se as pessoas e instituições estivessem atentas às assimetrias de poder e o quanto elas podem predispor a falsos consensos, contratos de adesão (às cegas), ou submissão por falta de alternativa.
Outro componente do livre arbítrio é a capacidade de discernimento e escolha. É por isto que uma pessoa adormecida, profundamente embriagada, inconsciente ou incapacitada não tem as condições necessárias para consentir. De forma análoga, um patamar mínimo de maturidade deve ser alcançado para o exercício do consentimento em relação a diferentes temas, razão pela, na lei Brasileira, o menor de 14 anos não tem condições de consentir sobre relações sexuais, por exemplo.
Finalmente o consentimento é circunstancial e precisa ser renovado. Eu posso concordar em hospedar alguns amigos por um fim de semana, o que não significa que eles estão autorizados a se mudarem para a minha casa de forma definitiva.
Pois é, o óbvio precisa ser lembrado. É quase estranho enumerar parâmetros tão básicos para um conceito estruturante em uma sociedade livre, mas a questão é que muitas vezes o problema não está no que não conseguimos entender, mas no que não queremos compreender e aí sim, a clareza cristalina é o melhor antídoto.