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Por uma Escola sem in(Disciplina)

Nunca a educação brasileira ganhou tanta cobertura da mídia e esteve tanto no centro das discussões políticas como nos últimos dias. Este talvez seja o maior mérito, para não dizer o único, da MP encaminhada pelo Governo Federal na semana passada para ser votada no Congresso. Repleto de pontos polêmicos, o texto ganhou mais apupos do que aplausos, especialmente de educadores, que criticaram particularmente a eliminação de disciplinas como educação […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2016 às 16h34.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 07h28.

Nunca a educação brasileira ganhou tanta cobertura da mídia e esteve tanto no centro das discussões políticas como nos últimos dias. Este talvez seja o maior mérito, para não dizer o único, da MP encaminhada pelo Governo Federal na semana passada para ser votada no Congresso.

Repleto de pontos polêmicos, o texto ganhou mais apupos do que aplausos, especialmente de educadores, que criticaram particularmente a eliminação de disciplinas como educação física, artes, filosofia e sociologia. Outros foram exaltados, como um maior incentivo ao ensino técnico profissionalizante e uma maior liberdade para o estudante escolher que caminho deseja seguir.

Pena que a manifestação mais contundente da sociedade esteja acontecendo após o encaminhamento do projeto aos parlamentares, mas a pauta está aberta e talvez não surja oportunidade melhor para dar um novo rumo ao ensino médio no País e quebrar paradigmas que permitam efetivamente uma verdadeira reconstrução de uma escola secular, confinada em paredes, organizada em fileiras e com um “professor sabe-tudo” repetindo monotonamente conteúdos desinteressantes e insensatos, sem respeitar o interesse e vocação de cada estudante.

A indignação com o fim da obrigatoriedade de disciplinas leva em conta um modelo pedagógico arcaico que insiste em compartimentar o conhecimento em caixinhas, como se não houvesse conexão entre o aprendizado de disciplinas de ciências humanas, biológicas e exatas, como é hoje organizado o ensino médio.

O MEC veio a público esclarecer que não está decretando o extermínio de nenhuma disciplina e que todas continuarão sendo obrigatórias. Como educadora, entendo que o ponto não está na definição de quais disciplinas devem compor o currículo do Ensino Médio e sim em como todos estes assuntos estão conectados, fazendo sentido para os alunos, levando-os a se envolver em momentos de aprendizagem significativa.

Temos 1,7 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola. Para mudar este quadro há muito a se fazer, desde a necessidade de investimentos a melhorias estruturais, mas debater se a escola deve oferecer esta ou aquela disciplina, qual carga horária deve ser aplicada ou quais perguntas podem cair no vestibular me parece totalmente inócuo.

A pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”, divulgada recentemente pelo programa Porvir, do Instituto Inspirare, com a Rede Conhecimento Social, mostra bem esta triste realidade. O levantamento registra que nove entre dez alunos estão insatisfeitos com o sistema educacional. O descontentamento passa pela estrutura física das instituições à falta de interesse pelas aulas e o pouco ou nenhum espaço para opinar nas decisões escolares, entre outras questões.

Vamos dar poder aos alunos!

Pois é. Além de não consultar professores e educadores, faltou ao Governo ouvir justamente os maiores interessados: os alunos. A criação desta nova escola deve passar inevitavelmente pela participação dos estudantes, que sabem melhor do que ninguém quais são as transformações que desejam para que estudar volte a fazer algum sentido e não seja encarado como um castigo e perda de tempo.

Quando questionados sobre que modelo de educação gostariam de ter, um aspecto fundamental se destaca: os estudantes entrevistados querem mais atividades práticas, e menos aulas expositivas, aquelas em que se resumem a receber passivamente um conteúdo previamente estabelecido, sem conexão com sua realidade e interesses. O recado da pesquisa é claro: a escola precisa mudar. Ela deve ser atraente, estimular a participação em projetos e, assim, ter algum propósito para o estudante.

E aí chegamos ao ponto. Em um mundo cada vez mais globalizado, digitalizado, conectado, impactado pelas novas tecnologias que irão exterminar determinadas profissões e já estão levando ao surgimento de outras, qual a razão da escola dividir o aprendizado em disciplinas? Até quando nossos professores continuarão despejando um caminhão de lições e provas que não servem para nada senão preparar o estudante para um exame que, independente de seu potencial e vocação, pode definir seu futuro?

Quem disse que os alunos com as melhores notas irão ser os melhores empreendedores? E as habilidades sócio-emocionais? E o desenvolvimento do raciocínio lógico? E a capacidade de construir relacionamento interpessoal?

Mais habilidades, menos disciplinas.

Flexibilizar e integrar as áreas de conhecimento no Ensino Médio é um primeiro passo para fundamentar um novo modelo escolar. Este sim seria um avanço. Aí sim estaríamos inovando. Todos precisam saber escrever bem, mas não necessariamente em uma aula de português de 45 minutos. A gramática não é um recurso que deva ser dominado somente por quem pretende trabalhar na área de humanas. A lógica não se aplica apenas às atividades de exatas. Não há como viver em um mundo interconectado se o aluno não aprender a como pesquisar e estruturar dados; e este saber não está relacionado com nenhuma disciplina específica.

Nesta verdadeira nova escola, há espaço para todas as disciplinas e o aprendizado deve ser baseado em projetos e não em tarefas fragmentadas organizadas por capítulos e áreas de conhecimento. Basicamente, não há porque estruturar a escola em cima de um curriculo pré-determinado, mas sim focando em quais habilidades os estudantes precisam se desenvolver para enfrentar a realidade profissional, que, a propósito, também terá seu sucesso cada vez menos associado aos diplomas que ostenta, mas pelo que efetivamente aprendeu e sabe fazer.

Do lado do professor, já passou da hora de aceitarmos que não somos mais os detentores do conhecimento e que os alunos são mentes vazias prontas para serem dominadas e ocupadas por repositórios inúteis de lições que precisam ser não assimiladas e compreendidas naturalmente, mas decoradas para a prova. Com o perdão da força de expressão, chega desta idiotice!

Ou assumimos nossas vestes de mentores ou seremos, e já estamos sendo, facilmente despidos, postos a nu, relegados ao velho papel de chatos que não conseguem encantar, envolver, direcionar os alunos por uma estrada em que o saber vem da descoberta e não do estudo embaixo do chapéu de burro.

Há muitos professores que estão buscando novas formas de ensinar, inclusive através de práticas interdisciplinares, mas ganharão muito mais se aceitarem o convite de dar voz e vez aos alunos. São eles que devem direcionar, mandar, inventar, criar, inovar, realizar.

Aos mestres, cabe orientar para, dentro de um projeto que faça sentido aos alunos, tratem de assuntos e tragam aprendizados realmente importantes para que se tornem profissionais competitivos, aqueles classificados como “foras da caixa”.

Mudanças não são definidas por MPs, leis, votações, obrigações. Se queremos trazer os alunos de volta à escola precisamos, acima de tudo, coragem para transformar e inovar tomando como premissa que o mundo não é mais o mesmo que conhecemos quando este fracassado e ultrapassado modelo pedagógico foi desenhado para priorizar quem decora em detrimento de quem cria. E isso precisa acabar. Deixemos a disciplina por menos indisciplina!

PS. Recomendo a leitura de meu outroartigointitulado “Não é só passar no Vestibular!”, em que apresento os resultados de umapesquisafeita pelos próprios alunos do 2o ano do Ensino Médio do Colégio Monteiro Lobato, de São Paulo, para avaliar a satisfação da sociedade (alunos, professores, pais e ex-alunos) sobre a educação brasileira.

Nunca a educação brasileira ganhou tanta cobertura da mídia e esteve tanto no centro das discussões políticas como nos últimos dias. Este talvez seja o maior mérito, para não dizer o único, da MP encaminhada pelo Governo Federal na semana passada para ser votada no Congresso.

Repleto de pontos polêmicos, o texto ganhou mais apupos do que aplausos, especialmente de educadores, que criticaram particularmente a eliminação de disciplinas como educação física, artes, filosofia e sociologia. Outros foram exaltados, como um maior incentivo ao ensino técnico profissionalizante e uma maior liberdade para o estudante escolher que caminho deseja seguir.

Pena que a manifestação mais contundente da sociedade esteja acontecendo após o encaminhamento do projeto aos parlamentares, mas a pauta está aberta e talvez não surja oportunidade melhor para dar um novo rumo ao ensino médio no País e quebrar paradigmas que permitam efetivamente uma verdadeira reconstrução de uma escola secular, confinada em paredes, organizada em fileiras e com um “professor sabe-tudo” repetindo monotonamente conteúdos desinteressantes e insensatos, sem respeitar o interesse e vocação de cada estudante.

A indignação com o fim da obrigatoriedade de disciplinas leva em conta um modelo pedagógico arcaico que insiste em compartimentar o conhecimento em caixinhas, como se não houvesse conexão entre o aprendizado de disciplinas de ciências humanas, biológicas e exatas, como é hoje organizado o ensino médio.

O MEC veio a público esclarecer que não está decretando o extermínio de nenhuma disciplina e que todas continuarão sendo obrigatórias. Como educadora, entendo que o ponto não está na definição de quais disciplinas devem compor o currículo do Ensino Médio e sim em como todos estes assuntos estão conectados, fazendo sentido para os alunos, levando-os a se envolver em momentos de aprendizagem significativa.

Temos 1,7 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola. Para mudar este quadro há muito a se fazer, desde a necessidade de investimentos a melhorias estruturais, mas debater se a escola deve oferecer esta ou aquela disciplina, qual carga horária deve ser aplicada ou quais perguntas podem cair no vestibular me parece totalmente inócuo.

A pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”, divulgada recentemente pelo programa Porvir, do Instituto Inspirare, com a Rede Conhecimento Social, mostra bem esta triste realidade. O levantamento registra que nove entre dez alunos estão insatisfeitos com o sistema educacional. O descontentamento passa pela estrutura física das instituições à falta de interesse pelas aulas e o pouco ou nenhum espaço para opinar nas decisões escolares, entre outras questões.

Vamos dar poder aos alunos!

Pois é. Além de não consultar professores e educadores, faltou ao Governo ouvir justamente os maiores interessados: os alunos. A criação desta nova escola deve passar inevitavelmente pela participação dos estudantes, que sabem melhor do que ninguém quais são as transformações que desejam para que estudar volte a fazer algum sentido e não seja encarado como um castigo e perda de tempo.

Quando questionados sobre que modelo de educação gostariam de ter, um aspecto fundamental se destaca: os estudantes entrevistados querem mais atividades práticas, e menos aulas expositivas, aquelas em que se resumem a receber passivamente um conteúdo previamente estabelecido, sem conexão com sua realidade e interesses. O recado da pesquisa é claro: a escola precisa mudar. Ela deve ser atraente, estimular a participação em projetos e, assim, ter algum propósito para o estudante.

E aí chegamos ao ponto. Em um mundo cada vez mais globalizado, digitalizado, conectado, impactado pelas novas tecnologias que irão exterminar determinadas profissões e já estão levando ao surgimento de outras, qual a razão da escola dividir o aprendizado em disciplinas? Até quando nossos professores continuarão despejando um caminhão de lições e provas que não servem para nada senão preparar o estudante para um exame que, independente de seu potencial e vocação, pode definir seu futuro?

Quem disse que os alunos com as melhores notas irão ser os melhores empreendedores? E as habilidades sócio-emocionais? E o desenvolvimento do raciocínio lógico? E a capacidade de construir relacionamento interpessoal?

Mais habilidades, menos disciplinas.

Flexibilizar e integrar as áreas de conhecimento no Ensino Médio é um primeiro passo para fundamentar um novo modelo escolar. Este sim seria um avanço. Aí sim estaríamos inovando. Todos precisam saber escrever bem, mas não necessariamente em uma aula de português de 45 minutos. A gramática não é um recurso que deva ser dominado somente por quem pretende trabalhar na área de humanas. A lógica não se aplica apenas às atividades de exatas. Não há como viver em um mundo interconectado se o aluno não aprender a como pesquisar e estruturar dados; e este saber não está relacionado com nenhuma disciplina específica.

Nesta verdadeira nova escola, há espaço para todas as disciplinas e o aprendizado deve ser baseado em projetos e não em tarefas fragmentadas organizadas por capítulos e áreas de conhecimento. Basicamente, não há porque estruturar a escola em cima de um curriculo pré-determinado, mas sim focando em quais habilidades os estudantes precisam se desenvolver para enfrentar a realidade profissional, que, a propósito, também terá seu sucesso cada vez menos associado aos diplomas que ostenta, mas pelo que efetivamente aprendeu e sabe fazer.

Do lado do professor, já passou da hora de aceitarmos que não somos mais os detentores do conhecimento e que os alunos são mentes vazias prontas para serem dominadas e ocupadas por repositórios inúteis de lições que precisam ser não assimiladas e compreendidas naturalmente, mas decoradas para a prova. Com o perdão da força de expressão, chega desta idiotice!

Ou assumimos nossas vestes de mentores ou seremos, e já estamos sendo, facilmente despidos, postos a nu, relegados ao velho papel de chatos que não conseguem encantar, envolver, direcionar os alunos por uma estrada em que o saber vem da descoberta e não do estudo embaixo do chapéu de burro.

Há muitos professores que estão buscando novas formas de ensinar, inclusive através de práticas interdisciplinares, mas ganharão muito mais se aceitarem o convite de dar voz e vez aos alunos. São eles que devem direcionar, mandar, inventar, criar, inovar, realizar.

Aos mestres, cabe orientar para, dentro de um projeto que faça sentido aos alunos, tratem de assuntos e tragam aprendizados realmente importantes para que se tornem profissionais competitivos, aqueles classificados como “foras da caixa”.

Mudanças não são definidas por MPs, leis, votações, obrigações. Se queremos trazer os alunos de volta à escola precisamos, acima de tudo, coragem para transformar e inovar tomando como premissa que o mundo não é mais o mesmo que conhecemos quando este fracassado e ultrapassado modelo pedagógico foi desenhado para priorizar quem decora em detrimento de quem cria. E isso precisa acabar. Deixemos a disciplina por menos indisciplina!

PS. Recomendo a leitura de meu outroartigointitulado “Não é só passar no Vestibular!”, em que apresento os resultados de umapesquisafeita pelos próprios alunos do 2o ano do Ensino Médio do Colégio Monteiro Lobato, de São Paulo, para avaliar a satisfação da sociedade (alunos, professores, pais e ex-alunos) sobre a educação brasileira.

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