Novo Ensino Médio pode ajudar a superar desafios da educação pós-pandemia?
Com o retorno às aulas presenciais, é preciso aprofundar a discussão de questões que já se colocavam antes do coronavírus e agora ficaram mais urgentes
Da Redação
Publicado em 15 de outubro de 2021 às 10h57.
Luciana Allan*
A pandemia , a crise econômica e o abismo entre quem conseguiu acompanhar as aulas online e quem sequer tem conexão à Internet tornou os desafios de ofertar um Ensino Médio de qualidade ainda mais difíceis nestes últimos 18 meses. Com o retorno às aulas presenciais, é preciso aprofundar a discussão acerca de várias questões que já se colocavam antes do coronavírus e agora ficaram ainda mais urgentes, inclusive por conta das grandes transformações no mercado de trabalho que foram acentuadas pela crise sanitária.
Gary Bolles, presidente do hub de Futuro do Trabalho da Singularity University, nos traz uma instigante reflexão que tem impacto direto na necessidade de repensar o papel do Ensino Médio, a começar pela própria escola como fonte de conhecimento e espaço de aprendizagem. Na sua visão, há quatro habilidades para as novas gerações de profissionais que são erroneamente classificadas como soft skills, porém indispensáveis: solucionar problemas, capacidade de adaptação, criatividade e empatia.
“Solucionar problemas é, basicamente, do que se trata o trabalho; é para isso que somos pagos e é para isso que pagamos. E com as taxas exponenciais de mudanças, é preciso se adaptar continuamente para gerenciar transformações o tempo todo. A criatividade é o que nos diferencia de robôs e softwares, é uma característica humana única. E com empatia, um superpoder do ser humano, temos a habilidade de nos apaixonarmos com o problema de um cliente ou do mundo”, disse Bolles em palestra no Fórum LIDE de Educação.
No mesmo Fórum, Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, chamou atenção para o que chamou de “emergência de requalificação”, que não pode ser enfrentada com um modelo educacional ultrapassado baseado em um ciclo escola – desenvolvimento de carreira – aposentadoria.
"Se a escola precisa preparar crianças para o século 21, ela tem que mudar radicalmente. O futuro não é um futuro simplesmente digital. Está relacionado a era da superaprendizagem contínua, frequente e rápida, ao longo de toda a vida. Se a educação já era importante, no século 21 será central para sociedades e para que o mundo dê certo", sentenciou.
Seja no ensino presencial ou remoto, com ou sem tecnologia, será que estamos acompanhando essas evoluções? Estão sendo criadas oportunidades de aprendizagem significativas aos estudantes, aquelas em que o conhecimento adquirido será levado para a vida toda? Estão nossos estudantes sendo preparados para as profissões do futuro e para viver em um mundo onde deverão ter que se reinventar várias vezes ao longo da vida?
Para avançar nesta direção de construir um Novo Ensino Médio desenhado para atender as demandas de hoje e do futuro, como propõem as novas diretrizes do Ministério da Educação, antes de mais nada é necessário resgatar a autoestima e, principalmente, a confiança dos estudantes na educação. Precisamos reconquistá-los e lutar para que tenham paixão pelo aprender, descobrir, evoluir e despertar.
Como está o clima escolar após meses de salas de aula fechadas? Qual a real motivação dos alunos do Ensino Médio para investir na sua formação? Que perspectivas eles têm para o futuro?
O estudo “ A confiança e o respeito e sua relação com o interesse para estudar na visão de estudantes, pais e professores do Ensino Médio ”, que acabamos de realizar no Instituto Crescer, em celebração aos 21 anos da instituição, revelou que somente um pouco mais da metade dos estudantes (55,2%) confiam totalmente na educação que estão recebendo. Mas, eles não têm dúvidas em relação ao trabalho desempenhado pelos professores. Nesse quesito, 72% dos estudantes e 74,6% dos pais avaliam que é feito um bom trabalho, apesar da confiança dos alunos nos docentes diminuir ao longo do Ensino Médio.
Com o propósito de entender o clima nas escolas no cenário pós-pandemia, o estudo contou com a participação de 2.312 respondentes das redes pública e privada de todo o país, no período entre abril e agosto deste ano. O questionário do estudo foi inspirado nas pesquisas de Brian Perkins, diretor do programa de liderança de Educação Urbana na Universidade de Columbia. Na definição de Perkins, o clima escolar depende de três fatores: estrutura física, relações entre as pessoas e também do que ele chama de atmosfera psicológica. Compõem esses dois últimos itens o respeito, a confiança entre os diferentes atores que fazem parte da comunidade escolar, o acolhimento e a sensação de segurança.
Nas escolas particulares, o percentual dos estudantes que confiam totalmente em seus professores cai praticamente pela metade do início ao fim do Ensino Médio, passando de 8,8% no primeiro ano para 4,1% no terceiro. Na rede pública, os números se mantêm um pouco mais elevados, mas também apresentam queda. No primeiro ano, o índice de confiança chega a 22,8%. Já no último, baixa para 14,4%.
Quando questionados sobre o quanto se dedicam aos estudos, os estudantes são bem críticos. Somente 27,4% deles acreditam que buscam sempre fazer o seu melhor para obter bons resultados. Já 74,3% dos pais e 75% dos professores avaliam que buscam sempre fazer o melhor para dar apoio aos adolescentes.
Outro aspecto trazido pela pesquisa está relacionado às perspectivas para o futuro desses estudantes. Ao serem perguntados sobre o que esperam do próprio futuro, 24% dos estudantes não conseguem nem imaginar como será. Essa falta de perspectiva é mais forte entre os alunos da rede pública (79%) do que entre os das escolas particulares (21%).
Com esta percepção nebulosa sobre o futuro, como anda a motivação dos alunos?
O estudo do Instituto Crescer também revela que a motivação para estudar não tem sido algo genuíno. Somente 34,1% dos estudantes investem na sua formação pela oportunidade de aprender coisas novas. A maioria (55,7%) o faz apenas por acreditar que é importante para dar continuidade aos seus estudos e 23% acreditam que os relacionamentos estabelecidos ao longo da vida é o que realmente vale para o sucesso futuro.
A tendência do mercado de não exigir diploma para exercer determinadas profissões traz aos estudantes uma nova perspectiva, mas ainda pouco conhecida: o desejo de construir uma nova trilha de aprendizagem. Para dar sequência à sua formação, a grande maioria ainda acredita que a melhor opção seja fazer um curso superior (71,7%). Soment; 12,9% acreditam que sejam os cursos livres e 10,8% dão preferência aos cursos técnicos.
Motivação e perspectivas futuras são diretamente influenciadas pela escolaridade dos pais ou responsáveis e pelo tipo de escola (pública ou privada) dos filhos. O estudo mostra que pais com menor escolaridade (59,1% com até Ensino Médio completo) e que vieram de escolas públicas (49,1%) tendem a ver mais motivação nos filhos para estudar e percebem que fazem o melhor para apoiá-los em seu processo de aprendizagem. Já 43% dos pais com pós-graduação acreditam que seus filhos não têm motivação para estudar e 55% consideram que o apoio que dão a eles é insuficiente.
Diante de um cenário de incertezas, somente 19% dos estudantes confiam no futuro do Brasil. Pais (31,2%) e professores (33,3%) têm uma percepção um pouco mais positiva. Mas, a grande maioria, mais da metade dos pais (51,8%), dos educadores (54,5%) e dos estudantes (51,9%) têm muitas dúvidas em relação a isso. Entre os pais que não confiam no futuro do país, 65% têm filhos matriculados na rede pública e 35% na particular. Nota-se que, tanto em relação ao próprio futuro quanto ao do País, as perspectivas dos estudantes são mais negativas quando comparadas às dos pais.
Os números do nosso estudo não deixam de ser preocupantes, mas, por outro lado, demonstram que tanto estudantes quanto os pais reconhecem e valorizam a educação e os professores como os únicos caminhos para terem esperança de um futuro melhor.
O Novo Ensino Médio, apresentado por meio da Lei nº 13.415/2017, pode vir a ser um fator propulsor de novas conquistas, colaborar para dar luz ao processo educacional e engajar os estudantes em momentos de aprendizagem significativa. Os itinerários formativos (conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes podem escolher no Ensino Médio) e o projeto de vida vão ao encontro das expectativas dos adolescentes, permitindo prepará-los como cidadãos críticos, participativos e com as competências necessárias para estar neste mundo de forma plena.
Agora depende de cada um de nós, reconhecer sua relevância e colaborar para que sejam implementadas as diretrizes propostas, com responsabilidade e equidade, garantindo a cada estudante o direito de ter e perseguir seus sonhos.
O estudo feito pelo Instituto Crescer pode ser um bom ponto de partida para uma reflexão mais profunda sobre o tema, inclusive para análise do contexto particular de cada comunidade escolar. O estudo completo está disponível no link: https://www.slideshare.net/secret/2OXrF9fMfhigi5.
Caso queira implementar este estudo na sua escola entre em contato conosco pelo email luciana@icrescer.org.br
(*) Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação
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Luciana Allan*
A pandemia , a crise econômica e o abismo entre quem conseguiu acompanhar as aulas online e quem sequer tem conexão à Internet tornou os desafios de ofertar um Ensino Médio de qualidade ainda mais difíceis nestes últimos 18 meses. Com o retorno às aulas presenciais, é preciso aprofundar a discussão acerca de várias questões que já se colocavam antes do coronavírus e agora ficaram ainda mais urgentes, inclusive por conta das grandes transformações no mercado de trabalho que foram acentuadas pela crise sanitária.
Gary Bolles, presidente do hub de Futuro do Trabalho da Singularity University, nos traz uma instigante reflexão que tem impacto direto na necessidade de repensar o papel do Ensino Médio, a começar pela própria escola como fonte de conhecimento e espaço de aprendizagem. Na sua visão, há quatro habilidades para as novas gerações de profissionais que são erroneamente classificadas como soft skills, porém indispensáveis: solucionar problemas, capacidade de adaptação, criatividade e empatia.
“Solucionar problemas é, basicamente, do que se trata o trabalho; é para isso que somos pagos e é para isso que pagamos. E com as taxas exponenciais de mudanças, é preciso se adaptar continuamente para gerenciar transformações o tempo todo. A criatividade é o que nos diferencia de robôs e softwares, é uma característica humana única. E com empatia, um superpoder do ser humano, temos a habilidade de nos apaixonarmos com o problema de um cliente ou do mundo”, disse Bolles em palestra no Fórum LIDE de Educação.
No mesmo Fórum, Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, chamou atenção para o que chamou de “emergência de requalificação”, que não pode ser enfrentada com um modelo educacional ultrapassado baseado em um ciclo escola – desenvolvimento de carreira – aposentadoria.
"Se a escola precisa preparar crianças para o século 21, ela tem que mudar radicalmente. O futuro não é um futuro simplesmente digital. Está relacionado a era da superaprendizagem contínua, frequente e rápida, ao longo de toda a vida. Se a educação já era importante, no século 21 será central para sociedades e para que o mundo dê certo", sentenciou.
Seja no ensino presencial ou remoto, com ou sem tecnologia, será que estamos acompanhando essas evoluções? Estão sendo criadas oportunidades de aprendizagem significativas aos estudantes, aquelas em que o conhecimento adquirido será levado para a vida toda? Estão nossos estudantes sendo preparados para as profissões do futuro e para viver em um mundo onde deverão ter que se reinventar várias vezes ao longo da vida?
Para avançar nesta direção de construir um Novo Ensino Médio desenhado para atender as demandas de hoje e do futuro, como propõem as novas diretrizes do Ministério da Educação, antes de mais nada é necessário resgatar a autoestima e, principalmente, a confiança dos estudantes na educação. Precisamos reconquistá-los e lutar para que tenham paixão pelo aprender, descobrir, evoluir e despertar.
Como está o clima escolar após meses de salas de aula fechadas? Qual a real motivação dos alunos do Ensino Médio para investir na sua formação? Que perspectivas eles têm para o futuro?
O estudo “ A confiança e o respeito e sua relação com o interesse para estudar na visão de estudantes, pais e professores do Ensino Médio ”, que acabamos de realizar no Instituto Crescer, em celebração aos 21 anos da instituição, revelou que somente um pouco mais da metade dos estudantes (55,2%) confiam totalmente na educação que estão recebendo. Mas, eles não têm dúvidas em relação ao trabalho desempenhado pelos professores. Nesse quesito, 72% dos estudantes e 74,6% dos pais avaliam que é feito um bom trabalho, apesar da confiança dos alunos nos docentes diminuir ao longo do Ensino Médio.
Com o propósito de entender o clima nas escolas no cenário pós-pandemia, o estudo contou com a participação de 2.312 respondentes das redes pública e privada de todo o país, no período entre abril e agosto deste ano. O questionário do estudo foi inspirado nas pesquisas de Brian Perkins, diretor do programa de liderança de Educação Urbana na Universidade de Columbia. Na definição de Perkins, o clima escolar depende de três fatores: estrutura física, relações entre as pessoas e também do que ele chama de atmosfera psicológica. Compõem esses dois últimos itens o respeito, a confiança entre os diferentes atores que fazem parte da comunidade escolar, o acolhimento e a sensação de segurança.
Nas escolas particulares, o percentual dos estudantes que confiam totalmente em seus professores cai praticamente pela metade do início ao fim do Ensino Médio, passando de 8,8% no primeiro ano para 4,1% no terceiro. Na rede pública, os números se mantêm um pouco mais elevados, mas também apresentam queda. No primeiro ano, o índice de confiança chega a 22,8%. Já no último, baixa para 14,4%.
Quando questionados sobre o quanto se dedicam aos estudos, os estudantes são bem críticos. Somente 27,4% deles acreditam que buscam sempre fazer o seu melhor para obter bons resultados. Já 74,3% dos pais e 75% dos professores avaliam que buscam sempre fazer o melhor para dar apoio aos adolescentes.
Outro aspecto trazido pela pesquisa está relacionado às perspectivas para o futuro desses estudantes. Ao serem perguntados sobre o que esperam do próprio futuro, 24% dos estudantes não conseguem nem imaginar como será. Essa falta de perspectiva é mais forte entre os alunos da rede pública (79%) do que entre os das escolas particulares (21%).
Com esta percepção nebulosa sobre o futuro, como anda a motivação dos alunos?
O estudo do Instituto Crescer também revela que a motivação para estudar não tem sido algo genuíno. Somente 34,1% dos estudantes investem na sua formação pela oportunidade de aprender coisas novas. A maioria (55,7%) o faz apenas por acreditar que é importante para dar continuidade aos seus estudos e 23% acreditam que os relacionamentos estabelecidos ao longo da vida é o que realmente vale para o sucesso futuro.
A tendência do mercado de não exigir diploma para exercer determinadas profissões traz aos estudantes uma nova perspectiva, mas ainda pouco conhecida: o desejo de construir uma nova trilha de aprendizagem. Para dar sequência à sua formação, a grande maioria ainda acredita que a melhor opção seja fazer um curso superior (71,7%). Soment; 12,9% acreditam que sejam os cursos livres e 10,8% dão preferência aos cursos técnicos.
Motivação e perspectivas futuras são diretamente influenciadas pela escolaridade dos pais ou responsáveis e pelo tipo de escola (pública ou privada) dos filhos. O estudo mostra que pais com menor escolaridade (59,1% com até Ensino Médio completo) e que vieram de escolas públicas (49,1%) tendem a ver mais motivação nos filhos para estudar e percebem que fazem o melhor para apoiá-los em seu processo de aprendizagem. Já 43% dos pais com pós-graduação acreditam que seus filhos não têm motivação para estudar e 55% consideram que o apoio que dão a eles é insuficiente.
Diante de um cenário de incertezas, somente 19% dos estudantes confiam no futuro do Brasil. Pais (31,2%) e professores (33,3%) têm uma percepção um pouco mais positiva. Mas, a grande maioria, mais da metade dos pais (51,8%), dos educadores (54,5%) e dos estudantes (51,9%) têm muitas dúvidas em relação a isso. Entre os pais que não confiam no futuro do país, 65% têm filhos matriculados na rede pública e 35% na particular. Nota-se que, tanto em relação ao próprio futuro quanto ao do País, as perspectivas dos estudantes são mais negativas quando comparadas às dos pais.
Os números do nosso estudo não deixam de ser preocupantes, mas, por outro lado, demonstram que tanto estudantes quanto os pais reconhecem e valorizam a educação e os professores como os únicos caminhos para terem esperança de um futuro melhor.
O Novo Ensino Médio, apresentado por meio da Lei nº 13.415/2017, pode vir a ser um fator propulsor de novas conquistas, colaborar para dar luz ao processo educacional e engajar os estudantes em momentos de aprendizagem significativa. Os itinerários formativos (conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes podem escolher no Ensino Médio) e o projeto de vida vão ao encontro das expectativas dos adolescentes, permitindo prepará-los como cidadãos críticos, participativos e com as competências necessárias para estar neste mundo de forma plena.
Agora depende de cada um de nós, reconhecer sua relevância e colaborar para que sejam implementadas as diretrizes propostas, com responsabilidade e equidade, garantindo a cada estudante o direito de ter e perseguir seus sonhos.
O estudo feito pelo Instituto Crescer pode ser um bom ponto de partida para uma reflexão mais profunda sobre o tema, inclusive para análise do contexto particular de cada comunidade escolar. O estudo completo está disponível no link: https://www.slideshare.net/secret/2OXrF9fMfhigi5.
Caso queira implementar este estudo na sua escola entre em contato conosco pelo email luciana@icrescer.org.br
(*) Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação
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