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Meus Parabéns aos Professores que são Designers de Aprendizagem

Docentes estão lidando com um novo momento da educação remota, um momento que parece não ter fim e que poderá marcar os modos de ensino

Professores: educação é a base de um povo e, se não levarmos isso a sério, teremos cada vez mais dificuldade de avançar e nos posicionarmos como um país relevante (Depositphotos/Reprodução)
Professores: educação é a base de um povo e, se não levarmos isso a sério, teremos cada vez mais dificuldade de avançar e nos posicionarmos como um país relevante (Depositphotos/Reprodução)
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Crescer em Rede

Publicado em 14 de outubro de 2020 às, 15h07.

Última atualização em 15 de outubro de 2020 às, 09h48.

Um novo levantamento que realizamos aqui no Instituto Crescer acendeu vários sinais de alerta sobre como os docentes estão lidando com este novo momento da educação remota, um momento que parece não ter fim e que poderá deixar marcas positivas ou negativas, quando as escolas reabrirem, dependendo da forma como esta questão for encaminhada nos próximos meses.

Realizada durante a primeira quinzena de setembro com 528 professores de todo o país, vinculados à instituições de ensino públicas e privadas, a pesquisa Competência Docente: Designer de Experiências de Aprendizagem” buscou entender em que medida os educadores vêm desenvolvendo essa competência para planejar boas estratégias pedagógicas.

A principal constatação foi a dificuldade em analisar o real impacto na aprendizagem dos alunos quando estão imersos em ambientes virtuais: 46% dos educadores declararam não saber avaliar se os estudantes estão realmente aprendendo com as aulas on-line, apesar de 87% deles afirmarem utilizar recursos tecnológicos todos os dias. Este dado é consequência de uma situação nova para muitos que ainda estão vivenciando um processo de adoção tecnológica, um passo importante quando falamos de tecnologia educacional.

Esse aspecto positivo se reflete na percepção deles relacionada à familiaridade que têm sobre o uso das tecnologias digitais para fins pedagógicos. Em uma escala de 0 a 10, 64% dizem que, antes da pandemia, tinham conhecimento entre 5 e 8. Passados 6 meses, 82% avaliam ter evoluído para um grau entre 7 e 10. Essa também é considerada a maior conquista deste momento para 41%.

Resolvida a questão da adoção tecnológica, em um processo natural de formação continuada de docentes, seria o momento de começar a qualificar o uso destes recursos como ferramentas que apoiem oportunidades de aprendizagem significativa.

E é aí que percebemos que ainda temos muito a avançar! Para entender melhor este ponto é importante analisar as respostas dadas pelos docentes referentes aos aspectos mais buscados no desenho de uma aula para educação remota.

O primeiro que mais chama atenção é o fato da grande maioria ainda busca manter as atividades previstas para acontecer em sala de aula (52%), sendo que, destes, 8% procuram seguir exatamente o que havia sido previsto e 44% tentam fazer pequenos ajustes para se adequar aos ambientes virtuais. Neste processo, os maiores focos são: interagir com os alunos (74%), transmitir o conteúdo previsto (58%) e estimular que os estudantes façam pesquisas (50%).

Resultado disso tudo: frustração! “Muitos dos meus colegas preparam aulas maravilhosas e os alunos não interagem com os professores, não aproveitam a estrutura disponível e isso é muito difícil...”, desaba um professor.

Essa decepção não vem somente deste aspecto. Na pesquisa, outros pontos foram mencionados como catalisadores deste sentimento. São eles: falta de acesso à tecnologia, falta de boa vontade de todas as esferas e falta de apoio de pais e familiares.

Enfim, são muitos os pontos de atenção, mas neste artigo vamos nos focar no sujeito professor como um dos alicerces importantes para o sucesso desta empreitada e que deve ter origem no seu processo de desenvolvimento profissional, tendo como foco o aprendizado de várias competências para a docência no século XXI, dentre elas a de designer de experiências de aprendizagem.

Ter essa competência significa saber “dar vida” ou “dar luz” ao processo educacional. Aqui estamos falando de educação remota, mas podemos aplicar este conceito também na educação presencial. E, para isso, não basta conhecer os recursos tecnológicos disponíveis; é preciso repensar as estratégias de ensino, incorporar as metodologias ativas e pensar em novos modelos de avaliação.

Trata-se de uma outra forma de ensinar para estudantes que já nasceram em um mundo globalizado e dominado pelas tecnologias digitais, que têm uma outra maneira de estruturar o pensamento e devem ser preparados para um mundo que não sabemos qual exatamente será, mas que certamente exigirá muita colaboração, resiliência, criatividade e empatia.

Aspectos apontados na pesquisa que ainda são pouco valorizados ou utilizados pelos docentes serão cada vez mais importantes quando vislumbramos uma educação de qualidade. Colaboração entre os estudantes, dar a eles desafios para serem resolvidos em equipe, oportunidades de criação e produção de diferentes formas de comunicação e expressão deverão estar cada vez mais presentes.

Muitos já vêm tentando olhar para este processo de uma forma diferente. Em outra pesquisa que conduzimos aqui no Instituto Crescer, intitulada “Volta às aulas pós-pandemia”, 32,5% dos docentes decidiram tirar o foco do conteúdo e colocar mais no desenvolvimento de competências e habilidades e 51,6% estão fazendo uma revisão curricular, buscando focar no que é essencial. Ou seja, um primeiro passo está sendo dado.

Para que toda esta experiência deixe marcas positivas em nossa história, é necessário institucionalizar este processo. Na pesquisa vemos que toda esta conquista é, em grande parte, fruto de um esforço pessoal de cada docente ou de uma ajuda mútua entre eles: 61% disseram que estão aprendendo sozinhos e 54% com seus pares.

Somente 42% aprenderam por meio de programas de formação continuada ofertados pela instituição a qual estão vinculados, 29% disseram que foi aberto espaço no planejamento semanal para estudar mais sobre o assunto e 7% disseram que estão recebendo por mais horas de planejamento para que consigam superar este desafio.

Este cenário leva ao sentimento mais manifestado por eles: resiliência. Esse é o resultado disso tudo para 37% dos respondentes. Resiliência por ter sido capaz de superar níveis elevados de stress, vencer a frustração da falta de interesse dos estudantes, encarar a câmera, a timidez e as críticas, derrubar a diferença social e de acesso a recursos tecnológicos.

Nada melhor para traduzir tudo isso do que outro depoimento de um professor:

“A percepção de entender que a minha capacidade é = a minha paixão pelo o querer vencer × a minha vontade de querer continuar + a minha perseverança - pela minha insegurança ÷ pelo prazer de ousar diante do novo > que o pensamento negativo < que desânimo #aprender.”

Resumindo, podemos tirar boas lições deste momento de pandemia e alcançar um novo patamar na educação brasileira. Repensar estratégias de ensino, aproveitando cada vez mais o melhor do que as tecnologias digitais têm a nos oferecer, pode ser algo extremamente factível.

Mas, para isso, precisamos que o tripé formação docente, investimento em infraestrutura, revisão curricular e do processo avaliativo sejam parte de uma política pública alicerçada em um planejamento estratégico com metas de curto, médio e longo prazo.

Vamos olhar este momento de uma forma disrruptiva, de uma forma como nunca imaginamos antes? Que tal? Esta aí nossa chance de mostrar resiliência e como brasileiros unirmos forças para fazer com que cada menino ou menina seja capaz de desenhar e colocar em prática o seu projeto de vida. Ou para que incluímos este aspecto no currículo do Ensino Médio?

Todos os índices de contaminações e mortes por Covid-19 ao redor do mundo indicam que o processo será mais longo do que imaginamos, então, como já sublinhei, não podemos partir do princípio que essa seja uma fase passageira e logo tudo voltará ao normal. É preciso que toda a comunidade educacional se conscientize de que o ensino virtual veio para ficar e, portanto, precisa ser objeto de estudo e reflexão.

No último dia 6, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, por unanimidade, uma resolução que autoriza a continuidade do ensino remoto até o final de 2021. A decisão é válida do ensino básico ao superior, porém delegando às instituições decidir como prosseguir. O texto ainda deve ser homologado pelo MEC.

Negligenciar os sinais que foram dados por essa pesquisa e os encaminhamentos que estão sendo dados para o novo normal, terá um impacto negativo muito maior do que se pode imaginar. Afinal, a economia de um país depende das pessoas para que possamos nos diferenciar e alcançar alguma vantagem competitiva em qualquer mercado.

Se não corrigirmos o rumo, mesmo que a atividade econômica se recupere e demande profissionais, haverá falta de mão de obra capacitada para ocupar as vagas. E os índices mais recentes mostram que nossa deficiência não se resume às competências que demandam formação superior, mas inclusive nas que exigem apenas o ensino médio completo.

Em entrevista a Luciano Huck, o ativista, escritor e autor holandês Rutger Bregman faz uma interessante reflexão sobre o papel da educação na sociedade:

“Acredito em um sistema educacional no qual as crianças tenham um pouco mais de liberdade. As escolas tradicionais ainda são esses lugares hierárquicos onde os professores sabem tudo e tentam enfiar esse conhecimento nos cérebros dos estudantes. A criatividade surge com a liberdade, com a possibilidade das crianças decidirem por si mesmas o que elas acham interessante.... A escola do futuro não deveria preparar as pessoas só para ganhar tanto dinheiro quanto possível, mas para viver uma vida bem vivida, para tentar acrescentar algo à sociedade. Tudo isso começa com um pouco mais de liberdade para as crianças”.

Bregman tem toda razão. Educação é a base de um povo e, se não levarmos isso a sério, teremos cada vez mais dificuldade de avançar e nos posicionarmos como um país relevante na economia mundial. Como um passo mais do que urgente, os professores precisam se apressar para ampliar suas habilidades relacionadas com o designer de aprendizagem, desenhando aulas que não tenham o propósito de somente transmitir conhecimento, mas de estimular a criatividade, a empatia e um olhar crítico para o mundo que nos rodeia. Não adianta ser negacionista: sua escola nunca mais será a mesma.

Para fazer o download da pesquisa “Volta às aulas pós-pandemia” acesse aqui e para pesquisa “Professores como designers de experiências de aprendizagem” acesse aqui.

*Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação