Importação mortal: atentados em escolas vieram ao Brasil para ficar?
Considerados epidêmicos nos EUA, os crimes violentos em escolas têm ocorrido com maior frequência também no país
Redação Exame
Publicado em 7 de junho de 2023 às 12h10.
Por Luciana Allan *
Considerados epidêmicos nos Estados Unidos, os crimes violentos em escolas têm ocorrido com maior frequência também no Brasil. Embora os ataques norte-americanos estejam bastante atrelados ao fácil acesso às armas de fogo, que causam mais vítimas fatais, a principal origem da violência em instituições de ensino nas duas maiores democracias das Américas é, infelizmente, a mesma: a ampla exposição de crianças e adolescentes a ideologias extremistas através de redes sociais.
Afinal, o que leva uma pessoa a entrar em uma sala de aula, seja com uma faca ou uma metralhadora, para matar? Segundo os especialistas, há inúmeros motivos e cada tragédia possui particularidades. Contudo, há características facilmente identificáveis entre grande parte dos criminosos: homens caucasianos, com pouco contato social e presença virtual em grupos que propagam o ódio na internet.
O bullying, os videogames e certos estilos musicais também são frequentemente lembrados na hora de apontar culpados, mas de pouco adianta responsabilizar um jogo ou uma mensagem subliminar em alguma música de Heavy Metal. Na segunda década do século 21, as nuances da violência estão cada vez mais diluídas no cotidiano.
E, quando alguém atribui responsabilidade por um atentado a videogames, como fez recentemente o presidente da República, não percebe que o problema não está na trama do jogo em si, mas sim nas salas de bate-papo desses games e nos diálogos entre os jogadores. Racismo, xenofobia, misoginia, pedofilia e propaganda nazista são conteúdos que se tornaram banais nesses ambientes marcados por discursos violentos.
O aplicativo Discord, plataforma de conversa de áudio e vídeo, bastante popular entre jovens e jogadores, para citar um exemplo, é marcado pela falta de moderação e o uso de humor sádico, principalmente por memes, para distribuir conteúdo explícito, principalmente contra crianças, animais, mulheres e pessoas negras.
Se crescemos rodeados de filmes e séries norte-americanas mostrando a dura realidade das “High Schools”, é importante salientar que a maneira como os jovens se relacionam nos dias de hoje mudou radicalmente com o uso indiscriminado das redes sociais e dos smartphones. Na internet, é possível administrar múltiplas personalidades, ser o agressor e o agredido, revelar segredos e frustrações a estranhos e assim criar laços com grupos cada vez mais politizados e polarizados.
A ascensão da extrema-direita no mundo, com processos eleitorais particularmente traumáticos nos EUA e no Brasil, somadas ao isolamento social gerado pela pandemia, impulsionou os crimes de ódio. Seria o fator temporal que fez com que os ataques em escolas brasileiras chocassem a sociedade pela frequência quase semanal com que iam parar no noticiário?
Apenas em 2022 e 2023, o número desses ataques no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores, segundo pesquisadores. Um levantamento feito pela pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), registrou 22 ataques a escolas entre outubro de 2002 e março de 2023.
Ou seja, o ataque que matou quatro crianças em Blumenau e o ataque a faca no Rio de Janeiro que matou uma professora ainda nem tiveram tempo de “virar estatística”. Cabe ressaltar que 11 desses 22 ataques aconteceram nos últimos dois anos.
Como frear essa escalada? Qual a solução? As propostas vão desde instalar detectores de metal e postar policiais dentro das escolas até armar professores. Faz sentido transformar um ambiente de ensino em locais beligerantes, que lembram instituições militares ou presídios de segurança máxima?
O papel do professor é mesmo o de uma espécie de escudo, alguém disposto a dar a própria vida para salvar alunos a qualquer preço? Como abordar o tema? Qual treinamento a ser adotado em momentos de crise? Se não temos respostas fáceis e que agradam a todos, algumas ações concretas começam a surtir efeitos positivos.
A imprensa brasileira, que costumava entrar na psique dos assassinos, analisando cada pormenor e divulgando suas faces e ideias, muitas vezes deixadas em cartas e manuscritos, decidiu mudar de estratégia. Ao não mostrar o rosto ou nem mesmo o nome do autor, combate o “efeito contágio” e os admiradores de crimes reais.
No dia 20 de abril, data-aniversário do Massacre de Columbine, ocorrido em 1999, nos Estados Unidos, muitos pais foram bombardeados com mensagens e Fake News de possíveis atentados no Brasil para homenagear esse crime, que teve ampla exposição na mídia e também no cinema.
Aliás, combater a desinformação é uma das primeiras atitudes que precisam ser tomadas para evitar o pânico e que mensagens de ódio e ameaças reais sejam transmitidas livremente. Dez dias após o ataque em Blumenau, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública anunciou que 756 perfis foram derrubados das redes sociais, com 225 pessoas presas ou apreendidas. Quase 700 adolescentes e adultos foram intimados a prestar depoimento em delegacias, foram 155 buscas e apreensões e 1.595 boletins de ocorrência registrados com milhares de investigações em curso através de denúncias recebidas através do canal oficial do governo. Será o bastante?
O Instituto Crescer produziu um documento chamado “Paz Nas Escolas É Essencial”, divulgado em nossas redes, com reflexões sobre o contexto atual e traçando estratégias propositivas para combater o bullying, o excesso de intermediação das relações via redes sociais, exclusão social e preconceito, a falta de diálogo dentro das famílias e também com dicas de como se blindar contra fake news. O material tem uma curadoria de links para indicar os comportamentos que não devem ser apoiados, como fomentar a cultura de paz e cuidar de quem cuida.
Evitar que essas tragédias sejam normalizadas e virem apenas números é crucial. Mostrar que a internet não é um território sem lei vale para uma miríade de crimes em andamento, porém, estar atento no que acontece nas telas se torna ainda mais importante quando o assunto são crianças e adolescentes em busca de conhecimento e diversão.
Por Luciana Allan *
Considerados epidêmicos nos Estados Unidos, os crimes violentos em escolas têm ocorrido com maior frequência também no Brasil. Embora os ataques norte-americanos estejam bastante atrelados ao fácil acesso às armas de fogo, que causam mais vítimas fatais, a principal origem da violência em instituições de ensino nas duas maiores democracias das Américas é, infelizmente, a mesma: a ampla exposição de crianças e adolescentes a ideologias extremistas através de redes sociais.
Afinal, o que leva uma pessoa a entrar em uma sala de aula, seja com uma faca ou uma metralhadora, para matar? Segundo os especialistas, há inúmeros motivos e cada tragédia possui particularidades. Contudo, há características facilmente identificáveis entre grande parte dos criminosos: homens caucasianos, com pouco contato social e presença virtual em grupos que propagam o ódio na internet.
O bullying, os videogames e certos estilos musicais também são frequentemente lembrados na hora de apontar culpados, mas de pouco adianta responsabilizar um jogo ou uma mensagem subliminar em alguma música de Heavy Metal. Na segunda década do século 21, as nuances da violência estão cada vez mais diluídas no cotidiano.
E, quando alguém atribui responsabilidade por um atentado a videogames, como fez recentemente o presidente da República, não percebe que o problema não está na trama do jogo em si, mas sim nas salas de bate-papo desses games e nos diálogos entre os jogadores. Racismo, xenofobia, misoginia, pedofilia e propaganda nazista são conteúdos que se tornaram banais nesses ambientes marcados por discursos violentos.
O aplicativo Discord, plataforma de conversa de áudio e vídeo, bastante popular entre jovens e jogadores, para citar um exemplo, é marcado pela falta de moderação e o uso de humor sádico, principalmente por memes, para distribuir conteúdo explícito, principalmente contra crianças, animais, mulheres e pessoas negras.
Se crescemos rodeados de filmes e séries norte-americanas mostrando a dura realidade das “High Schools”, é importante salientar que a maneira como os jovens se relacionam nos dias de hoje mudou radicalmente com o uso indiscriminado das redes sociais e dos smartphones. Na internet, é possível administrar múltiplas personalidades, ser o agressor e o agredido, revelar segredos e frustrações a estranhos e assim criar laços com grupos cada vez mais politizados e polarizados.
A ascensão da extrema-direita no mundo, com processos eleitorais particularmente traumáticos nos EUA e no Brasil, somadas ao isolamento social gerado pela pandemia, impulsionou os crimes de ódio. Seria o fator temporal que fez com que os ataques em escolas brasileiras chocassem a sociedade pela frequência quase semanal com que iam parar no noticiário?
Apenas em 2022 e 2023, o número desses ataques no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores, segundo pesquisadores. Um levantamento feito pela pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), registrou 22 ataques a escolas entre outubro de 2002 e março de 2023.
Ou seja, o ataque que matou quatro crianças em Blumenau e o ataque a faca no Rio de Janeiro que matou uma professora ainda nem tiveram tempo de “virar estatística”. Cabe ressaltar que 11 desses 22 ataques aconteceram nos últimos dois anos.
Como frear essa escalada? Qual a solução? As propostas vão desde instalar detectores de metal e postar policiais dentro das escolas até armar professores. Faz sentido transformar um ambiente de ensino em locais beligerantes, que lembram instituições militares ou presídios de segurança máxima?
O papel do professor é mesmo o de uma espécie de escudo, alguém disposto a dar a própria vida para salvar alunos a qualquer preço? Como abordar o tema? Qual treinamento a ser adotado em momentos de crise? Se não temos respostas fáceis e que agradam a todos, algumas ações concretas começam a surtir efeitos positivos.
A imprensa brasileira, que costumava entrar na psique dos assassinos, analisando cada pormenor e divulgando suas faces e ideias, muitas vezes deixadas em cartas e manuscritos, decidiu mudar de estratégia. Ao não mostrar o rosto ou nem mesmo o nome do autor, combate o “efeito contágio” e os admiradores de crimes reais.
No dia 20 de abril, data-aniversário do Massacre de Columbine, ocorrido em 1999, nos Estados Unidos, muitos pais foram bombardeados com mensagens e Fake News de possíveis atentados no Brasil para homenagear esse crime, que teve ampla exposição na mídia e também no cinema.
Aliás, combater a desinformação é uma das primeiras atitudes que precisam ser tomadas para evitar o pânico e que mensagens de ódio e ameaças reais sejam transmitidas livremente. Dez dias após o ataque em Blumenau, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública anunciou que 756 perfis foram derrubados das redes sociais, com 225 pessoas presas ou apreendidas. Quase 700 adolescentes e adultos foram intimados a prestar depoimento em delegacias, foram 155 buscas e apreensões e 1.595 boletins de ocorrência registrados com milhares de investigações em curso através de denúncias recebidas através do canal oficial do governo. Será o bastante?
O Instituto Crescer produziu um documento chamado “Paz Nas Escolas É Essencial”, divulgado em nossas redes, com reflexões sobre o contexto atual e traçando estratégias propositivas para combater o bullying, o excesso de intermediação das relações via redes sociais, exclusão social e preconceito, a falta de diálogo dentro das famílias e também com dicas de como se blindar contra fake news. O material tem uma curadoria de links para indicar os comportamentos que não devem ser apoiados, como fomentar a cultura de paz e cuidar de quem cuida.
Evitar que essas tragédias sejam normalizadas e virem apenas números é crucial. Mostrar que a internet não é um território sem lei vale para uma miríade de crimes em andamento, porém, estar atento no que acontece nas telas se torna ainda mais importante quando o assunto são crianças e adolescentes em busca de conhecimento e diversão.