Bullying (AntonioGuillem/Thinkstock)
Colunista
Publicado em 23 de abril de 2025 às 20h31.
Fazia tempo que uma obra audiovisual com temática ligada à educação não suscitava tanta discussão nos mais variados círculos da sociedade quanto a série “Adolescência”, da Netflix, está gerando.
Até onde me lembro, 2008 teve uma safra boa com os filmes: "Entre os Muros da Escola" – ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, que mostra a complexidade das relações dentro de uma sala de aula e as dificuldades que surgem quando se tenta formar cidadãos críticos e responsáveis – e “A Onda”, que apresenta um experimento social realizado por um professor de ensino médio em uma escola na Alemanha que, durante uma aula sobre autocracia, propõe demonstrar in loco como os sistemas autoritários podem se formar rapidamente.
Cada obra, a seu modo, gera inquietação e debates calorosos. O que “Adolescência” traz de diferente é o que seu criador, Stephen Graham, conseguiu amplamente atingir: “Se tivemos um objetivo, foi o de tentar iniciar uma conversa entre pais e filhos”.
Sim, estamos conversando bastante sobre a série, o que considero positivo. Há gente analisando aspectos artísticos e cinematográficos, de saúde mental, criminal e legal, ou ainda sob o prisma tecnológico da validade de se controlar as redes sociais, via curadoria e moderação humanas.
Como educadora, proponho-me a olhar o que me cabe: a missão holística da educação que é propiciar a crianças e adolescentes oportunidades de sonhar e de perseguir seus sonhos.
Ao assistir “Adolescência” foi inevitável pensar duas coisas: onde estão os sonhos desses jovens diante de todo o conflito; e o que pode impedir que histórias como a do personagem ficcional Jamie Miller se multipliquem?
Entendo que a produção traz à tona um desconforto que existe na sociedade, principalmente entre os homens (mas não só), em relação ao fortalecimento do universo feminino.
É comum ver exemplos da incapacidade de se lidar com a energia e o dinamismo das mulheres contemporâneas, de conversar de igual para igual – debater, negociar, firmar acordos – e não mais ter diante de si uma pessoa submissa.
É fato que a internet cria oportunidades de troca de ideias e alavanca assuntos diferentes, mas também potencializa o surgimento de ressentimentos e rixas por meio de ciberbullying. E isso pode resultar em radicalismo e tragédia.
Que fique claro: não sou contra a tecnologia. O uso da internet pode ser tanto benéfico quanto prejudicial, pois pessoas com interesses semelhantes se aglutinam por afinidade. Há grupos sobre vinho, futebol, música, espiritualidade, mães de filhos neurodivergentes, pessoas com deficiências, doenças raras…
E há ambientes de discussão nocivos, como os de grupos de homens que se sentem desprezados, injustiçados e prejudicados pelas mulheres e alimentam sentimentos de frustração e raiva. “Adolescência” menciona dois: Red Pill – querem barrar as transformações sociais que promovem a equidade de gênero; e Incel (celibatário involuntário), que nutrem a ideia de serem vítimas de um tipo de discriminação baseada na atratividade física e se veem condenados à solidão.
Resgato rapidamente que o movimento feminista está em sua terceira onda. A primeira aconteceu no século XIX e era conectada ao movimento sufragista. A segunda, que se estendeu de 1960 a 1980, concentrou-se em questões como direitos reprodutivos, igualdade no trabalho, sexualidade e direitos civis. Por fim, a terceira onda, iniciada nos anos 1990, foca em questões de diversidade e inclusão, e aborda o ciberbullying de maneira a combinar a luta contra a violência de gênero online com a busca por uma cultura digital mais saudável e equitativa.
É nesse sentido que o tema da série se conecta com meu artigo anterior, em que tratei da importância do letramento digital e da implementação da educação midiática.
Contudo, acredito ser necessário dar um passo atrás e resgatar um princípio basal: a convivência.
Como disse David Brooks em seu livro "O Animal Social", a natureza humana é profundamente influenciada pelas relações sociais, indo além das explicações biológicas e genéticas do comportamento. Ou seja, a convivência e a falta dela moldam os seres humanos.
Há dois pensadores vivos fundamentais para a pedagogia com ideias correlatas à de Brooks: Edgard Morin, autor de “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro"; e Jacques Delors, autor de "Educação: Um Tesouro a Descobrir".
Ambos propõem visões educacionais que integram aspectos sociais no processo de ensino-aprendizagem. Morin defende uma abordagem educacional que vai além da transmissão de conteúdos e habilidades isoladas. Delors, por sua vez, propõe quatro pilares da educação, entre eles o aprender a viver juntos, que visa desenvolver competências sociais e culturais para conviver com os outros, respeitando a diversidade.
No cotidiano das escolas a convivência e o diálogo entre alunos, alunas, professores, professoras, coordenadores e direção, mães e pais são pilares para a existência da instituição!
Cabe aqui elogiar a lei brasileira que proíbe o uso de celulares nas escolas, a não ser no caso de uso pedagógico ou de emergência médica, como já expliquei aqui. Então, convido agora as escolas a trazerem a discussão sobre a tecnologia e as redes sociais tanto para estudantes quanto para seus pais. Como?
Dessa forma, meninos que se sentem enfraquecidos podem se desenvolver e se sentir tão confiantes quanto as meninas, por meio da valorização da troca de ideias, de experiências e da escuta ativa.
2. Combatendo a ausência de pais e mães da escola, em especial no Ensino Médio, rebatendo a ideia equivocada de que, à medida que as crianças crescem, torna-se desnecessário acompanhá-las de perto.
Educar cansa, porque você tem de ficar o tempo inteiro falando a mesma coisa. Educar significa monitorar a evolução, conscientizar-se e conscientizar o outro de que limites são saudáveis e que há valores e princípios em todas as famílias.
3. Propondo atividades de integração presencial entre equipe escolar, estudantes, mães e pais para abrir espaço de aproximação e facilitar o diálogo.
Já desenvolvi algumas ações em projetos no Instituto Crescer que tinham como objetivo fortalecer os laços familiares. Dois formatos foram extremamente bem-sucedidos.
Um primeiro exemplo é a ação Fórum em Roda, iniciativa que fazia parte dos projetos Conecta e OCA – Organismo, Comunicação e Arte e Cidadãos do Futuro. Nesta atividade, um especialista era convidado a participar de uma conversa, em um formato similar ao proposto pelo famoso programa da TV Cultura, o “Roda Viva”. Buscava-se identificar um tema de angústia latente dos adolescentes e um especialista voluntário era convidado para conversar e trabalhar os conflitos entre pais e filhos.
O segundo exemplo é o Café Comunitário, que também fazia parte das atividades dos mesmos projetos mencionados acima. A ação educativa configurava-se como uma atividade de culminância do projeto, organizada pelos jovens, em que toda a comunidade – escolar e de entorno – era convidada a participar. Nesse dia, tínhamos o show de talentos com música, dança, capoeira etc., e qualquer um podia se apresentar, a partir da inscrição em uma agenda que era organizada pelos jovens.
Esse tipo de evento cria um movimento de conexões diferentes do habitual e que traz oportunidades de exposição de ideias, negociação de interesses e escuta ativa durante todo o processo: do planejamento à avaliação dos resultados, que ocorria ao final. Meninos e meninas trabalhavam juntos por um objetivo comum!
Pode parecer simplista, mas a convivência nada mais é que interagir e compartilhar o espaço com outras pessoas, grupos ou seres em harmonia e respeito. Penso que, neste momento, a hipervalorização de um grupo em detrimento de outro é danosa. Considero mais precioso refletir e agir para aspectos que façam as pessoas se sentirem bem, independente de seu gênero.
Em família, sugiro começar a promoção da convivência pelo que é senso comum:
Sou a favor da convivência que estimule a colaboração e a empatia. A escola tem um papel essencial em promover um ambiente de trocas equânimes, de trabalho conjunto em projetos nos quais cada um, com suas competências, contribui da melhor forma, se expõe, fala e ouve.
Ao fortalecer todos os grupos, uma hora fortalecemos os estudantes para estarem neste mundo de forma plena, preparados para interagir, reconhecer e respeitar as diferenças e superar qualquer dificuldade no ambiente social.