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ChatGPT: Aliado ou Vilão da Educação?

Lançado em novembro do ano passado, a plataforma de Inteligência Artificial criada pela OpenAI virou assunto em todo o planeta nos últimos meses

ChatGPT  (Nikolas Kokovlis/NurPhoto/Getty Images)
ChatGPT (Nikolas Kokovlis/NurPhoto/Getty Images)
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Crescer em Rede

Publicado em 20 de março de 2023 às, 12h54.

Passado o frenesi inicial em torno do ChatGPT, chegou a hora de conversarmos a sério. Lançado em novembro do ano passado, a plataforma de Inteligência Artificial criada pela OpenAI virou assunto em todo o planeta nos últimos meses com direito a jornalistas e profissionais de muitos setores vaticinando o fim de diversas profissões e a completa transformação de dezenas de atividades do cotidiano, como a elaboração de artigos e a correção de tarefas escolares, para focarmos apenas no sistema educacional.

Mas será que esse é realmente o cenário que nos aguarda?

Se você chegou a usar o programa, um chatbot, ou seja, modelo de linguagem ajustado com técnicas de aprendizado supervisionado e por reforço, pode até ter se impressionado. Realmente há coisas maravilhosas que ele consegue fazer a partir de conversas que são estabelecidas com os usuários humanos, tais como elaborar textos coesos e responder questões com argumentos bem encadeados no lugar de nos entregar resultados de páginas da internet, como faz o Google. No entanto, basta um olhar mais atento para notar que nem tudo que reluz é ouro, principalmente quando o assunto é qualidade da informação.

Ao perguntar para a Inteligência Artificial quantos brasileiros já ganharam o prêmio Nobel, por exemplo, o ChatGPT responde que seis já receberam a honraria, como Carlos Chagas, na Medicina, e o diplomata Sérgio Vieira de Melo com o prêmio pela Paz. Essas informações, porém, são completamente falsas. O Brasil nunca teve um vencedor. Ou seja, o programa “alucinou”, como carinhosamente tem sido apelidado esse tipo de situação. O sistema preferiu dar uma resposta “de encher os olhos” do que responder um fato em apenas uma ou duas linhas.

Para estudantes que já estão na academia, o maior problema parece ser a invenção de referências bibliográficas. O ChatGPT chega a sugerir artigos científicos com títulos impactantes, que, infelizmente, são inexistentes.

Então quer dizer que ele não serve para nada?

Pelo contrário, quando usado como uma ferramenta auxiliar ao processo de ensino, e ao mercado de trabalho, ele pode fazer toda a diferença. Apesar de funcionar melhor na língua inglesa, a versão gratuita do chatbot consegue resumir informações, organizar textos ruins em obras mais coesas, criar questões de múltipla escolha com base em um texto, organizar um glossário e pode, inclusive, ajudar o professor a corrigir as tarefas de seus alunos e preparar planos de aula. O programa é tão sofisticado que é capaz de elaborar textos a partir de um contexto de pesquisa e definição do tom do discurso. Tudo isso porque, em sua programação, ele integra sintaxe e semântica.

Mas e como tudo isso se relaciona com o processo de ensino e aprendizagem? E a cola? É o fim da lição de casa?

Se imaginarmos uma situação em que os estudantes do sétimo ano são orientados a produzir um trabalho sobre a Revolução Francesa e simplesmente entregá-lo ao professor, estaremos subestimando o potencial dessa ferramenta e, inclusive, otimizando o péssimo do ponto de vista didático. Ou seja, aquela oportunidade de aprendizagem que já era ruim, torna-se pior ainda. Agora, se o professor acompanha o processo dos estudantes, os estimula a fazer boas perguntas, a compartilhar seus achados, verificar a pertinência com o contexto, bem como a veracidade, aí sim estaremos tirando melhor proveito dessa ferramenta em prol de uma jornada de ensino e aprendizagem efetiva.

Enquanto alguns estudiosos afirmam que algumas formas de cobrar o conhecimento podem, sim, estar com os dias contados, as possibilidades do programa são, aparentemente, maiores que seu lado destrutivo. Assim como vários processos de automação pelos quais a humanidade passou, teremos altos e baixos, alguns empregos irão desaparecer, mas muitos outros deverão surgir.

E, professores, podem ficar tranquilos, a profissão de vocês não corre nenhum risco, desde que estejam cada vez mais interessados em rever sua prática pedagógica e desenvolver habilidades para promover boas reflexões e diálogos. Aquela ideia de que o professor deve ser mediador da aprendizagem se torna cada vez mais premente para colaborar com a formação de sujeitos que são capazes de ter e perseguir seus sonhos. Habilidades tais como criatividade, senso crítico, empatia, resiliência, visão de mundo e empreendedorismo, por enquanto, pertencem somente a nós, humanos.

Noam Chomsky, o pai da linguística moderna, afirmou, notem bem, que recriar a experiência humana, o contato entre duas pessoas e o que elas criam juntas, será difícil ou até mesmo impossível. Isso porque a Inteligência Artificial que temos disponível hoje está bastante distante de ser aquela que vemos nos filmes de ficção científica. Não possuímos uma tecnologia capaz de emular sentimentos humanos, de ter uma consciência moral ou ética. Então, pelo menos por enquanto, não seremos reféns da nossa própria criação.

Enfrentaremos, contudo, muitos problemas. Corremos cada vez mais o risco de ampliar o fosso social que já existe entre estudantes que têm e que não têm acesso às tecnologias digitais e, principalmente, à Internet. Não ficam de fora aqueles que já têm acesso a estes recursos, mas os professores que não tiveram interesse ou condições de repensar sua prática pedagógica, buscando promover um processo educacional cada vez mais interativo, colaborativo e baseado em boas perguntas, serão cada vez mais marginalizados de uma sociedade extremamente e cada vez mais exigente. Yuval Harari diz que até 2050 deve nascer uma classe de pessoas inúteis. São pessoas que não serão desempregadas, mas que não serão empregáveis; e eu tendo a concordar com ele.

Uma questão que nós, como sociedade, precisamos nos fazer é: quem irá guiar o professor em cenários de constantes mudanças como essa?

Qual é o papel de cada um, inclusive de nossos governantes? A cada nova atualização do programa será preciso rever as práticas de ensino? Investir em novas tecnologias?

O ChatGPT-4, recém-lançado no formato pago e com lista de espera, permite o uso de imagens e diz ter corrigido boa parte das “alucinações”, mas, repito, nada de consciência humana. Diante de tudo isso, envolver os estudantes em momentos de aprendizagem significativa é o grande desafio!!

Vale lembrar que, apesar de ser o mais conhecido, o ChatGPT não é o único. Há vários programas que prometem revolucionar o ensino e o mercado de trabalho, seja na criação de músicas, imagens, fotografias, vídeos ou o que quer que seja. Essas ferramentas são o início de uma grande transformação cultural, assim como na primeira década dos anos 2000, quando incorporamos a internet em nossos celulares e passamos a ter acesso a qualquer informação a um toque dos dedos.

Teremos, quem sabe, o fim da hegemonia do Google, um sopro para a Microsoft e ainda mais democratização da informação. Mesmo que os mais diversos serviços de IA consigam criar novos mundos, ainda será necessário que um humano dê o comando

Dito isso, fiquem sossegados, saber fazer as perguntas certas e como apurar a precisão das respostas ainda vai demorar um bom tempo para sair de moda.

(*) Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação